sexta-feira, 4 de agosto de 2006

Madonna vai ser crucificada

"Tudo o que fazemos é ligado ao dinheiro.
Eu sou uma mercadoria e tenho
plena consciência disso."
Marlon Brando

A cantora Madonna, expert em provocações e sensacionalismo em torno de sua figura, está realizando uma turnê intitulada "Confessions". Os jornais estão registrando que, domingo próximo ela repetirá no Estádio Olímpico de Roma, a cerca de três quilômetros do Vaticano uma performance em que se apresenta com uma coroa de espinhos - falsos é claro - e se crucifica numa cruz cenográfica.

O Estado de S. Paulo diz o seguinte: "O espetáculo que o "Corriere della Sera" define como "estilo Las Vegas" começa com Madona cantando "Future Lovers", com quatro dançarinos em volta dela. Mais tarde ela coloca em si mesma uma coroa de espinhos e se dependura em uma gigantesca cruz de feltro para cantar "Live to Tell". Ao fundo, imagens de vídeo mostram cenas de pobreza no mundo. Em outra montagem de vídeo são justapostas imagens de Bush, o presidente norte-americano, do primeiro-ministro inglês Tony Blair com Adolf Hitler, Osama bin Laden, e o presidente do Zimbabwe Robert Mugabe."

Uma leitura que se pode fazer indica que a cantora profere uma crítica encenada, realiza uma metáfora musical em que deplora a crueldade dos tempos que vivemos e representa o ser humano revivendo no cotidiano a Paixão de Cristo.

Outra compreensão do fato nos diz que na verdade ela, com seu extraordinário feeling mercadológico, produz um espetáculo aberrante, gritante, onde, pelo escândalo, consegue manter sobre si as luzes da grande ribalta em que se transformou o mundo. Ela estetiza a brutalidade, refunde em sons e imagens a dor e violência que permeiam o cotidiano.

Talvez se pudesse dizer, sintetizando os dois pontos de vista, que ela se permite uma licença poética e, pelo seu talento para protagonizar polêmicas, traz de fundo, no vácuo de sua passagem, uma alusão dramática da vida crua e cruel. Efetivamente, aproveita-se dos dramas do mundo para manter sua fama. Tanto que, ao receber o repúdio do Vaticano e de grupos religiosos, convidou o papa Bento XVI a assistir a seu show.

Detalhe: Madonna nunca foi uma militante de causas nobres. Sempre atuou no segmento do show business voltado para o aspecto "comportamento", valorizando um estilo de vida que vai de encontro ao estabelecido, o normalizado, o pré-determinado. É defensora de um hedonismo burguês e lucrativo. Só isso.

Sequer pode ser comparada com os cantores e compositores da década de 1960, que ao contestar o estabelecido e o comportamento conservador, o faziam em nome de uma sociedade melhor, mais justa, com liberdade de opinião e respeito à individualidade.

Seu repertório jamais incluiu composições cujas letras estivesem criticando o status quo, o imperialismo, a exploração dos países de periferia, que justificassem o conteúdo do seu show ou intenções sinceras de ajudar.

Agora, com seu novo espetáculo, utiliza as imagens do mundo em dor. Agindo desta forma, garante mais alguns milhões de dólares à sua fortuna e nada mais. Também foi publicado pelo Estado que ela pretende ajudar a mais de um milhão de crianças pobres de Malauí, um país localizado no leste da África, onde grassam a aids e a malária.

Gesto humanitário? Talvez. Mas o certo é que, com isto, se vier a acontecer, já que o jornal informa que ela pretende visitar o Malauí em outubro, manterá em torno de si a aura de figura pop, fulgurante e explosiva. Se ela o fizer, vai acontecer; e sabe que, acontecendo, vira manchete.

A manchete atrai manchete e assim por diante. O certo é que vivemos num mundo de espetáculos diários, de simulacros e dissimulações, o homem como lobo do homem, na encenação da tragédia de todos os dias. O mundo já se acostumou com as bombas.

O espetáculo chama-se, irônicamente, Confessions. E é, mesmo, a confissão da miséria humana: espetacularizada e vista como só mais um dado nesse cotidiano de vazio e de medo.

Honestidade castigada

"O homem razoável se adapta ao mundo;

o irascível tenta adaptar o mundo a si próprio.

Assim, o progresso depende do homem irascível."
George Bernard Shaw

O texto abaixo foi publicado no jornal O Estado de São Paulo. Veja só como são tratados aqueles que se insurgem contra os, como diria Caetano Veloso, Podres Poderes.



Fabiana Marchezi


SÃO PAULO - O caseiro Francenildo Santos Costa disse nesta quinta-feira que se arrepende por ter falado a verdade sobre o ex-ministro da Fazenda, Antonio Palocci, por que agora não consegue mais emprego. "Não estou conseguindo emprego, aí. Todo mundo fala: Ah, esse rapaz deve falar demais, não vamos dar serviço pra ele, não!", disse ao Jornal da Record. "Aí, é nessa hora que eu estou falando que não vale a pena falar a verdade".

Nildo, como é conhecido, denunciou, em entrevista exclusiva ao Estado, as visitas do ex-ministro à mansão alugada em Brasília pelos lobistas conhecidos como república de Ribeirão Preto e afirmou ter visto dinheiro chegar em malas e ser dividido na casa. Palocci foi demitido do governo Lula após a descoberta da quebra ilegal do sigilo bancário do caseiro.

Ele lembrou que Palocci é candidato a deputado federal e que ele não consegue nenhum trabalho. De acordo com a TV Record, Costa vive hoje de favor na casa de parentes, na periferia de Brasília. O ex-caseiro entrou na Justiça com pedidos de indenização por danos morais. O advogado dele, Wlicio Nascimento, afirma que "o ofensor, quem cometeu o dano, deve ser punido".

Nota do redator: chegamos, plenamente, aos tempos em que o homem se arrepende de ser bom e tem vergonha de ser honesto, como afirmava Rui Barbosa.

quinta-feira, 3 de agosto de 2006

Vai começar a temporada dos gritos. Todos querem capturar o eleitolo. Se você for um eleitolo, vai ser ser fisgado

"Nunca se mente tanto como antes das eleições,
durante uma guerra e depois de uma caçada"
Otto von Bismarck

Aos poucos, os carros de som vão tomando conta das ruas e logo estarão alardeando as excelências e boas vontades dos candidatos. De todos os candidatos. E, como sempre ocorre em períodos eleitorais, nunca se verão tantos homens bons e mulheres politicamente virtuosas, todos unidos em favor do povo, coitadinho, que tanto precisa de alguma ajuda.

A valer o entendimento de Bismarck, está aberta a temporada das mentiras, uma vez que estamos antes de uma eleição, eleição que vai assumir contornos de guerra e depois virar uma caçada ao voto do eleitor. Melhor seria dizer, do eleitolo.

O eleitolo é o eleitor que se deixa convencer por inteiro das intenções de um candidato ou candidata. Não se pode confiar num político cem por cento. É do meio, é da circunstância política a concessão, o abrir de mão, o jogo-de-cintura frente ao mais terrível adversário, para se conseguir algo, mesmo que esse algo seja efetivamente o bem-comum.

É paradoxal que, para fazer algo certo, para aprovar uma lei que favoreça essa entidade que os cientistas políticos chamam de povo, tenha-se de fazer concessões a grupos que querem tirar do povo o pouco que este já tem. Só se faz algo pelo povo dando-se menos do que o povo precisa.

Mas é assim que o jogo funciona e que a máquina se movimenta. É o toma-lá, dá-cá. E o eleitolo fica ali, só observando, esperando que algo de bom aconteça à sua sofrida e previsível vida. O eleitolo sempre acredita no marketing, no grito, no gesto, no slogan. E no fim, vota. Acredita no amanhã, mas o amanhã, já notou?, é um tempo que nunca chega...

Mas a eleição está chegando, os eleitolos estão pululando por aí e no final das contas os políticos, no seu grande esforço, darão ao eleitolo pão e circo.

Para finalizar, um registro de cinismo: o presidente da Assembléia Legislativa do Rio Grande do Norte, deputado Robinson Faria, disse o seguinte: para conciliar as atividades em plenário com as movimentações políticas pelo interior, à cata de votos, será feito pelos deputados "um sacrifício muito grande, mas vamos tentar."


Os eleitolos, deputado, saberão compreender e recompensar o seu terrível tormento e inominável sacrifício. Ó tempos! Ó costumes!

terça-feira, 1 de agosto de 2006

O espetáculo eleitoral

"Os políticos morrem de inveja
da gente. Eles se estapeiam para
aparecer no vídeo. enquanto nós
aparecemos todos os dias."
Da atriz Suzana Vieira

A coluna de Roberto Pompeu de Toledo, na Veja desta semana, está dizendo que a Globo negociou com os candidatos Luciano Bivar e José Maria Eymael a cobertura diária de suas andanças pelo país, comendo sanduíches de mortadela e bebendo café em botecos de segunda. Em troca, eles não serão excluídos de programas de debate ou entrevistas.

Assim, eles aparecem todos os dias no Jornal Nacional da mesma forma que personalidades como o presidente Lula, a senadora Heloísa Helena e o senador Cristovam Buarque, aparentemente como se estivessem em pé de igualdade. Insistindo no detalhe: o acordo com a Globo, segundo Pomeu, prevê que serão descartados nos grandes momentos da campanha, debates e entrevistas de peso. Relação custo/benefício para os dois: como certamente eles sequer se imaginam com competência para chegar a um segundo turno, é um grande negócio.

No caso, temos o que os estudiosos de comunicação chamam de enquadramento plural fechado. Explicando, mesmo que de modo simplificado, nesse enquadramento, ou seja nessa exibição dos atores políticos, todos os candidatos aparecem no noticiário, mas alguns estão em posição de assimetria sobre os demais, recebendo o realce que presuntivamente merecem, em função de posições ocupadas, histórico pessoal, passado político, essas coisas que dão fama reiterada às pessoas.

Quem não tem tais qualidades, fica em situação desprivilegiada. Lula e Cia. aparecem no notidiário de toda noite e vão participar dos debates: os outros dois, não. Eis aí o enquadramento plural fechado.

Na verdade, o foco deste comentário não é tratar de assuntos técnico-acadêmicos, como a questão dos enquadramentos. Mas trazer como tema o problema do espetáculo na política.

O que a globo não quer é a presença de atores de segundo time, cujas posições e pensamentos entende que não sejam do interesse popular. Ambos são ilustres desconhecidos para o povo, conseqüentemente, supõe-se que suas palavras não tenham interesse para o grande coletivo nacional.

O que se quer é provocar uma sensação, uma expectativa para as arenas a serem montadas pela Globo, presentes, aí sim, os nomes tidos como mais representativos. O que se quer mostrar é o embate, o conflito de forças máximas da política brasileira, as fagulhas comunicacionais que possivelmente sairão desse confonto. É o frisson, a mise-en-scene retórico-gestual.

E, dia seguinte, pesquisas vão pulular anunciando quem venceu o debate, quem convenceu mais, quem dobrou o adversário. Agora, quer ver Eymael ou Bivar aparecerem com destaque? Basta que surja fato novo, que jornalisticamente justifique sua presença com luzes e toques.

Caso eles consigam levar para as ruas, para onde quer quer estejam, o espetáculo, pronto, estarão aptos a se apresentar nos palcos da globo. E isso é o mais preocupante: a ação jornalística, caso sejam verídicas a informação do colunista de Veja, de que uma emissora de TV selecionou seus atores políticos segundo sua fama e suas divergências, ao invés de seus conteúdos. É uma seleção fulanizada.

Não estou dizendo que Eymael ou Bivar tenham nada de novo a propor. Apenas que deveria haver oportunidades iguais para aqueles igualmente candidatos. Só isso.

Na verdade, a prática da discriminação é comum. Somente surge em destaque no noticiário aquele que já detém capital simbólico acumulado durante muitos anos e portanto pode valorizar-se e ser valorizado pelo jornalismo.

Caso típico a quebrar essa regra foi o de Miguel Mossoró, aqui em Natal, quando, na última campanha para eleição de prefeito, se propôs a construir uma ponte ligando o Estado à ilha de Fernando de Noronha. Pronto: foi o suficiente para que seu perfil se enquadrasse nos critérios de noticiabilidade e o homem percorreu o mundo inteiro nos noticiários, blogs, comentários, tudo o que pudesse servir de veículo de comunicação de massa.

Quem sabe, se Eymael ou Bivar começarem a comer sanduíches gigantescos, pesando quilos e quilos, não consigam ganhar as manchetes e venham a ser convidados para debates?

Debates deveriam servir para esclarecer. Mesmo sabendo-se que no fundo são todos acontecimentos espetaculares em essência, uma vez que são acontecimentos de massa, deveriam ter um Norte ético, o que começaria com o convite a todos os candidatos.

Enquanto isso, o noticiário enche linguiça com o relato de visitinhas de candidatos, todos, a ruas e quitandas e o eleitor fica sem a informação principal: a visão de cada um, sua interpretação da realidade nacional e seus (supostos) compromissos.

A lei eleitoral contribui muito para amordaçar o noticiário televisivo. Mas a TV negociar o silêncio de alguém, aí já é outra coisa.

domingo, 30 de julho de 2006

A liberdade é secreta

“Domar o tempo não é matá-lo, mas vivê-lo.”
Afonso Arinos de Melo Franco

A liberdade pode ser obtida como sucesso e resultado de uma grande passeata, um protesto, uma revolução. Mas essa é a liberdade política, aquela que substitui uma forma de convivência coletiva legislada, por outra, de interesse da maioria que agiu em conjunto, na busca de uma nova realidade.
A liberdade a que me refiro, entretanto, é uma forma pessoal e íntima de ser. A descoberta de um caminho bem próprio, geralmente incompreensível para quem está adaptado à liberdade comum e convencional.
O burocrata que respeita seu expediente é livre porque obedece; o magnata que controla milhões de dólares e milhões de pessoas pelo mundo afora é livre porque tem poder. Ambos são, entretanto, escravos: um, do seu expediente; outro, da implacável rotina, da obrigação de, diariamente, ganhar mais e mais. São somente dois exemplos, mas creio que a regra se aplica a qualquer atividade.
Somos todos escravos no instante mesmo em que, imersos e presos a convicções de realidade, não entendemos que nossa realidade é apenas parte do nosso ser, existir e estar no mundo. É claro que o burocrata pode ser livre, mesmo obedecendo. Basta tomar consciência de que aquilo que faz é apenas um dado de vida. No instante em que se voltar para o seu interior, poderá começar a descobrir os caminhos da liberdade secreta.
Não sei se o mesmo vale para o magnata. Lembremos que o dinheiro é um senhor poderoso. E quem o tem, quem o tem em grande quantidade, passa a ser apenas seu guarda, um vigilante eterno de sua fortuna. Dificilmente terá condições de caminhar pela liberdade secreta.
Construímos uma civilização baseada no ter, não no ser; erguemos um mundo onde os esquemas de pensamento, a organização, o resultado, se sobrepõem à serenidade, ao respeito, à reflexão.
Vivemos um processo em que o indivíduo é sempre chamado, seduzido, convidado a se unir à massa, seguir sem pensar aquilo que lhe é determinado. E quanto mais se confunde com o todo, mas se lhe diz que é livre: livre para escolher uma marca, livre para se vestir com as roupas que estão na moda, livre para ficar preso a um canal de TV, livre para isso, livre para aquilo, livre para aquilo outro, livre para... basta.
A liberdade é secreta. Ela é silenciosa e existe para quem pára, quando tudo diz que se deve andar.
A liberdade é secreta. Ela é calma, e existe para quem sabe olhar ao lado e ver que pode tomar um caminho estreito, mesmo que à beira de um penhasco.
A liberdade é secreta. Ela não precisa de gritos, pois é um chamamento à paz.
A liberdade é secreta. É secreta mas nada esconde, pois se abre aos olhos de quem não precisa de olhos para ver.
A liberdade é secreta. Mais pode ser encontrada na dor, que na explosão da alegria comprada; na perda, que no ganho desvairado; no silêncio, que nos brados; nas pequenas realizações do dia a dia, que nas torres falsas das grandes cerimônias.
A liberdade é secreta.
A porta está à sua vista.
Pode entrar.