"SÃO PAULO - O estudante Takashi Matsumoto propôs uma invenção curiosa com um guarda-chuva que pode ser usado para navegar na Web ou acessar outros conteúdos. O chamado ´Pileus´ traz um projetor movido a bateria e um sensor de movimentos, que permite ao usuário alternar entre uma seqüência de fotos, por exemplo, com apenas um rápido movimento de pulso. O produto foi exibido nesta quinta-feira, 23, em uma feira de tecnologia em Tóquio. As imagens exibidas pelo aparelho podem ser baixadas da internet. Segundo a proposta do estudante, o Pileus pode ser usado para tirar fotos ou gravar vídeos, que também podem ser exibidos na sua parte interna."
O texto entre aspas foi publicado pelo Estadão on line. Aparentemente, trata-se da demonstração de criatividade de um gênio, conhecedor profundo dos segredos, caminhos e mistérios da informática. Tecnicamente, é verdade, trata-se de um gênio. Socialmente, entretanto, é preciso ter uma outra visão.
Qual a validade, qual a importância de se ter um guarda-chuva que nos permite acesso à internet? Alguém pode andar em meio a uma chuvarada vendo fotos e vídeos? Você se imagina, deslumbrado e louco, caminhando assim?
A invenção, ao invés de manifestar-se como algo maravilhoso, demonstrativo do engenho humano, termina por se revelar uma forma de como o pós-moderno está nos dominando; estamos sendo vividos por nossas próprias elucubrações e a elas temos que nos curvar. Quem não o fizer, estará fora, perdido num tempo atrasado.
Tal invento não é deslumbrante, antes seria aterrador. Uma antecipação do quanto o mercado pode nos impor necessidades inúteis, frivolidades sofisticadas, pinceladas magníficas de uma criatividade que nos faz cativos da banalidade imponente.
Suponho que o tal guarda-chuva não terá sucesso, nem suscitará maiores interesses, que não seja o da curiosidade pura e simples - graças. Mas é inegavelmente peça indicial do quanto ainda nos será imposto, seja através de celulares - hoje já bastante apetrechados de penduricalhos - seja mediante computadores e televisores digitais.
Gerenciando todo esse processo, uma máquina administrativa transnacional geradora e gerenciadora de grandes lucros. A insensatez, o consumismo, o devaneio garantem a esse mercado largo lastro para que continue a crescer.
Assim, em matéria de chuva, prefiro o velho Fred Astaire, tão antigo e tão sincero em seu magnífico Singing in the rain. Prefiro cantar na chuva a me cobrir com os toldos fictícios, que nos molham de cobiça pelo inútil para assim passarmos a viver em função de tudo o que é fútil.
"Não é justo alguém ter o direito de ter uma empresa de aviação e outro não ter o direito de comer um pão." /////// JAMAIS IDE A UM LUGAR GRANDE DEMAIS. A UM LUGAR AONDE NÃO TENHAIS CORAGEM DA IMENSIDÃO - EMANOEL BARRETO - NATAL/RN
sexta-feira, 24 de novembro de 2006
quinta-feira, 23 de novembro de 2006
O cinismo e mais dinheiro para os senadores
Uma composição de Gonzaguinha, cujo título não recordo, dizia, ao longo dos seus versos :"Tudo vai bem/Tudo legal/Você merece/Você merece". Em suma, a letra fazia a sátira do cotidiano brasileiro: seu conformismo, sua capacidade de ingerir o amargo do dia-a-dia, de conviver em silêncio com a incompetência do seu sistema de poder e de curvar-se ante a opressão da insensibilidade de seus governantes.
Detalhava que você tem de viver toda essa situação "e dizer que não está preocupado". E por aí seguia. Vendo na TV o presidente do senad Renan Calheiros cinicamente dizer que colocará em pauta um brutal aumento para si e para seus pares "pois está apenas cumprindo a lei", que determina que uma legislatura programe para a próxima um aumento na remuneração dos senadores, veio-me à lembrança Gonzaguinha e seu langor satírico.
As elites brasileiras, em sua crueldade histórica dissimulada, e por isso mesmo requintada em termos de sofisticação e ocultação da brutalidade da má distribuição de renda, são assim: dizem-se falar como representantes do povo, quando em verdade defendem unicamente seus interesses. Mudam alguma coisa para que o essencial permaneça intocado.
Na obra Prismas,onde analisa questões culturais, filosóficas e de comunicação de massa, Theodor Adorno cita o filósofo Spengler, que dizia:"A entrada de um partido aristocrático no parlamento é alto intrinsecamente tão falso quanto a entrada de um partido proletário. Somente a burguesia se sente em casa no parlamento."
Qualquer semelhança com o caso brasileiro não é mera coincidência. Vou ficar por aqui. Nós meceremos. Nós merecemos.
Detalhava que você tem de viver toda essa situação "e dizer que não está preocupado". E por aí seguia. Vendo na TV o presidente do senad Renan Calheiros cinicamente dizer que colocará em pauta um brutal aumento para si e para seus pares "pois está apenas cumprindo a lei", que determina que uma legislatura programe para a próxima um aumento na remuneração dos senadores, veio-me à lembrança Gonzaguinha e seu langor satírico.
As elites brasileiras, em sua crueldade histórica dissimulada, e por isso mesmo requintada em termos de sofisticação e ocultação da brutalidade da má distribuição de renda, são assim: dizem-se falar como representantes do povo, quando em verdade defendem unicamente seus interesses. Mudam alguma coisa para que o essencial permaneça intocado.
Na obra Prismas,onde analisa questões culturais, filosóficas e de comunicação de massa, Theodor Adorno cita o filósofo Spengler, que dizia:"A entrada de um partido aristocrático no parlamento é alto intrinsecamente tão falso quanto a entrada de um partido proletário. Somente a burguesia se sente em casa no parlamento."
Qualquer semelhança com o caso brasileiro não é mera coincidência. Vou ficar por aqui. Nós meceremos. Nós merecemos.
terça-feira, 21 de novembro de 2006
Matou os velhinhos para ser honesto
O Estadão publicou o seguinte, a respeito do assassinato do casal de idosos em São Paulo: "O desempregado Luís Eduardo Cirino, de 29 anos, que confessou ter assassinado a facadas o casal Sebastião Esteves Tavares, 71, e Ilda Gonçalves, 68, no bairro de Perdizes, em São Paulo, na sexta-feira, pretendia apenas furtar dinheiro e objetos de valor para pagar do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) da residência onde morava."
O texto contém uma falha grave: a formulação redacional quase que justifica o crime ao indicar que o matador "pretendia apenas" praticar um furto para pagar o IPTU. A condição de desemprego, que ganha saliência no texto como segunda palavra do parágrafo inicial da matéria, dá a ênfase necessária para inserir o criminoso no perfil de uma pessoa desamparada e desesperada. Alguém que chegou ao extremo de matar para manter-se honesto e íntegro para com o pagamento de um tributo.
E o que o repórter fez errar? Simplesmente reproduziu as informações da fonte, do advogado que defende Cirino, do jeito que as recebeu. Veja:"A informação foi passada pelo a advogado Yvan Gomes Miguel, responsável pela defesa do desempregado, que era vizinho do casal e foi preso no domingo após se entregar à polícia. 'A intenção dele era furtar, e não roubar', declarou Miguel. Segundo ele, seu cliente estava desesperado com a dívida acumulada por conta do atraso nas contas do IPTU, mas não soube precisar o valor total."
Ao dizer que o criminoso queria furtar, não roubar, o advogado encaminha o crime para uma situação de menor gravidade, aliando a isso o desespero do dliente para manter-se quite com o fisco municipal.
Insisto: qual o erro do repórter? Apegar-se à literalidade do que lhe ditou a fonte, que no caso funcionou como elemento formulador primário da matéria. Um redator mais experiente teria formatado o texto com todas os dados, porém segmentando-os, a fim de que a notícia não acabasse por se tornar uma peça de defesa prévia.
O relacionamento jornalista/fonte é complexo, pois reúne interesses às vezes conflitantes. No caso, o jornalista buscou a exatidão dos fatos e, de tão preso a essa formalidade, permitiu que a fonte manipulasse a matéria. Isso demonstra incapacidade profissional para tratar de assuntos até mesmo de menor complexidade como esse, mesmo levando-se em conta sua condição de ocorrência trágica e humanamente inaceitável.
Imagine um jornalista assim entrevistando um suspeito de corrupção. Caso se detenha aos ditames da fonte, sua falta de domínio textual resultará num material que mostrará aos leitores o corrupto como um querubim.
Certa vez, numa conversa de redação, ouvi um comentário a respeito de falhas jornalísticas. Contava-se a respeito de um filho que havia espancado a mãe. A manchete fora a seguinte: "Bateu na mãe sem motivo justo". Do ponto de vista kafkiano com que o título foi redigido, o mesmo se aplica ao caso do criminoso de São Paulo: "Matou os velhinhos para ser honesto."
O texto contém uma falha grave: a formulação redacional quase que justifica o crime ao indicar que o matador "pretendia apenas" praticar um furto para pagar o IPTU. A condição de desemprego, que ganha saliência no texto como segunda palavra do parágrafo inicial da matéria, dá a ênfase necessária para inserir o criminoso no perfil de uma pessoa desamparada e desesperada. Alguém que chegou ao extremo de matar para manter-se honesto e íntegro para com o pagamento de um tributo.
E o que o repórter fez errar? Simplesmente reproduziu as informações da fonte, do advogado que defende Cirino, do jeito que as recebeu. Veja:"A informação foi passada pelo a advogado Yvan Gomes Miguel, responsável pela defesa do desempregado, que era vizinho do casal e foi preso no domingo após se entregar à polícia. 'A intenção dele era furtar, e não roubar', declarou Miguel. Segundo ele, seu cliente estava desesperado com a dívida acumulada por conta do atraso nas contas do IPTU, mas não soube precisar o valor total."
Ao dizer que o criminoso queria furtar, não roubar, o advogado encaminha o crime para uma situação de menor gravidade, aliando a isso o desespero do dliente para manter-se quite com o fisco municipal.
Insisto: qual o erro do repórter? Apegar-se à literalidade do que lhe ditou a fonte, que no caso funcionou como elemento formulador primário da matéria. Um redator mais experiente teria formatado o texto com todas os dados, porém segmentando-os, a fim de que a notícia não acabasse por se tornar uma peça de defesa prévia.
O relacionamento jornalista/fonte é complexo, pois reúne interesses às vezes conflitantes. No caso, o jornalista buscou a exatidão dos fatos e, de tão preso a essa formalidade, permitiu que a fonte manipulasse a matéria. Isso demonstra incapacidade profissional para tratar de assuntos até mesmo de menor complexidade como esse, mesmo levando-se em conta sua condição de ocorrência trágica e humanamente inaceitável.
Imagine um jornalista assim entrevistando um suspeito de corrupção. Caso se detenha aos ditames da fonte, sua falta de domínio textual resultará num material que mostrará aos leitores o corrupto como um querubim.
Certa vez, numa conversa de redação, ouvi um comentário a respeito de falhas jornalísticas. Contava-se a respeito de um filho que havia espancado a mãe. A manchete fora a seguinte: "Bateu na mãe sem motivo justo". Do ponto de vista kafkiano com que o título foi redigido, o mesmo se aplica ao caso do criminoso de São Paulo: "Matou os velhinhos para ser honesto."
segunda-feira, 20 de novembro de 2006
Crônicas para Natal
Natal, um instante do mundo
A grande paisagem do mundo
pode ser resumida nas cidades.
Gente, árvores, bichos, rios,
tudo isso sai da natureza
e também chega às cidades.
Cada cidade é um instante do mundo
e da louca aventura do Homem,
rumo não se sabe bem a quê.
Assim é Natal: uma cidade brotada do mar,
que derramou-se para dentro do continente.
Como querendo dar um abraço, lá longe, no sertão.
Veloz e ferina em sua carreira,
Natal corre para todos os lados
ao mesmo tempo. Não, Natal não
apenas corre. Ela se escorre como
um rio urbano de asfalto e verde.
E cresce, cresce sempre.
E de sua entrada, portão
de paisagem e monumento,
viaduto e mirante ao mesmo tempo,
recebe os visitantes como quem diz:
“Entre, a casa é sua.”
A grande paisagem do mundo
pode ser resumida nas cidades.
Gente, árvores, bichos, rios,
tudo isso sai da natureza
e também chega às cidades.
Cada cidade é um instante do mundo
e da louca aventura do Homem,
rumo não se sabe bem a quê.
Assim é Natal: uma cidade brotada do mar,
que derramou-se para dentro do continente.
Como querendo dar um abraço, lá longe, no sertão.
Veloz e ferina em sua carreira,
Natal corre para todos os lados
ao mesmo tempo. Não, Natal não
apenas corre. Ela se escorre como
um rio urbano de asfalto e verde.
E cresce, cresce sempre.
E de sua entrada, portão
de paisagem e monumento,
viaduto e mirante ao mesmo tempo,
recebe os visitantes como quem diz:
“Entre, a casa é sua.”
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