sexta-feira, 12 de agosto de 2016

Lembranças do sertão



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Saudade de Ti Zé Guilherme
Este rosto de vaqueiro lembrou-me fortemente a imagem de Ti Zé Guilherme, na verdade tio de Minha Mãe. Senhor das terras da Fazenda Jordão, acres de terra seca e nordestina, região central do Rio Grande do Norte.

Rijo como um cardeiro, forte como um lajedo, tinha no corpo espigado a marca do sertanejo. Tomava rapé e fumava cigarros de fumo bruto. Pai de Zé Guilherme Moço, Lurdinha e Mariinha. Luquinha, filho mais novo, lidava com o gado e o roçado.

Seu cavalo chamava-se Soberano. Era bicho arisco e difícil de selar e enredear. Cavalo bom de gado e ligeiro; zanho que só ele. Eu era doido por aquele cavalo. Bicho castanho, alto de cernelha, crina preta. Espantadiço, olho de coisa braba, jeito de cangaceiro.

Fui à fazenda acho que só umas duas vezes. Ali vi Vovó Lulu, mulher de Ti Zé Guilherme, pilando café. Colhido não sei como naquelas terras bravias. Passei a chamar Vovó Lulu de Vovó Lulu porque todos os meninos d fazenda a tinham nessa conta: vovó de todos, abraço gostoso em colo de mulher grande, matrona, dessas que amparam, protegem, refugam medo de tudo. Ô, Vovó Lulu, que saudade...

Ela era assim: sertaneja gorda, bonachona, o cabelo preto mesclado de fios alvos. Tudo puxado para trás, enfeixado num totó. A pele branca de há muito recoberta por um bronzeado entranhado, como somente o sol do sertão ferrenho pode fazer. Se você não é nordestino não sabe do que eu falo.

Lá no Jordão tinha também uma vaca de quem eu gostava muito: chamava-se Mangaba e dava um leite bom que só o cão. Naquele tempo, idos de 1959, era assim: quando uma coisa era mesmo muito boa, a gente dizia que era “boa que só o cão”. Não era “bom que só Deus”, mas bom que só o cão. Esquisito, né? Mas era assim mesmo: bom que só o cão...

A Fazenda Jordão me veio hoje à mente . Mexendo nessas coisas da net vi a foto deste vaqueiro. E me chegou também, de repente e num minuto, uma saudade tardia daqueles tempos. Saudade esquecida nas gavetas avoengas da memória de um menino que ainda teima em morar em mim

Às vezes esse menino me chama e me diz: "Rapaz, Soberano ainda espera ser montado; para que você e ele somados se metam na caatinga à procura de Mangaba: é hora de tirar  leite. O leite dos peitos fartos daquela vaca sertaneja."

Mas isso é só lembrança. Hoje eu vivo o meu hoje e digo: Ave, Maria, que tempo é esse? Mas, dai-me Senhora Mãe, coragem, espora e sela; coragem e decisão, que o tempo é de seca é pó. E que vez por outra, Senhora, me venham as lembranças de Ti Zé e do cavalo Soberano