sábado, 31 de maio de 2008

O corcel negro, a morte e o amor

Caros Amigos,
Deixo vocês com Antero de Quental.
Nada comento,
pois em não dizendo,
muito se diz nos traços do poema.
Emanoel Barreto

Mors-amor
Esse negro corcel, cujas passadas

Escuto em sonhos, quando a sombra desce,
E, passando a galope, me aparece
Da noite nas fantásticas estradas,

Donde vem ele?
Que regiões sagradas
E terríveis cruzou, que assim parece
Tenebroso e sublime, e lhe estremece
Não sei que horror nas crinas agitadas?

Um cavaleiro de expressão potente,
Formidável mas plácido no porte,
Vestido de armadura reluzente,
Cavalga a fera estranha sem temor:


E o corcel negro diz «Eu sou a morte»,
Responde o cavaleiro: «Eu sou o Amor».

sexta-feira, 30 de maio de 2008

A beleza bruta e forte dos índios reage ao homem branco

Caros Amigos,
A tribo indígena encontrada em sobrevôo da Funai no Acre, alegrou-me de alguma maneira. São eles, os primitivos, os atrasados, arcaicos e ágrafos, aistóricos e de tecnologia elementar, quase nus e agresivos, que representam o futuro da humanidade, quem sabe. Eles são seres humanos em estado natural: vivem intensamente a e com a natureza; não a defraudam, não a insultam com a sua presença. Antes, estão imersos nela.

Querem a natureza protegida, boa, cheia, perigosa em sua beleza primal. E quando viram o avião de onde eram fotografados, responderam prontamente, atirando flechas. Fizeram muito bem. Quanto à Funai, pelo que seus representantes disseram às coisas de jornal (pelo menos foi isso o que li), não divulgará a localização da tribo. Assim eles estarão, desejo, protegidos de nós.

Nós, tecnologizados, internetizados, globalizados, envoltos num processo insensato de belicismo e busca de hegemonia política, militar e econômica a qualquer custo, estamos fazendo o que já se sabe: destruindo as florestas, arrasando o Ártico, contaminando rios, experimentando uma vida materialista, hedonista e catastrófica. Queremos bombas, acumulamos fortunas que servirão para comprar poderosos armamentos e vivemos a nos ameaçar.

Temos miséria, fome, dominação, crueldade, crises financeiras, loucura e veneração pelo dinheiro e todos os prazerosos vícios que ele pode nos dar; entre eles, o desejo de ganhar mais dinheiro.

Na verdade, não temos nada. Na verdade, quando o mundo chegar à hecatombe, se eles, os índios, não tiverem sido mortos por nós, certamente serão os únicos aptos a continuar com a humanidade sobre a face da Terra. Só tenho uma dúvida: ainda haverá Terra?
Emanoel Barreto

quinta-feira, 29 de maio de 2008

Soturno

Caros Amigos,
Não me faço de metal,
sou mais instantes.

E depois do negror do tempo,
infinito.

Quando os becos
se aproximam
das espadas,
eis hora
de chamar:
O quê?
Emanoel Barreto

quarta-feira, 28 de maio de 2008

Os trinta dinheiros: quando o lucro é imoral

Caros Amigos,
Recebi o texto abaixo, que trata do degelo do Ártico. Redigido em estilo jornalístico é frio, objetivo, não emite juízos de valor. Entretanto, em seu subtexto, nas entrelinhas, diriam outros, encontrei todo um libelo: como é que homens, líderes ou representantes nacionais, ao invés de estar preocupados com o degelo, reunem-se na verdade para tomar providências prévias a essa catástrofe planetária, com o único objetivo de garantir... dinheiro?


Esse é o retrato mais puro, ou melhor, impuro, da depravação ética a que a humanidade chegou; a destruição do nosso mundo será levada adiante, mesmo que isso signifique o apocalipse. É irracional mas é verdade: os homens sabem o que virá; mas, antes, que lhes sejam dadas as trinta moedas do capitalismo demencial.
Emanoel Barreto

Segue o texto:
Depois do degelo, a exploração: a quem pertence o Ártico?

Países vizinhos do Ártico discutem na Groenlândia divisão territorial do continente. Devido às mudanças climáticas, rápido degelo da região polar pode abrir caminho para exploração comercial de suas reservas minerais.

Os cinco países vizinhos do continente Ártico - Rússia, Canadá, EUA, Dinamarca e Noruega - realizaram conferência na cidade groenlandesa de Ilulissat, nesta terça e quarta-feira, para discutir as controversas pretensões territoriais na região polar. Embora autônoma, a Groenlândia é parte do Reino da Dinamarca.

Isto explica a vizinhança dinamarquesa do Ártico, cujo degelo ocorre mais rapidamente do que previsto nos modelos das mudanças climáticas. O aquecimento global permitiria uma prospecção mais fácil das reservas minerais da região polar.

Cientistas americanos calculam que nela se encontra um quarto das reservas mundiais de petróleo e gás natural. No Ártico, não existe terra. Há somente gelo e água. A conferência na Groenlândia pretende discutir a quem pertence esta água gelada, que segundo prognósticos do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) poderá, até o final deste século, derreter durante o verão polar.

terça-feira, 27 de maio de 2008

O beijo quente da Morte

Caros Amigos,
A Morte, não existe. Não existe enquanto ente, coisa ou situação objetivamente situada em relação ao ser humano. A morte é unicamente ausência da vida num ser que já a teve. Mas, estranhamente, pela construção arcaica, legado de místico pavor que o suceder de gerações ao longo dos milênios da presença humana na Terra criou, a morte ganhou sua condição de Morte. A Morte ganhou... vida.

O comentário é a propósito da próxima campanha anti-tabagismo a que o Governo dará seqüência. A foto distribuída à imprensa é parte da divulgação da campanha.

Poderosa, a imagem expressa bem a perplexidade perante a dor do fumante reduzido à condição de doente, frágil, abandonado em si mesmo, apesar da presença da família. O rosto tenso da mulher, o olhar inocente e balbuciante do menino, nos levam ao pesaroso mundo dos que estão presos ao vício do cigarro.

É pelo cigarro que se mata a Vida; aos poucos, silenciosamente. No cigarro, a Morte vem com o seu beijo quente e garante que um dia aqueles lábios estarão cerrados.
Emanoel Barreto

segunda-feira, 26 de maio de 2008

Luz, mais luz...

Caros Amigos,
Vivemos um tempo em que
o olhar sinistro mira
seus olhos sem que você perceba.

Depois, a hipnose do Mal
nos encaminha ao abismo,
que de há muito estava a nos fitar.

Mas, se a luz da manhã
mais clara vir,
Você inteiro em meio ao sol,
caminhe seguro em
direção a tal fulgor.
Emanoel Barreto