sábado, 17 de agosto de 2013

Cartum

Caso de polícia



A galope

MEU DISCURSO COMO PARANINFO DAS TURMAS CONCLUINTES DE JORNALISMO, RADIALISMO E PUBLICIDADE E PROPAGANDA DA UFRN - 2013.1.

Autoridades presentes ou representadas,
Caros colegas publicitários, radialistas, jornalistas,
Minhas senhoras, meus senhores,

Tomemos como marco zero deste pronunciamento o reluzente e magnífico poema sinfônico de Richard Strauss. Uma portentosa composição; intensa, grandiosa, gesto de larga beleza. Um minuto e 44 segundos, não mais que isso. Ouçamos.

(Assim falou Zaratustra) Tivemos aqui poderosa demonstração do quanto a música pode nos levar a instantes mágicos, momentos de vida interior. A música como elemento tornado vivo pela mestria dos instrumentistas. É da convergência dos talentos, de sua união pela sinfonia, que surgem a harmonia, o equilíbrio, o maravilhoso efeito sonoro, arrebatador e largo, sugestivo e arrojado.

Temos aqui, neste encontro, como numa grande orquestra, a união exata e necessária de três segmentos da comunicação, atuando em sintaxe perfeita: a publicidade como instante de criação que elabora o discurso da cidadania e da divulgação de produtos e serviços; o radialismo em sua missão de trabalhar a representação do real, expondo, em suas diversas manifestações sonoras, a palavra e a canção, a imagem e sua estética. E o jornalismo diante das responsabilidades de informar e opinar com serenidade, coragem e vigor.

E os três ligados pela paixão daquilo que fazem.

Somos; jornalistas, publicitários e radialistas, agentes com responsabilidades históricas indeclináveis. Vivemos um mundo em transe, instante em que os desafios, as incertezas, temores e ameaças fazem cambalear verdades e construções, crenças e valores.

E somos nós, desta forma, parte deste processo transformador, contribuindo para uma sociedade mais justa, democrática e participativa. Somos, inescusavelmente somos, portadores da tocha, criadores da luz; investindo sobre o que se quer ocultar ou negar, denegrir ou obstaculizar no homem o seu processo de engrandecimento, seu sentido histórico e de vida.

Temos compromisso ético com a democracia, com a humanização, com uma sociedade mais justa e com o enfrentamento a todos os que se oponham à dignidade do homem e desrespeitem as liberdades individuais, a partilha e a solidariedade.
Diante do que acabo de dizer, pelo sentido que busco dar às minhas palavras, creio que momentos como este são especiais. São momentos de encontro. Não apenas pela alegria comemorativa da vitória de todos vocês, mas justamente pelo fato de que vivemos aqui o brotar de uma geração que pode, e sabe que pode, contribuir para esse mundo que se espera novo.

Relembro aqui palavras do grande Guimarães Rosa, que em sua epopéica obra "Grande sertão: veredas", nos conta: "Um menino nasceu -- o mundo tornou a começar."

Não é pouco o que nos diz tal assertiva. Em apenas oito palavras o mestre, de alguma forma, resume a condição humana em tudo o que ela tem de mais trágico e grandioso, aterrador e belo. Há poesia e tempestade.Há todo um sentido profundo e desafiador em suas palavras.

Todos hão de concordar: se um menino nasceu, houve quem o antecedesse. E isso em meio a todas as limitações e possibilidades que são legadas aos homens em sua misteriosa dor do estar presente. E não é pouca coisa. Chegando ao mundo o menino torna-se, por isso mesmo, legatário e imerso no grande mar-oceano que é o existir, em todas as suas contingências.

O recomeço do mundo, tal qual nas palavras de Rosa, também se dá aqui, marco zero de suas jovens vidas. Daqui todos sairão para o vasto território do futuro. Superaram as fronteiras da universidade para chegar ao limiar de um novo passo. Cheios de vontade, de planos, de projetos. Cheios, por que não dizer, de sonhos.
Sonho não como sinônimo de devaneio, realização efêmera de uma vontade, desejos de vaguear numa alegria passageira.

Proponho então o sonho como a antevisão, o porvir certeiro e decidido de quem saberá construir seu próprio tempo. E o tempo de cada um sabe que o tempo maior da existência não tem tempo a perder ou duvidar.

E nessa certeza, exatamente aí, está a força de vocês, que construíram, no passo a passo da universidade, a nau que está prestes a partir e a se fazer saudade aos que ficamos a plantar novos sonhos e batalhas.

Ao ficar e ao vê-los partir, digo: sou grato pelo honroso convite que esta turma me fez. Sou grato pelo gesto e pelo abraço. Agradeço a saudade que plantaram em meio às minhas recordações. Agradeço aos meus pares, cuja contribuição a esta grande e solar orquestra de jovens foi sem dúvida essencial. São, os professores, grandes profissionais e mestres comprometidos.

(Cavalgada das Valquírias) Agora, peço permissão para mudar a forma de tratamento, tornando-me um pouco mais formal. E, sendo assim, a todos e a cada um eu digo: vossas vidas não serão meras reproduções de um passado de falhas e preconceitos, atos e desatinos que a humanidade perpetrou em seu longo e tortuoso caminho sobre a Terra.

Vossas vidas serão a vida do menino de Guimarães Rosa, nascido para fazer renascer a fé, a confiança, a poesia. Assim, abaixo a brutalidade, o ódio, a cobiça, a exploração, a insensatez e a força dos poderosos.

É de vossas vidas que brotará a resistência a tal estado de coisas. Vossas vidas serão arrojo e força; coesão, coerência e avanços. Vossas vidas serão, como nas grandes epopéias, maratonas de desafios e vitórias conquistadas sem temor.
Para tanto, para chegar à vitória, é preciso que vivais intensamente vossa própria humanidade, compreendendo aquilo que dizia Chaplin no texto de O último discurso: "Não sois máquinas; homens é que sois."

Vamos adiante, vamos seguir em frente. Temos vigorosa utopia. Vamos tomar por companheira intensa a fantasia admirável e construtiva dos sonhos; dos sonhos que têm raízes no real, dos sonhos que fazem florescer a vida e sua corajosa utopia. E a partir disso,da história real dos sonhos, busco as palavras magníficas de Antero de Quental, vos convoco e vos digo: "A galope, a galope, ó fantasia! Plantemos uma tenda em cada estrela!" Muito obrigado.

Balas e balas

Al Caparra, o gangster chic

De medo e de coragem



Uma conversa aparentemente maluca numa tarde de calor

Foi numa tarde de calor abafado, meados de 1976, que fiz uma entrevista com um executivo. Não lembro se era empresário ou gerente de banco. Era jovem, e fora entrevistado a respeito da situação da economia do Rio Grande do Norte. Falava bem, era assertivo, fluente. O tipo da fonte boa de entrevistar. Respostas certeiras e objetivas. Chamava-se José do Egito. Voltamos a nos ver mais uma ou duas vezes.
 
http://desmotivado.com/2009/05/13/coragem-2/
Mas foi em nosso primeiro contato que ele me impressionou. Foi assim: depois dessa conversa aplicada a que chamamos entrevista passamos a falar de outros temas. É comum, enquanto o repórter espera o carro do jornal para voltar à redação. Não lembro bem porquê, mas falamos a respeito da capacidade de decidir, aquele momento em que precisamos tomar atitude, firmar posição.

Disse-me ele: “Barreto, não tenho coragem de nada; mas também não tenho medo de nada.” Rimos muito da afirmativa, seu paradoxo, sua matreira incompreensibilidade, até mesmo aparente falta de sentido; uma coisa anulando a outra.

Dias depois, pensando bem, creio que cheguei ao sentido daquela frase: seria ela, creio agora, o indicativo de que o homem que adota tal atitude, que o leva a um ponto zero, ter atingido uma espécie de serenidade. 

Sente-se imerso numa situação, percebe que não tem como sair, a não ser pelo enfrentamento, e escolhe de que forma se dará tal enfrentamento: recuar taticamente (numa suposta falta de coragem, que na verdade é atitude engenhosa) ou partir para o ataque (a coragem vivida dê no que der).

Creio então que é isso: devemos, precisamos escolher o momento preciso para tomar atitudes. Experienciar os momentos, neles imergir e avançar na direção daquilo que deve ser o comportamento compatível. 

Cuidado com os traiçoeiros e dissimulados, mas mantenha-se perto deles para perceber quando arquitetam sua traição. Conheça seus métodos, suas palavras, suas regras. Faça de conta que é a vítima perfeita. Mas apoie e apoie-se nos que sejam confiáveis e retribua à altura seus gestos de dignidade.

É isso; bom fim de semana. E, de qualquer forma, um abraço a José do Egito.


sexta-feira, 16 de agosto de 2013

A história de muitos crimes

O jornalista Gustavo Sobral publicou o seguinte texto a respeito de "Os crimes do Padre Heusz".

As veladuras de um romance jornalístico
Gustavo Sobral

Contava Osório Dantas que uma certa história da fundação da cidade era lá uma lenda, como se lenda fosse coisa qualquer, ao que Cascudo repreendeu, “menino essa lenda saiu do quengo de Manoel Dantas”. Manoel Dantas foi dos nossos primeiros jornalistas, a par de ser também advogado, redator de A República, jornal de Pedro Velho. 
Escrevia os artigos de fundo, aqueles textos pra tapar buraco do espaço que sobrava e que, futuramente, nos jornais, evoluiria para a crônica com sabor dos dias, foi este mesmo Manoel Dantas que num arroubo de invencionice precisando de um artigo de fundo urgente lançou um futuro pra cidade em que as dunas a cobririam, era o tal “perigo iminente”, portanto, certo Cascudo, e mais certo Osório, que não contestou, certos de saberem que certas lendas ou histórias quando saem de certos quengos tem todo o respaldo da grandeza da criação, pois o mesmo do jornalista Manoel Dantas é o que se diz do jornalista Emanoel Barreto a contar o romance crimes do padre Heusz.

Como Clarice Lispector em “A hora estrela”, O romance de Barreto conta como ele próprio romance se faz na surpresa de ao contar uma história se contar como se conta a história. O autor revela a sua fórmula de criação compondo narrativas em camadas indissociáveis. Contar a história e também contar como se conta a história, um recurso de muito apuro, e só possível e alcançado por aquele que tem não só o domínio da palavra, mas conhece a arte do narrar e do dizer. 
 Outra faceta, outra camada, é a aula de jornalismo que se apresenta na própria forma de fazer o romance, uma grande reportagem; na própria forma de tratar os liames do jornalismo, é a redação e as funções do repórter ali tratadas e até explicadas no savoir faire, nesta pena do farsesco. A filosofia constrói também o enredo, as justificativas, os motivos que levam as ações do padre, escritos de forma apurada e mesmo assim simples no dizer, um exercício de jornalismo que é tornar para todo público o complexo passível de compreensão. O padre Heusz é um Sócrates invertido e um sofístico do falso, subverte a ordem do discurso quando enfrenta o perigo para dizer as suas vítimas, “só sei que tudo sei”.

Peça literária que tem a agilidade da narrativa econômica de pormenores, também recuperação de um tempo passado que coloca o romance na escola dos romances históricos. Tão inventivo quando um “Xangô de Baker Street” ou de “O homem que matou Getúlio Vargas”. As revelações ardilosas e despudoradas coram os leitores como coraram as revelações de confessionário de uma casa de Budas ditosos.
 Há uma recursividade que enlaça histórias dentro de histórias, as amarram, imiscuem, tornam o que é uma coisa todas as coisas. Há narradores personagens que escrevem e falam as falas de outros personagens, é isso que se quer dizer: os pecadores tem a voz na voz das cartas do padre, então é o ponto de vista do padre que conta ao narrador que nos conta a história, eis o mistério intrincado de uma criação literária astutíssima. 
Surpresa e toque de mistério podem fazê-lo romance policial, mas se engana quem apenas acha que encontra entretenimento. O mistério, o absurdo que não beira ao fantástico e fica no realismo do incrível crível lembra as tramas dos contos de Lygia Fagundes Telles, uma força criadora que quando mais nos surpreende mais é capaz de surpreender. E quem sabe uma ligação com a literatura potiguar, o padre louco insano nos hospícios de Alex Nascimento.

Cada carta e cada crime é um capítulo que também pode ser visto a parte e que junto constrói um Decameron de desatinos, entre os valores terrenos e os valores divinos. Os discursos que se constroem nos diálogos e falar do jornalista e do padre são peças de elegância dignas de um jornalista Emanoel Barreto. Na velocidade da cena e no gosto pelo mistério registra-se com “Os crimes do Padre Heusz”, quem sabe, uma crítica às conclusões apressadas marca do nosso tempo que só se tecem por julgamentos óbvios e por posições estruturadas em binômios antagônicos bem/mal, ruim/bom, e em que mais vale o individualismo em que tudo que se faça tem por único juízo as razões e os propósitos, a moral própria que justifica a necessidade de guiar o destino, faço isto porque eu sou o certo e o centro da verdade e o saber. Todos temos um pouco de padre Heusz...

Memórias do jornalismo e dicionário do seu jargão, história das redações à máquina de escrever e linotipo, labirinto das reviravoltas impossíveis, cenas com a eletricidade cinematográfica que recuperam um heroísmo a Indiana Jones, quando o herói jornalista é macunaímico, totalmente às avessas, histórias em histórias em que os personagens aos escrevê-las se apagam como se apagam quando as páginas se passam e as histórias se passam, tudo é o tempo presente, até a derradeira página que leva até o final uma surpresa a cada linha, o lido é sabido até que tudo se apague em palavra e se agarre o desfecho final quando a literatura há de dizer, com galhofa, se é ou não verdadeira ficção ou se habita e acontece nos subterrâneos da cidade e que vive dentro de nós mesmos. Brilhante.