De como fazer a destruição para termos um grande futuro
Fui
procurado hoje em minha tipografia por excelente pessoa, que pelos
modos gentis e gestos refinados logo vi tratar-se de um sapo. Homem
viajado, elegante e de pensamentos elevados, disse-me que buscava um
editor para grande obra intitulada De Mundis Terrificus e Preclarus.
Pedi informações a respeito e informou-me que trata-se de livro
magnífico onde se explicará a importância do uso correto das pedras
redondas, aliadas às exposições discretas do finis concertus para o bem
da humanidade.
Percebi
imediatamente que é missão de alta relevância e coloquei-me à
disposição. Isto posto, o sapo pediu permissão para convidar à
tipografia dois outros grandes sábios. Atendi imediatamente e pouco
depois desciam de um tílburi um jovem orogangotango e um velho e digno
papagaio, cavalheiros de estirpe e condições.
Informaram
que o livro, cujos originais da peça introdutória me foram entregues, é
uma larga e profunda reflexão sobre a condição humana. Conversamos
longamente e eles se retiraram. Eis o que diz o texto que me foi
entregue:
A
questão humana é de alta relevância. Assim, torna-se imperioso
aprofundarmo-nos em seu estudo, uma vez que, historicamente, está
comprovado que temos incrível tendência ao conflito e à nunca solução do
conflito e aí está mesmo a essência da nossa condição.
Sendo assim, é preciso dar condições à humanidade para que procure a sua própria destruição.
Para
tanto, devemos nos atilar a desenvolver processos autodestrutivos,
aliando a isso as intempéries naturais. Acontecidas estas, devemos
mobilizar máquinas extraordinárias, enormes, ciclópicas, a fim de
ampliar os resultados da força dos elementos.
No
texto está também explicado que, por exemplo, devemos aproveitar a
destruição da orla de Ponta Negra, promovendo, a partir dali, a
construção de grandes buracos em todas as ruas, avenidas e vielas, a fim
de que isso se torne obra d'arte grandiosa e apreciada.
Percebi
que há nisso grande saber e poderosa filosofia. Construídos os buracos,
será preciso criar imediatamente uma empresa que refaça tudo, ou seja:
os buracos sejam tapados e depois de tapados sejam novamente refeitos e
assim indefinidamente, já que é para isso que os governos foram criados.
Claro, notei que tal filosofia é de grande valia.
Em
caso de ação de elementos perigosos, como assaltantes e outros do mesmo
tipo, será preciso criar linhas de financiamento de armas, a fim de que
os malfazejos possam executar com perícia e mestria suas grandes artes
de roubar e matar. Mais: os hospitais públicos devem ser fechados ou
tornados ainda piores em seu funcionamento, a fim de desestimular as
pessoas a não adoecerem. A culpa das doenças são os hospitais, está dito
no texto. E assim, eliminando-se a causa, será extinta sua
consequência, a doença e os doentes.
O
documento fala em muitas e muitas outras cousas extraordinárias, como
estimular o analfabetismo e os programas sociais de casas populares,
levando-se as pessoas a procurar cavernas e tendas, que são mais
baratas. E, sem saber ler e escrever, as pessoas não terão intentos
danosos de formular ideias malsinadas, que só trazem o desespero e a
desagregação social.
Como
vê o leitor, trata-se de obra de grande valia que, disseram-me o sapo, o
orogangotango e o papagaio, irá orientar o natalense no sentido de um
grande passo para o seu futuro. As bases estão construídas. Agora,
resta-nos trabalhar em seu aperfeiçoamento.
"Não é justo alguém ter o direito de ter uma empresa de aviação e outro não ter o direito de comer um pão." /////// JAMAIS IDE A UM LUGAR GRANDE DEMAIS. A UM LUGAR AONDE NÃO TENHAIS CORAGEM DA IMENSIDÃO - EMANOEL BARRETO - NATAL/RN
quarta-feira, 22 de janeiro de 2014
domingo, 19 de janeiro de 2014
O debate sobre as drogas
Neusa, onde
está você, Neusa?
Vi recentemente vídeo em que
uma jovem completamente drogada, experienciando uma espécie de alucinação ou algo que o valha, diz
não saber aonde está e procura desesperadamente por uma mulher chamada Neusa. Tem
movimentos descontrolados e recebe ajuda de um rapaz para recompor a saia. Esse,
aliás, é o único gesto de solidariedade que recebe: no mais, o que se ouve são
vozes de rapazes e moças que, sem manifestar qualquer atitude de amparo ou
compaixão, ficam, como se diz hoje, zoando a moça.
Ouve-se claramente a voz de uma
jovem que pergunta “quem é você guria, quem é você?”, mas não notei, digamos
assim, da parte dela, comunhão com o ser humano ali fragilizado. Não ouvi
ninguém dizer, por exemplo, “vamos pegar essa menina e levar a um hospital.” Em
síntese: se não recebeu violência física, pelo menos até aonde o vídeo mostra, ficou
como que sendo jogada de um lado para o outro.
Essa a situação de um drogado.
Essa a situação de quem perde o controle sobre si próprio e fica nas mãos de
desconhecidos. Fui repórter policial por cerca de onze
meses e vi nas delegacias homens presos por uso de drogas. Pessoas largadas ao
chão, tremendo, encolhidas. Isso foi em 1975, época em que não havia qualquer
movimento pedindo a liberação de drogas.
Creio que isso não seria uma
boa medida. Os discursos de hoje, chamados de anti-proibicionistas, são, tenho
certeza, bem intencionados. São pronúncias de intelectuais, pessoas com
capacidade crítica. São assertivas bem assentadas teoricamente e têm, não resta
dúvida, a intenção de atitude humanista e libertária.
Mas, quem já tem ou teve um parente
ou amigo dominado pelas drogas sabe bem que a realidade é muito diversa do
discurso. Na vida de cada casa, na intimidade dos relacionamentos, é possível
perceber a devastadora ação das drogas quando levadas às últimas consequências:
desde o álcool à cocaína, da maconha ao crack e por aí vai. Nessa convivência afundam
o viciado e toda a família.
Ao longo de meus 39 anos de
jornalismo acompanhei vários casos. Pelo menos dois morreram em situação
miserável ou quase isso. Tenho plena consciência de que há alguma tendência
social favorável à liberação das drogas, ou seja, há um consenso parcial em
processo o que indicia claramente uma crise no modelo da proibição.
Sei que o assunto, de forma inescusável,
já está em debate no fórum da cotidianidade, no ritmo das ruas, nas festas, no
hedonismo que, no fundo, é um direito. A questão também é o fato de que a droga
está entranhada ao crime organizado e, parece-me, o simples fato de liberar sua
venda não irá inibir a ação dos traficantes.
Acato o direito às decisões individuais.
Espero que a humanidade saiba lidar com os desafios que ela própria criou. Mas
tenho medo, tenho muito medo, de ver outros jovens à procura de Neusa. Esse o
grande problema: aonde está Neusa.
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