quinta-feira, 29 de junho de 2006

Os sem-avião e a publicidade

"A não-violência nunca deve ser usada
como um escudo para a covardia.
É uma arma para os bravos."
Mahatma Gandhi

Um dos pilares da economia hoje, é a publicidade. Os anúncios, o discurso de sedução e convencimento de uma empresa sobre seu produto ou serviço são parte orgânica de sua ação administrativa. Tanto que publicidade, para o empresário que se pretenda moderno e esclarecido a respeito do seu produto, bem como sobre o mercado sobre o qual atua, integra organicamente a ação de sua empresa.

Publicidade, hoje, não é custo, despesa, é investimento. É parte do capital que vai atrair mais aporte de capital via vendas. Ocorre aí, entretanto, uma disjunção entre o discurso publicitário e a realidade da empresa. Em suma, são duas realidades diferentes, convivendo entre si. A publicidade dizendo o quão boa a empresa é, e aquilo que na verdade a empresa é: uma entidade voltada para o lucro.

Quando há coincidência entre o anúncio e a verdade da empresa, temos essência e aparência unidas como yin e yang, ou faces de uma mesma moeda. Quando a empresa entra em processo de queda, o discurso do anúncio se distancia da verdade . E os resultados negativos quem sente são os clientes e os trabalhadores das empresas em processo de desmanche.

O caso típico é a situação de tsunami econômico em que se encontra a Varig, cuja tradicional e respeitada marca, construída em anos de trabalho publicitário que coincidia com a essência da empresa, deixou seu céu-de-brigadeiro econômico e ingressou numa área de turbulência grave.

O resultado são funcionários tentanto desesperadamente salvar a empresa e conseqüentemente seus próprios empregos e os clientes, hoje amontoados em aeroportos. Inauguram assim o que os jornais estão chamando de sem-avião, a mais nova categoria nacional de desvalidos, mesmo que desvalidos de ocasião, desvalidos de classe média.

Os sem-avião ficam à mercê das desgraças empresariais da Varig. Perembulam pelos aeroportos, dormem no chão ou sobre a bagagem para que esta não seja roubada. Imploram nos balcões das empresas por uma mudança de vôo. De nada adianta. Entre a Varig anunciada durante anos e a verdade dura da Varig atual há uma diferença abissal. E os sem-avião ficam, surrealisticamente, a ver navios.

A grande questão é que quando a publicidade aponta um produto ou serviço como importante ou necessário ao consumo de massa, o faz com linguagem de autoridade, de conosseur , ou seja: há uma promesa, uma garantia mesmo, de que aquilo tem qualidade - aqui entendida em sentido amplo - tanto que a sociedade deverá consumi-lo, qualquer que seja a matéria anunciada.

Está sendo assim com a Varig, foi assim com a Parmalat. Quem não se lembra a bela e sedutora campanha dos "mamíferos", adoráveis crianças vestidas de bichinhos, bem nutridas e lindas, somente porque bebiam leite Parmalat? Na verdade, nem leite Parmalat existia. E isso pelo fato de que somente existe leite. A marca é que foi colada ao conceito de um leite que tem nome.

E o que aconteceu? A Parmalat entrou em processo falimentar. Em nenhum momento seus diretores ficaram preocupados com o que aconteceria com as milhares de crianças "mamíferas". Como elas iriam sobreviver sem o seu leitinho Parmalat? Ora bolas... Eles tinham mais o que fazer.

Com a Varig, o slogan "Varig, Varig, Varig", que fechava seu jingle, insinuava que somente com aquela palavra, o nome da empresa, estariam garantidos todos os bons serviços da empresa, desde a venda do bilhete de viagem, passando pelo percurso, até o pouso tranqüilo e a chegada repousante do passageiro. Havia, acima de tudo, uma promessa de perenidade.

A publicidade é envolvente e promete, ao cliente, implicitamente, um produto ou serviço que vai durar para sempre. O que não é verdade. Tempos mudam, empresas também. Assim como o tempo econômico, que muitas vezes enfrenta fucarões na moeda. Publicidade tem que existir. Mas é preciso respeito pelo cliente por parte da empresa que se publiciza, honestidade para com seu mercado consumidor quando entra em situação de crise, o que nunca acontece.

Os sem-avião são a prova maior dessa distância entre publicidade e realidade. No caso, deveria ser como jogo do bicho: vale o que está escrito. E aí, vamos apostar na águia?

quarta-feira, 28 de junho de 2006

COLÓQUIOS

"A vida está num ovo
e o ovo é um mundo; quem
quiser nascer tem que
destruir um mundo."
Hermann Hesse

A poetisa Zilda Neves enviou o belo poema abaixo.

( A Maria Maria Stella, in memoriam)
A palavra que emitimos, nos colóquios

As palavras que escrevemos
As sentenças
Elas têm seu destino.

Podem nascer e morrer
Podem durar decênios
Podem durar séculos, podem cair no olvido.

Palavras brilhantes
Palavras sábias, palavras néscias
Podem ser repetidas
Podem ser esquecidas.

A lembrança
Só a lembrança fica
Da palavra falada, na palavra escrita.

Vamos torcer pelo Brasil

"Aprendi a contar até dez, apesar
de só ter nove dedos,
que é para não cometer erros."
Presidente Luís Inácio Lula da Silva

Carmen Ashermann, de São Paulo, envia o texto que segue. Um primor de criatividade.


PRECISAMOS DE TÉCNICO... MAS NÃO PRECISA SER DE TIME. PODE SER DE SAÚDE.

PRECISAMOS DE ESCOLA... MAS NÃO PRECISA SER DE SAMBA. PODE SER DE ALFABETIZAÇÃO.

PRECISAMOS DE CRAQUE... MAS NÃO PRECISA SER PARA FUMAR. PODE SER EM TRANSPARÊNCIA PÚBLICA.

PRECISAMOS DESEMPATAR... MAS NÃO PRECISA SER O JOGO. PODE SER O PROGRESSO.

PRECISAMOS DE ATACANTE... MAS NÃO PRECISA SER CRIMINOSO. PODE SER CONTRA A FOME.

PRECISAMOS DE SEGURANÇA... MAS NÃO PRECISA SER NO GRAMADO. PODE SER NAS RUAS.

PRECISAMOS COBRAR A FALTA... MAS NÃO PRECISA SER DO LANCE. PODE SER DE ÉTICA NA POLÍTICA

PRECISAMOS TORCER PELO BRASIL... MAS NÃO PRECISA SER PARA O HEXA. PODE SER PARA A GENTE MESMO.

PRECISAMOS ACERTAR O RESULTADO... MAS NÃO PRECISA SER DO BOLÃO. PODE SER DE ELEIÇÃO..








terça-feira, 27 de junho de 2006

Ponha a máscara e ligue a TV: o Brasil vai jogar

"No futebol, quem ganha
e quem perde
as partidas é a alma."
Nelson Rodrigues

O Brasil enfrenta hoje Gana, pela Copa do Mundo.
O Brasil enfrenta hoje Gana pela Copa do Mundo?
Não, nada disso. Um time de futebol, a que chamamos de Seleção Brasileira, disputa hoje uma partida de futebol contra um time de futebol chamado de Seleção de Gana. Só isso. Nada de país enfrentando país, nada de pátrias de chuteiras, como queria também o genial jornalista e dramaturgo Nelson Rodrigues - que grande frasista.

Mas, numa coisa, ele tinha, ou tem, razão: são as almas de brasileiros e ganeses quem estará sofrendo, pulsando, purgando dores sociais e conflitos pessoais, desesperos nacionais e utopias desconjuntadas, enquanto a bola corre em busca do gol.

É como se cada gol fosse uma casa dada a uma família pobre; cada drible sensacional o resgate da fome de milhares de pessoas; cada recuperação heróica do jogador machucado uma mão estendida a milhões de desamparados. Cada desemparado usando a chuteira do craque. Um jogo de futebol desse tipo é na verdade um grande teatro social onde os atores - as almas dos povos, a alma de cada pessoa dos povos - estão desempenhando seu papel social como que em busca de um tempo mais justo. E ninguém nem percebe...

Como no teatro grego, onde os atores usavam máscaras, os jogadores em campo são as máscaras. Os jogadores são a máscara do povo. Encobrem a internalidade do ator a quem dão suporte, um ator intocável, abstrato e que, paradoxalmente, está presente na torcida do estádio ou em frente a um aparelho de TV: o povo.

O povo que em si já é personagem de uma grande tragédia - que se desdobra ao longo da história. Um personagem que sucumbe e renasce no tempo, todo o tempo. É isso, é sempre isso.

PS: espero que nosso time vença. Afinal, a minha alma também é brasileira e quer ganhar a partida.
PS-2: após o jogo, um dos povos terá a alma cansada e triste. E cada pessoa então, separada da multidão e solitária dentro de si, dará de cara com seus fantasmas e se dará conta de que a vida continua. E vai esperar, para daqui a quatro anos, vestir de novo a sua máscara de jogador de futebol.



segunda-feira, 26 de junho de 2006

Nordeste? Ah! No nordeste, só tem nordestino...

"O silêncio não fala;
o silêncio significa."
Eni Puccinelli Orlandi

Na chamada grande imprensa, o Nordeste é um silêncio grande. E só se transforma em grito de manchete ou imagem falante na TV quando alguma coisa trágica acontece. E aí, imagens recidivas voltam ao vídeo ou ao papel do jornal mostrando as mesmas paisagens desdentadas de verde, aquele sertanejo sofrido, ícone vivo de uma realidade sócio-econômica que se alonga penosamente através da história.

Fora isso, nós nordestinos só aparecemos quando há alguma matéria sobre turismo e são mostradas as belíssimas paisagens praieiras do nosso litoral. Ou seja: ou é oito ou é oitenta. E um assunto é excludente do outro. Se se fala em seca e fome, não se toca na beleza das praias. O inverso também é verdadeiro .

Para o imaginário da tal grande imprensa o Nordeste é uma realidade estática, uma espécie de duplo vinculado de miséria e beleza. Mas no geral permanece o seguinte raciocínio: falou pobreza, disse Nordeste.

Estou fazendo esta abertura para tratar de uma matéria veiculada domingo pela Rede Globo, no Globo Esporte, quando se mostrou uma parte do Brasil onde ainda não há energia elétrica.

E qual a região escolhida para dar esse demonstrativo? O Nordeste! Claro, tinha que ser o Nordeste: afinal é aqui que as pessoas têm aquele sotaque meio cantado, são atrasadas e isso, e aquilo, e aquilo outro, não é mesmo?

Pois bem: foi mostrada uma pequena comunidade em Pernambuco, onde ingênuos agricultores, pobres do campo, falavam candidamente a respeito de como faziam para tomar conhecimento dos resultados dos jogos da Copa e até mesmo para acompanhar as partidas.

Velhos rádios de pilha ou uma TV em preto e branco, provida de energia a partir de uma bateria de automóvel, são os equipamentos usados pela população. Os nordestinos foram mostrados como curiosidade do circo midiático dos horrores.

Não se falou da omissão dos governos em prover aquelas populações de força e luz. Tocou-se no assunto com angulação voltada para o fato em si: uma gente atrasada, perdida nos rincões de um Brasil bruto, uma gente que fala errado e tem sotaque carregado, tentando ser como o povo da cidade e querendo ter direito a saber como está a Copa. Imagine!

Esse trabalho jornalístico, que cristaliza uma imagem negativa de um povo, o povo nordestino, contribui decisivamente para a fermentação do velho preconceito contra a Região. No Brasil há cerca de dez milhões de pessoas que não têm acesso à energia elétrica. A matéria ganharia força se fosse mostrada uma realidade nacional, uma exclusão perversa e dispersa; não unicamente coisa de nordestino.

Preferiu-se entretanto retrabalhar a velha imagem do nordestino e apresentar-nos como uma leva de indigentes da luz, uma esquisitice frente ao mundo globalizado. Mas Euclides da Cunha dizia que "o nordestino é antes de tudo um forte." Somos. Seremos.