sexta-feira, 28 de julho de 2006

E aí, o Professor Pardal pendurou um relógio na varanda (da minha viagem a Minas - final)

"Ó Minas Gerais, ó Minas Gerais
Quem de conhece, não esquece jamais."
Da tradicional composição mineira

Se nas Gerais encontrei na grandeza da montanhas aquela paisagem que nos envia para uma espécie de silêncio interior, numa perplexidade encantada, descobri também uma figura humana que somente pode ser descrita como incrível. Falo de Joaquim Magalhães, o Tchan.

Luthier de talento, recupera quase magicamente violões, violas e contrabaixos que recebe em estado lastimável e os coloca na condição de instrumentos para uso perfeito. Pois bem: além disso, Joaquim é um engenhoso inventor e um ser humano de entusiasmante imprevisibilidade.

Municiado por grandes conhecimentos de hidráulica e outras artes, montou um engenhoso sistema de purificação de água que recolhe a um poço e assim abastece a sua casa. A água sai escura e, após passar por uma série de filtros, sai limpinha, para uso doméstico.

O largo portão da casa, em vez de ser aberto pelo sistema convencional, com aqueles motores que se compra em empresas especializadas, é movimentado por um interessante sistema hidráulico, todo feito a partir de peças de automóveis. Aquelas que servem para abrir portas de ônibus e porta-malas de carros.

O sistema, que obedece a controle remoto, conta com correntes de bicicleta para puxar o portão, que se abre de par em par. Só vendo para crer.

Mas o dado da imprevisibilidade encontrei num relógio que ele pôs na varanda da casa, bem à vista dos passantes. É o seguinte: ele mora nas imediações de um ponto de ônibus. E como as pessoas costumavam, com insistente persistência, perguntar-lhe as horas, ele se via obrigado a sempre entrar em casa, consultar o relógio e voltar, para dar a informação. Com isso, os passantes sabiam se seu ônibus estava no horário.

Cansado desse exercício, adotou uma solução radical: comprou um relógio grande e expôs, pendurado, na varanda. Pronto, agora ele estava livre de tantas perguntas. O relógio ficava como vigilante do tempo e ele ia cuidar de sua vida. Ledo engano: certo dia, quando dormia tranqüilamente a sua sesta, eis que a campainha toca. Ele ainda resistiu um pouco, esperando que o incoveniente visitante fosse embora.

Nada. A campanhia era insistente e afinal ele levantou-se. E qual não foi sua surpresa quando uma senhora, sua conhecida, perguntou, veja só: "Seu Joaquim, esse relógio está mesmo com a hora certa?" Coisas da vida, coisas da vida.

Quanto a mim, meu relógio da memória estará sempre acertado com as Gerais. Volto lá. Um dia, eu volto.

PS: Abaixo, um comentário a respeito do veto governamental ao projeto de regulamentação da profissão de jornalista.


Liberdade de imprensa, não; liberdade de empresa

"Se a empresa me manda fazer uma mentira e eu
concordo, sou tão responsável quanto ela.
O jornalista tem de estar preparado para
colocar o seu emprego à disposição toda
vez que tiver um conflito de consciência".
Heródoto Barbeiro - jornalista

O presidente Lula vetou integralmente o projeto de lei complementar que instituía a regulamentação da profissão de jornalista. Aliou-se ao patronato e capitulou ao lobby das grandes empresas de jornalismo. Eu já esperava por isso. Com tal decisão, prevalecem os interesses empresariais, em detrimento da boa qualidade na informação e do fortalecimento da categoria. A Federação Nacional dos Jornalistas-FENAJ, divulgou nota em que se posiciona criticamente à atitude do governo. Abaixo, a transcrição do documento.

Nota de protesto e esclarecimento
Governo cede ao lobby dos donos da mídia

Os patrões venceram. O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva capitulou mais uma vez aos interesses das grandes empresas de comunicação do País ao vetar integralmente o projeto de lei que atualiza as funções da profissão de jornalista.

Orientado por sua equipe, o presidente cedeu aos argumentos falaciosos dos donos da mídia que, utilizando indevidamente do poder de difusão que têm, usaram seus veículos apenas para defender seus interesses. A atualização da regulamentação profissional dos jornalistas é uma reivindicação legítima da categoria, organizada em seus Sindicatos e na FENAJ.

O projeto de lei nº 079/2004 foi discutido e democraticamente aprovado pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal. Ao vetá-lo integralmente, o presidente nega, mais uma vez, sua origem sindical, sua luta pela organização dos trabalhadores e, principalmente, o respeito aos princípios democráticos que vigoram no Brasil.

O governo simplesmente não resistiu à pressão desigual dos donos da mídia. Capitulou aos interesses empresariais, como fez em relação à criação do Conselho Federal de Jornalistas e ao processo de implantação da TV e do rádio digital no País.A FENAJ não pode aceitar que, nessa capitulação, o governo lance mão do argumento da liberdade de imprensa e de expressão indevidamente utilizado pelos donos da mídia.

Na campanha que desencadearam pelo veto ao PL 079, grandes jornais e emissoras de TV passaram por cima da liberdade de expressão e de imprensa que falsamente dizem defender.A verdadeira ameaça à liberdade de expressão e de imprensa não é a regulamentação da profissão dos jornalistas. É, isto sim, o alto grau de concentração da propriedade privada na mídia, o conluio com elites políticas nos Estados e no Congresso Nacional e a hegemonia, no mercado de comunicação, de um único grupo, a Rede Globo.

Mais uma vez o movimento sindical dos jornalistas foi vítima de sórdida e orquestrada campanha sustentada pelas empresas, que difundiram, em escala de massa, desinformação e histeria. Transformou-se uma justa reivindicação profissional em um problema de Estado. Contaram, como sempre, com os serviçais de plantão e com novos e inesperados aliados, inclusive no campo dos trabalhadores. É condenável a postura da Federação dos Radialistas (Fittert) que defendeu o veto total, ao lado das empresas de rádio e TV, e, no momento final de negociação, propôs a retirada da função de repórter cinematográfico, previsto como atividade de jornalista desde 1969.

Como "saída honrosa", o Governo propôs a formação de um grupo de trabalho para discutir mudanças na regulamentação profissional. A proposta nasce comprometida pela postura autoritária das empresas de comunicação e de suas entidades representativas: ANJ, Abert e Aner que, sabidamente, não querem qualquer regulamentação.

A FENAJ não se furtará ao debate democrático e participará do grupo de trabalho proposto pelo Ministério do Trabalho, mas não abrirá mão dos direitos conquistados com a luta de gerações de jornalistas brasileiros. É preciso esclarecer à sociedade que aos jornalistas interessa manter e aperfeiçoar a regulamentação da profissão, e aos patrões interessa o fim do diploma, a ausência de um conselho profissional, a desmoralização das entidades sindicais e a não-observância dos princípios éticos que regem a profissão.

Por seu compromisso com esse passado de lutas e por acreditar em um país mais justo com o seu povo, a FENAJ, os Sindicatos de Jornalistas e toda a categoria vão continuar defendendo a regulamentação profissional, a exigência da formação de nível superior em Jornalismo para o exercício da profissão e a auto-regulamentação, com a criação de um Conselho Profissional. Porque tudo isso é condição para a prática de um jornalismo verdadeiro, ético e socialmente responsável.Brasília, 27 de julho de 2006


quinta-feira, 27 de julho de 2006

Ainda das Gerais: o batizado e o padre rabugento

"O homem vem à terra para uma permanência
muito curta, para um fim que ele mesmo ignora,
embora, às vezes, julgue sabê-lo".
Albert Einstein

A igreja lembrava a basílica de São Pedro. O padre mesmo disse, antes de iniciar a cerimônia de batismo. Estou em Minas, na cidade de Timóteo, para ser, em companhia da Minha Mulher, padrinho e madrinha de Lívia, filha de Jonas e Cristina.

Realmente, o templo tinha as linhas básicas da magnífica basílica, mas, além disso, tinha também um problema: o apressadíssimo padre, que com gestos bruscos advertia os fíéis que, logo após a cerimônia, todos deveriam retirar-se, o mais rápido possível.

E ficamos todos nós como aquele motorista que fica só acelerando o carro, para largar o mais rápido possível tão logo o sinal verde abra. Na verdade, não achei o padre grosseiro. Mas um trapalhão mal-humorado, Um tipo rabugento, a zelar por algo que considera como muito importante.

O homem era tão, digamos, aferventado, que a pequena Lívia, até então caladíssima, abriu o eco a chorar quando ele tentou lhe fazer um carinho. Mas não houve problema: e afinal realizou-se o batizado, que esperou quase um ano pela minha presença a fim de que fosse realizado. A data inicial fora remarcada em função de impossibilidade minha de ir até lá.

Terminada a cerimônia, ainda dava para ouvir o padre e sua algaravia de exigências, conclamando as pessoas a sair. Parecia querer o grande silêncio do templo só para seus ouvidos. Na verdade, deve ser ele um carrancudo habitante da solidão.

Mas valeu a pena. Jonas, uma grande figura e um grande caráter, e Cristina, uma mãe coruja, festejaram o batismo. Na comemoração, a voz forte de Bruno, seu violão e a presença do pai, Tone, foram notas marcantes. Também valeu, pela alegria e espontaneidade a alegria de Jeane, Edmirson e a filhinha Rafaela, além de Pedro, um pequeno furacão.

São coisas que vivi nas Gerais. Coisas boas que entram na vida da gente. Coisas que dá vontade de repetir. E as Gerais estarão sempre em nosso caminho. Ô trem bão, sô... Cê pode acreditar...


quarta-feira, 26 de julho de 2006

Caminhos, pessoas, paisagens e coisas das Gerais

"Para dizer o que vai acontecer,
é preciso entender o que já aconteceu."
Nicolau Maquiavel

Na crônica de ontem falei sobre Minas Gerais, uma visão geral da paisagem humana, o imenso cenário de montanhas, grandeza brotada da terra que se levanta intensa para o céu. Foi bom reencontrar pessoas, as mãos mágicas de Nice em sua delicada missão de fazer os melhores quitutes de uma culinária riquíssima. As atenções de seu marido, Cristiano, conhecedor emérito das melhores cachaças, daquelas sem marca, fabricadas em alambiques secretos.

No Espírito Santo, Cristianinho, que puxou ao pai, uma figura dessas que somente encontramos em situações muito especiais. Ao lado de Rosi, sua mulher, e de Sarah, a filhinha linda, tem uma família feita de paz.

Mas as montanhas das Gerais escondem, aninhado bem nos longes das distâncias, o povoado de Major Ezequiel. É um lugar onde se reverenciam memórias antigas, numa vida calma. Ali se avultaram para mim as figuras simples e boas de Geraldo e Maria. Ele, agricultor e homem de criação de gado. Ela, a expressão mais forte da mulher e mãe de muitos filhos.

Na charrete, tirada pelo cavalo Foguete, um passeio por velhas fazendas, onde chegamos por estradas difíceis, cruzando com carros-de-boi carregados. A visão do cemitério dos escravos onde, dizem, as almas fortes que ali habitam impediram que uma ferrovia por lá passasse, destruindo aquele canto cercado de misticismo e fé do povo.

No alto, uma igreja. Seu sino triste sempre toca quando alguém morre. À noite, o frio é companheiro que invade as casas. O Major, como é conhecido o povoado, é terra que venceu as mudanças e diz ao tempo que prefere ficar como está, distante das neuroses da cidade e dos seus habitantes apressados.

Não há como esquecer de Dimas e Eliana, em Belo Horizonte. Ao lado dos filhos Ígor e Erick sintetizam à perfeição o que seja tratar bem, receber, abraçar. Enfim, nessas férias, eu e Minha Mulher percorremos caminhos afetivos que há muito esperávamos rever, como Tia Nice e Tio Nilzinho.

Foi uma viagem boa, cheia de delicadas emoções. E o tempo não apagará do espelho das lembranças as imagens de tantos e de todos que nos receberam, a mim e à Minha Mulher, com seus gestos mais queridos. Dá vontade de voltar. E voltaremos, quando essa vontade se derramar pelas bordas do cálice da saudade.

terça-feira, 25 de julho de 2006

A grandeza das Gerais


"O que mais preocupa não é nem
o grito dos violentos, dos corruptos,
dos desonestos, dos sem-caráter, dos sem-ética.
O que mais preocupa é o silêncio dos bons"
Martin Luther King
Ao voltar de Minas Gerais, a lembrança deixa de ser apenas aquele pensamento fugidio, anotações emotivas que vão e vêm, como numa revista que se folheia meio ao acaso: as fotos como sensações impressas, o texto como registros que vão parar, afinal, no esquecimento.

Ao voltar das Gerais, o que ficou não é lembrança, é recordação encravada no território do bem querer. A paisagem das montanhas, vastas em sua altitude de beleza imensa; o silêncio largo, a imagem das pessoas, seus gestos, o abraço. As Gerais são um estado de espírito. O mineiro é antes de tudo alguém que sabe acolher.

Na companhia da Minha Mulher, mineira que traz no sentimento o saber do que seja aquele instante longo que é Minas Gerais, percorri caminhos do interior antigo, tradições tão belas que são esculpidas na alma das pessoas.

As Gerais são um grande encanto. Como encantadora também é Vitória, Espírito Santo, onde a fé do povo, se não remove montanhas, sobe uma delas para rezar rezas antigas, num mosteiro pleno desse grande mistério que é chegar aos umbrais do tempo e postar-se diante do sagrado.

Falarei disso tudo ao longo dos próximos dias: pessoas, amigos, familiares, reencontros, os rios, o trem, a sensação do chegar e estar bem. Afinal, a vida é feita de momentos que vão se juntando, até formar o mosaico de nossas existências.

E no mosaico que vou construindo ao longo da minha caminhada, estarão para sempre presentes os momentos que vivi. Uma hora tem minutos, que é o tempo preso dentro do mecanismo dos relógios. Mas os momentos, os instantes, não cabem dentro das horas. E são esses momentos e instantes que, longe da frieza dos minutos e das horas, se revestem da alegria e se enchem disso que chamamos de Vida. Vivi as Gerais. E disso falaremos como recordação.

segunda-feira, 24 de julho de 2006

Estou voltando pra casa

Após 18 dias com o povo bom e as belezas de Minas Gerais, estou de volta. A partir de amanhã, o Coisas de Jornal voltará a ter postagens diárias. Coisas, causos, momentos, passagens e paisagens, serão relatadas em crônicas diárias.
Um grande abraço e até amanhã.
Emanoel Barreto