sábado, 30 de janeiro de 2010


Dilma, Maquiavel e Branca de Neve
Emanoel Barreto

Maquiavel ensina que, na política, o Príncipe precisa de virtù e fortuna. Esta como conjunção de fatores históricos positivos que parecem conspirar favoravelmente àquele que deseja ganhar força ou graça perante o povo. Aquela, como atributos pessoais, o carisma, conjunto de competências que o fazem incrndiar as multidões com discurso candente e as alianças com outros poderosos. Simplificadamente, é isso.

No caso da sucessão presidencial, a ministra Dilma parece padecer de alguma falta de virtù, apesar de afortunadamente estar amparada pelo mais poderoso príncipe da nossa política - um ator que por muito tempo merecerá, queiram ou não seus adversários, estudos e análises quanto à sua vida na política brasileira.

O que o divino Maquiavel não previu, nem poderia, foi o surgimento de algo chamado marketing  e especialmente marketing eleitoral, essa ferramenta de argumentação aplicada à publicidade e, especialmente no caso, à propaganda.

Não que o marketing seja algo milagroso, capaz de fazer e desfazer imaginários coletivos. Não, muito pelo contrário. Vide o caso do candidato tucano Alckmin, que patinou muito até perder para Lula no último pleito à presidência.

Mas o marketing, quando aplicado a certas situações potencialmente tendenciais, ou seja, quando lança sua semente junto a um determinado público passível de sensibilização, pode sim operar esse milagre comunicacional que é construir uma imagem de virtù.

Tendência significa "propensão a" e, em sua raiz marqueteira, inclui o despertar mesmo dessa tendência onde antes ela inexistia. Aí o grande segredo, aí a visão do marqueteiro como bruxo esquivo e invisível, tratador de fórmulas secretas, poções e tisanas de comunicação para restabelecer o paciente que padece de carência de virtù e fazer dele um novo príncipe.

A Ministra cresce paulatinamente, pela exposição midiática massiva, sempre à tiracolo do príncipe Lula. Se sua osmose política funcionar, é possível que ele a faça a princesa desse terrível conto de fadas que é a política. Sua Branca de Neve a sua sucessora.

sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

O Haiti não é mais aqui
Emanoel Barreto

Ao contrário do que diz a letra da canção de Caetano Veloso, o Haiti, aos poucos, não está mais aqui. Jornalisticamente, não é mais aqui. Aos poucos, com lentidão que agrava o sentido de que aquele país começa a deixar de existir midiaticamente, sua tragédia e hecatombe começam a se esmaecer no noticiário.

A isso se juntará, não haja dúvida, o processo de decantação das emoções chocadas com a dor e o horror. E, passado o período de luto social, o mundo retornará à sua cotidianidade, à terrível normalidade da indiferença.

Aos poucos o Haiti irá se defazendo no ar das Redações, no ar dos gabinetes e governo e o Haiti não será mais aqui.

 
O povo à imagem e semelhança do poder
Emanoel Barreto
 
Dois momentos em charge. O primeiro no traço de Henfil, à época da ditadura. Angeli, em seguida, fixa o crescimento da urbanização em seu processo de desumanização. A ação desnaturante sobre a natureza. O hifen que une os dois momentos: a sociedade, o povo, no dizer de Henfil, sempre como massa de manobra num e noutro casos.
 
Antes a ditadura, representada pelo seu dadopolítico-capitalista, maquinando para eleições em que o povo é que será "escolhido", ou seja, ajustado pela legislação aos desejos dos poderosos. Hoje, a mesma massa humana domesticada ao consumismo, outra forma ditatorial que ensina como as pessoas devem ser.
 
 
 

quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

 Brasileiro teme ser esquecido em corredor da morte e presidente Lula apela ao Governo da Indonésia (Reuters)
A morte como "pena para sempre'
Emanoel Barreto

A Folha traz matéria informando que o brasileiro Marco Archer Moreira, traficante de drogas, será executado na Indonésia. Abaixo:

RICARDO GALLO
da Folha de S.Paulo


O presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez ontem um apelo ao governo da Indonésia a fim de evitar a execução do brasileiro Marco Archer Cardoso Moreira, 48, condenado à pena de morte no país asiático.
Em carta, Lula pediu "generosidade" ao presidente da Indonésia, Susilo Bambang Yudhoyono, e disse que a morte do brasileiro afetaria a relação entre os dois países.


"Peço licença para tratar de um assunto de interesse humanitário (...) Conto com a sua generosidade para que o assunto não crie uma reação na opinião pública brasileira que teria, possivelmente, efeitos no nosso relacionamento, que tanto queremos estreitar", disse o presidente, que classificou o caso de "especialmente urgente".


A carta, que exalta a boa relação entre Brasil e Indonésia, foi enviada após Marco pedir nova intervenção de Lula. "Vou cair no esquecimento aqui", disse ele à Folha no dia 17.


Trata-se de uma nova tentativa para que Yudhoyono dê clemência ao brasileiro. É a última chance de Marco escapar da execução --ele quer a conversão da pena para prisão perpétua ou para 20 anos.


Pelas leis locais, o condenado tem direito a dois pedidos de clemência -o presidente da Indonésia já negou o primeiro em 2006 e ainda não se pronunciou sobre o segundo. Na Justiça, não cabe mais recurso.


Yudhoyono foi reeleito em 2009 com posição favorável à pena de morte. A punição é apoiada pela maior parte dos políticos e pela população local.


O brasileiro foi preso em 2003 ao tentar entrar na Indonésia com 13,4 kg de cocaína escondidos em sua asa delta. A condenação de morte ocorreu no ano seguinte. Ele disse que aceitou o serviço em troca de dinheiro para pagar uma dívida; segundo Marco, foi a primeira vez que ele fez isso.


A Folha vem tentando falar com o governo da Indonésia, mas ainda não obteve resposta.
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A pena de morte, como tudo no direito penal, é retributiva. É uma espécie de olho por olho, dente por dente. Até mesmo no direito civil esse princípio, de alguma maneira, sobrevive. Se você não paga reiteradamente o aluguel da casa será despejado, no prazo legal.


Com a pena de morte dá-se o mesmo: aos olhos da sociedade indonésia o tráfico de drogas deve ser punido com a morte. De maioria muçulmana, religião cujos preceitos permitem larga dose de fundamentalismo e, consequentemente, intolerância, a Indonésia vê nas pessoas em tal situação alguém que deve ser, fisicamente, afastado do convívio social. É uma espécie de "pena para sempre".


Tenho ensinado a meus alunos que o jornalismo, em termos de noticiabilidade, se rege pelo princípio da proximidade espacial ou emocional-afetiva, em relação aos acontecimentos. Ou seja: acontecimento distante pode nos levar a interesse em função de um sentimento, uma ligação subjetiva que estabelece liame afetivo com o fato. No caso, um brasileiro condenado à pena de morte.


Entendo que um traficante é alguém perigoso. Alguém que distribui infelicidade e dor a muita gente. Que o diga quem tem um filho, um marido ou esposa ou parente viciado. Que o diga quem seja viciado. Mas uma reflexão, mesmo rápida, a respeito da pena de morte, nos leva a um limite angustiante: a eliminação a sangue frio de alguém, a execução de um ser humano pela mão inumana do Estado.

A pena de morte é uma espécie de degradação trazida à forma da lei. Representa um sentido de moral absoluta, que não reconhece limites à sua aplicação. Assim, é perigosa. Profundamente perigosa. Até mesmo porque, em caso de erro judicial, alguém falsamente culpado pode ser atingido por essa "pena para sempre".

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010



http://kiosko.net/br/np/br_estado_spaulo.html
Artilharia da imprensa
Emanoel Barreto

Valho-me do título da obra clássica de James Reston para analisar as manchetes do Estadão e a Folha, encontrando no subtexto da segunda a ação do jornal como partido político. Gramsci deixava disso bem claro, quando enunciava que jornais podem inserir vilegiatura política em seu noticiário e opinião, desde que assumindo atitude proselitista, doutrinária, assemelhada à de partido político.

E isso a partir de uma constatação: o comportamento agressivo dos sem-terra, prática censurável é verdade, serve de deixa para que o jornal, que nos tempos da ditadura emprestava viaturas para ações repressivas de grupos paramilitares e parapoliciais, pratique ato de partido político. Como? Pelo simples fato de que, primeiro, nota-se um dado de júbilo na assertiva textual do título; segundo, essa asserção toma contornos opinativos, por consequência mesma do júbilo.

Trata-se de discurso que infere à existência de movimento popular contestador, cuja práxis, eivada de atos agressivos, permite aos setores da conservação emitir mensagens que se contrapõem a esse movimento. Que, a despeito da justeza de sua causa, incorre em falha que permite a adversários como a Folha obscurecerem a necessidade de uma reforma agrária, coocando o MST quase que em igualdade de contições com criminosos.

A isso acrescanta-se detalhe de relevo: o fato em si não mereceria jamais uma manchete de primeira página, em função de que jornalisticamente está distanciasdo no tempo (o tempo jornalístico é muito fugidio. Vide a situação do Haiti, que já começa a perder espaço editorial) e suas repercussões sociais foram bastante limitadas.

Quanto ao Estadão, a manchete está certíssima. A distribuição de lucros pelas empresas a seus funcionários, em percentual de cinco por cento (li isso no Estadão) gera evidentemente expectativa social generalizada quanto a seus possíveis desdobramentos.

Não que o Estadão também não seja de alguma forma um jornal com ação assemelhada à de partido político. Bem distante disso. Mas, tecnicamente, a escolha foi a mais acertada. Então, porque a Folha não divulgou com destaque o mesmo evento, deixando ao concorrente caminho livre para tratar de assunto efetivamente de importância?

Resposta: pela militância. Pela atitude de confronto jornalístico com os sem-terra. Por ver aí, na falha do método de ocupação, fator que permitirá, a longo prazo, o contínuo estilolar da imagem desse movimento, que é justo, mas metodicamente equivocado. Sua artilharia, sem dúvida, continuará com fogo pesado.

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010


http://conexaoambiental.zip.net/images/aventura.jpg
Que bom: os americanos estão dando uma ajudazinha aos índios brasileiros
Emanoel Barreto

O Jornal do Brasil traz matéria em que aborda a ação de ONGs que facilitam a ação de entidades estrangeiras que pretendem "ajudar" os índios da Amazônia. Abaixo.

Vasconcelo Quadros , Jornal do Brasil



BRASÍLIA - A Fundação Nacional do Índio (Funai) está terceirizando para Organizações Não-Governamentais (ONGs) a gestão de ações em aldeias indígenas. Duas delas, o Centro de Trabalho Indígena (CTI) e o Instituto Sócio-Ambiental (ISA), estrelas gigantes do setor, estão sendo acusadas por indigenistas e organizações de utilizar a proximidade com a Funai para atrair parcerias e recursos de governos e entidades internacionais. O CTI, por exemplo, é hoje responsável pelo contato e proteção aos índios isolados – como são chamados os selvagens sobre as quais pouco se sabe.


A ampliação do papel das ONGs veio à tona na semana passada com a crise deflagrada pelo decreto baixado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no final do ano passado. A reestruturação chegou de surpresa e acabou desencadeando uma onda de protestos e conflitos, cujo ato mais insólito foi uma briga de bordunas entre índios das tribos xavante e kayapó, com um ferido, durante a invasão da sede da Funai, em Brasília, na semana passada. Era para ser uma reação conjunta contra a extinção de 22 administrações executivas regionais e 334 postos indígenas, mas os kaiapó aceitaram negociar isoladamente com a Funai.

Em fevereiro do ano passado, durante reunião em Brasília, CTI, Funai e Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID) acertaram os detalhes para iniciar as ações com índios isolados. Os críticos reconhecem que as ONGs têm em seus quadros profissionais competentes e dedicados, mas reclamam que, até para evitar interferência externa num setor sensível e frágil, esse é um papel de Estado, a ser executado por indigenistas e sertanistas dos quadros da autarquia, e chamam a atenção para o apelo financeiro embutido nas parcerias.
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A ação das ONGs, aliadas a parceiros internacionais, revela como, diligentemente, e como o apoio de brasileiros, a Amazônia vai sendo tomada e administrada por interesses entrangeiros. Trata-se, não resta dúvida, de uma nova e sui generis forma de colonização quando, à semelhança da presença dos jesuítas, se presta "assistência" aos índios, aos "gentios", como diziam os sacerdotes.

Então, os padres queriam "catequizar" aqueles pobres pagãos. Agora, sob o pálio de levar-se "civilização" aos povos da floresta, realmente o que se faz é a preparação tática, o amaciamento regional, preparando-se o terreno para, em futuro ainda não dimensionado, permitir aos países centrais o apoderamento de toda a região em nome do internacionalismo.

O argumento, frenter à devastação da floresta é simpleas como abrir-se uma torneira: o Brasil não soube cuidar dessa dádiva da natureza e, ante um mundo poluído, deve-se entregar às potências todo o imenso território. Quem viver, verá.

domingo, 24 de janeiro de 2010


http://www.vaimanticoravem.net/wp-content/estranha.jpg
Estranha Gênese
Emanoel Barreto

O tempo passou.
Passou-se tanto, que um dia acabou-se - o tempo.
Em seguida veio a eternidade, que é o tempo sem
fim e sem começo.

E houve paz porque, sem tempo, os homens
não sabiam a horar de ir guerrear.

Mas depois se inventaram os relógios,
a girar continuamente as mesmas horas.
E assim foi descoberto: a eternidade é muito cansativa.

Então, numa curva do mostrador, um homem,
um, ele sempre, o mais esperto, descobriu o tempo escondido.

E o dono do relógio apoderou-se do tempo
e o trouxe de volta e bem depressa.

E o dono do relógio tornou-se
dono do tempo e transformou o tempo em dinheiro.

Todos o invejaram e queriam ter tempo e dinheiro.
Começou tudo novamente e não há tempo para terminar.