sábado, 28 de abril de 2007

A solidão

A solidão toma conta de nós como um barco sem norte
ou prumo. A solidão é tempo sem ontem e sem futuro.
Solidão é o vazio, emoção dormindo.

E no sono desse tempo sem dono, somos todos
caminhantes, navegando sem bússola ou carta.

A solidão é algo tão grande que não tem tamanho.
A solidão é o nada de tudo, é o mínimo que chega e
ocupa tudo. E quando sai, nos deixa pobres de nós
mesmos. Um nada sem fim.

A solidão é tão grande que nos invade como água de
tempestade. E traz em si todos os silêncios da palavra fim.

quinta-feira, 26 de abril de 2007

As mãos do mestre

“A velhice é um naufrágio
(Charles de Gaulle)

Conheci, isso há muitos anos, um titereteiro chamado Zé Relampo.
Não sei se ainda é vivo. Titereteiro é o artista popular
que trata com títeres, ou, mais claramente,
é o brincador de joão-redondo. Pois bem,
Zé Relampo, que me foi apresentado pelo
professor e folclorista Deífilo Gurgel,
era um grande mestre na arte do teatro de bonecos.

Acompanhado por um fotógrafo, isso no já distante
ano de 1974, cheguei à casinha de Zé Relampo, num
bairro periférico de Natal, sequer me lembro aonde.
Era manhã. A matéria abordaria exatamente a
criatividade da arte dos bonecos, sua função social,
sua crítica ferina aos poderosos, a representação
emblemática de cada um dos bonecos.

Por trás da empenada, Zé Relampo ia levantando seus
tipos para a ação do fotógrafo, enquanto eu anotava
os aspectos mais representativos da encenação.
Fiz a matéria, redigi o texto e perdi Relampo de vista.

Anos, muitos anos depois, reencontrei Zé Relampo.
Mais velho, quem sabe mais pobre, mais artista
possivelmente, uma vez que o sofrimento atiça,
aguça e estilhaça a sensibilidade. Estava em sérias
dificuldades financeiras, há tempos sem fazer
uma brincadeira para ganhar dinheiro.

Explica-se: ele trabalhava muito para entidades
oficiais, ligadas à cultura ou ao ensino. E há tempos
não havia um só convite. Dei um jeito de mobilizar
alguns amigos e conseguimos o dinheirinho que
ele precisava. Cerca de 15 dias depois, eis que me
aparece o mestre titereteiro. E vinha com um presente:
esculpida em madeira própria para a criação de
personagens de joão-redondo, a cabeça de um negro,
bem ao estilo popular, ao mesmo tempo grosseiro e expressivo.

Foram as mãos humildes do mestre, agradecendo
pela pequena ajuda. Ainda hoje esse negro está comigo,
em meu escritório, pertinho do computador.
Mas Zé Relampo, nunca mais. Sumiu, como os
relâmpagos, que desaparecem depois que a chuva passa.
E Zé Relampo era realmente uma tempestade quando se apresentava.

quarta-feira, 25 de abril de 2007

A defesa da vida, a beleza humana

O texto ao mesmo tempo elegante e poderoso de Mauro Santayana, no Jornal do Brasil faz hoje a apologia da vida e dá uma demonstração de fé no ser humano. Condena o aborto, que classifica como ato genocida e com seu magnífico estilo manifesta a grandeza de Deus.
Se puder, acesse a página do JB e veja a preciosidade com que aquele escultor da palavra reluz a seus leitores.
Isso me faz lembrar o momento de beleza ingênua e profunda com que, há poucos dias, fui alumbrado pela Minha Neta. Ela ligou-me, bem cedinho, acordou-me e disse: "Vovô, eu hoje vi o sol nascer..."
Sua vozinha delicada também me trouxe um tênue raio de alegria.
Quando a Mauro Santayana, mesmo comentando assuntos graves, dá a seu trabalho um tom de crônica, traz ao leitor instantes de estética, momentos de filosofia, minutos de reflexão.
Sua presença é importante no jornalismo, especialmente pelo fato de que hoje os jornais da grande imprensa não valorizam esse tipo de texto, na falsa suposição de que ao leitor - a pessoa reduzida à condição de consumidor automático do produto jornal - interessam apenas as coisas ruins do mundo.
Não, gente tem de saber o que há de negativo, mas, com certeza, preferiria tomar conhecimento de que haveria alguma mudança, para melhor, em rumo, sistemática e progressivamente organizada. Pena que não seja assim e o negativismo predomine na imprensa.
Com a autoridade do tempo, mestre e amigo das palavras, Mauro trata-as como se fossem inesperados seres vivos que com ele convivem em harmonia e paz.
E de seus textos brotam mensagens sábias e serenas sobre a condição humana, suas quedas, fracassos, vôos e grandiosas expectativas.
Quando puder, também veja o sol nascer...

terça-feira, 24 de abril de 2007

A toga enxovalhada

O anúncio do envolvimento de magistrados do mais alto escalão do Judiciário em formação de quadrilha e recebimento de propina estarreceu o país e, de alguma forma, degradou a imagem da instituição, atingindo sua legitimidade de guardiã da justiça e da honradez.

Ao todo, doze magistrados estão indiciados. E espero que a Polícia Federal leve adiante e aprofunde as investigações, punindo-se todos os que forem evetivamente pegos em culpa. Entretanto, os doze magistrados envolvidos são número insuficiente para que se atribua a todo o Poder a lama em que aqueles estão chafurdando.

Mas, se o número é ínfimo em relação à totalidade da magistradura, esse tipo de corrupção é significativamente indicativa de que o processo de malversação dos valores éticos e morais na sociedade brasileira está mais forte e pulsante do que nunca.

Ou seja: a corrupção, que parecia endêmica ao Legislativo e ao Executivo, pode ser claramente percebida no Judiciário. Mais claramente: há um clima, um caldo cultural neste país, que favorece a prática de crimes envolvendo privilégios da ocupação de funções públicas, tudo sob uma sólida suposição de impunidade. Há uma microfísica da corrupção, que se espalhou por todos os Poderes.

Instaurou-se no Brasil, ao longo do nosso processo histórico, a política do jeitinho, a facilitação cavilosa de proteção e desculpa aos atos e erros de amigos e familiares. Ainda somos, tenho certeza, o país do nepotismo, dos favores e do prestígio mal-intencionado. A coisa pública serve de negócio aos empreendedores do crime sutil e educado dos que têm o Poder na mão.

Vamos ver o que acontece com os magistrados que estejam com a toga presa às engrenagens de tenebrosas transações. O Judiciário não é um Poder acima dos demais Poderes. Pode e deve ser transparente e visívei em sua internalidade. A respeitabilidade de seus membros não deve servir de manto ocultador de falhas e crimes.

Os juízes em culpa serão julgados pelo mesmo Poder que integram. Qual será a sua sentença? A opinião pública está em choque e cobra satisfações.

segunda-feira, 23 de abril de 2007

Crônicas para Natal

Relicário de certezas

A fé renasce todas as manhãs

na Igreja do Galo.

Suas paredes e sua torre,

feitas de pedra,
são a construção divina
do instante humano
voltado para o céu.

A Igreja do Galo,

perpétua como o amanhã,
tem nos passos
dos seus fiéis um depósito de fé.

Com seus santos,

com sua arquitetura sólida,
magnífica,
monumental,
a Igreja é mesmo
como um cantar de galo.

E diz que, na vida,
se pode sempre
esperar
pelo próximo amanhecer.