sexta-feira, 16 de novembro de 2012

Recebo do Sindicado dos Jornalistas do RN e me solidarizo com a categoria



Patrões provocam categoria e mantê

ESMOLA de 5% para os jornalistas

Os donos de veículos de comunicação não aumentaram em nada a proposta INDECENTE da primeira rodada de negociação e mantiveram 5% de reajuste. O índice é VERGONHOSAMENTE abaixo da inflação do período (5,40%) e equivale a um aumento bruto de R$ 55 sobre o piso da categoria, hoje em R$ 1.050, o PIOR DO BRASIL. O reajuste revindicado pelos jornalistas é de 19%. A segunda rodade de negociação aconteceu na manhã desta terça-feira, 13 de novembro, na Superintendência Regional do Trabalho (antiga DRT), na Ribeira. 

O Sindicato rejeitou os 5% e apresentou uma contraproposta com base no que a Assembleia geral dos Jornalistas havia deliberado na segunda-feira. Os patrões ficaram de analisar os novos números apresentados. A nova proposta prevê 16% para quem recebe o piso, 12% para quem ganha entre R$ 1.500 e R$ 2 mil e 8,02% para os que recebem acima de R$ 2 mil. Um novo encontro entre sindicato e patrões foi marcado para 23 de novembro, às 12h, na SRT. 


Para explicar a piada de 5%, os patrões afirmaram que as empresas de comunicação estão deficitárias. O diretor da Tribuna do Norte, Ricardo Alves, foi o que mais se posicionou de forma contrária. Segundo ele, o faturamento das empresas da maioria das capitais do país é maior que as do Rio Grande do Norte, daí a disparida dos salários. Porém, nenhum dos empresários apresentou a planilha de custos dos veículos confirmando os argumentos. "Algumas empresas estão demitindo e um jornal já fechou", disse fazendo referência ao recente fechamento do Diário de Natal.


O presidente do Sindicato patronal, Djalma Correa, lembrou que a maioria dos veículos já paga mais que o piso. "Estamos defendendo as menores empresas que podem quebrar com o reajuste que o Sindicato está propondo. Também estamos aqui representando uma categoria. Admitimos que os salários são baixos, mas temos que encontrar uma alternativa", afirmou.


O Sindicato dos Jornalistas lamentou a postura dos patrões. O diretor do Sindjorn, Rudson Pinheiro, que apresentou a origem dos números calculados com base nos índices de inflação, no PIB e nas perdas acumuladas da categoria, afirmou que se o momento econômico não é bom, que os empresários cortem dos lucros e não do salário dos jornalistas, que vêm se sacrificando pelas empresas há vários anos. "O jornalista do RN recebe o pior piso do Brasil e não é de hoje. Só os jornalistas se sacrificam pelas empresas, mas empresas nunca se sacrificam pelos trabalhadores. Vocês não oferecem sequer a inflação. Por isso tenho direito de achar que esses 5% de reajuste é uma provocação", desabafou. 


A presidente do Sindjorn, Nelly Carlos, também criticou de forma dura os patrões e reafirmou que o sacrifício também tem que partir dos donos dos veículos. "Vocês vieram aqui com o mesmo discurso dos anos anteriores. Vocês têm que mudar esse discurso porque a categoria não aguenta mais. Esse sacrifício não pode partir só dos jornalistas, mas das empresas também", disse.   


Com a nova rodada de negociação marcada para 23 de novembro, os jornalistas deverão se reunir em nova Assembleia Geral para analisar a contraproposta e deliberar sobre a Campanha Salarial. Nos próximos dias o Sindicato vai passar nas redações para convocar a categoria.  Quem se interessar pode acompanhar a campanha através do Blog:
http://saidochaojornalistadorn.blogspot.com.br  

Discurso do jornalista Walter Medeiros na
câmara municipal de Mata Grande ao receber o
título de cidadão matagrandense em 12.11.2012


Senhor Presidente da Câmara Municipal de Mata Grande,

Uma música diz que a vida é feita de chegadas e partidas. E é verdade. Cada um tem seus encontros e despedidas. E em meio a tudo isso estão momentos inesquecíveis, como este momento, um momento de reencontro. Momento que se constitui num sonho, vivido neste chão tão especial, pedaço sagrado do sertão, onde pisei na inocência da infância e tenho a felicidade de voltar agora pela terceira vez.

Volto a Mata Grande mais feliz. Agora chamado pelos seus dignos representantes para receber tão alta honraria, o Título de Cidadão Matagrandense. Homenagem que é dada a poucos e que não esperava, apesar de todo sentimento que sempre demonstrei por esta terra.

O simples caminhar por estas ruas, por estas serras, por suas estradas, já bastava para mim. Bastava, para mim, no meu memorável olfato, o cheiro forte, inigualável e inesquecível do melão Caetano, que encontrava pelas cercas no caminho da fonte. Bastava-me rever a sombra do aveloz e a torre da Igreja, tão alta e protetora dos nossos passos e aspirações.

Emociona-me cada foto que vejo do povo de Mata Grande nas ruas. Em procissões, desfiles ou tantos ouros festejos, para identificar que um dia era eu quem estava pelas ruas assistindo aos papangus do Carnaval ou vendo a minha irmã desfilar, com aquela farda tão alinhada, com as suas colegas do Colégio.
Daqui parti há cinquenta anos. Saímos num caminhão, meu pai, minha mãe e eu, para Arcoverde, em Pernambuco. Lá embarcamos num trem, que nos levou até Natal. Naquele tempo o transporte ferroviário tinha uma malha extensa e era muito útil. E fomos viver nossas vidas na cidade onde nasci. Mas as lembranças de Mata Grande nunca se apagaram, nem haverão de se apagar.

Carlos Drummond de Andrade não estava ainda em minha vida, mas eu já praticava o que disse ele em um de seus versos: “Não nos afastemos tanto”. Escrevia para cá e recebia cartas de nossos ex-vizinhos. Em algumas ocasiões, recebíamos fotos e notícias recentes, que nos davam uma visão das mudanças que aqui vinham ocorrendo.

Com o tempo fui percebendo que essa ligação não era só minha nem da minha família. Descobri que a ânsia por notícias e a vontade de voltar a Mata Grande era forte da mesma forma em todos os seus filhos e ex-moradores que partiram para outros estados, principalmente para São Paulo e Rio de Janeiro.

Pessoas que nasceram em Mata Grande e foram para longe não esquecem e se emocionam com notícias daqui. Para ter um forte exemplo, cito a amiga Rosilda, que saiu daqui nos anos setenta e foi com a sua família para São Paulo. Na viagem que fiz a Mata Grande em 2011 fotografei a casa onde ela morou até os 17 anos. Enviei-lhe aquelas imagens e ela me passou uma mensagem dizendo que havia ficado muito emocionada, não esperava aquela surpresa e tinha chorado muito com aquela lembrança. Rosilda hoje é diretora de um colégio em São Bernardo do Campo, São Paulo.

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Por onde andei e ando levo minhas fortes ligações com este belo pedaço do sertão nordestino, que começou a ser habitado há mais de duzentos anos. E quando uso a palavra “belo” não falo de forma vulgar; considero Mata Grande da mesma forma que os antigos filósofos da Grécia encaravam a beleza; algo que provocava mesmo grande sentimento, grande comoção.

Mesmo sem tanta andança na região, para mim sempre repercutiram de forma bastante familiar as informações sobre as redondezas: Água Branca, Inhapi, Canapi, Paulo Afonso, Palmeira dos Índios, Delmiro Gouveia, Santana do Ipanema, Satuba e Maceió.

Vinte anos depois de ter saído daqui, as lembranças eram tão fortes que resolvi escrever tudo que recordava. Passei a soltar meu pensamento pelos caminhos de todos os meus sonhos infinitos. Lembrar o cheiro das árvores coloridas de Mata Grande. E as pedras da Serra da Onça, onde fazia as incursões de minha infância. Reviver comigo mesmo o tempo ingênuo e puro da fonte, próximo da qual encontrava o mel das abelhas e onde o silêncio só era quebrado pelo canto dos pássaros.

Pensava em voltar a Mata Grande do Grupo Escolar Professor Demócrito Gracindo, onde me realizava ao assistir as aulas da professora Josefina Canuto. Do bar de Noca. Do alambique onde era feita uma cachaça chamada Carolina, tinha no rótulo a foto de uma bela moça e sempre me lembrava a música de Luiz Gonzaga que tem esse nome. Da padaria de seu Balbino, onde comprava o pão francês tão quentinho. Da rua de cima e da rua de baixo. Do armazém de seu Odilon, com aquelas latas e tonéis.
Trazia à minha mente a figura de Pastora, uma preta sem rumo, bebendo cachaça pelas ruas. Trazia a mim Dona Maria Sabiá, chegando à minha casa com o café torrado no caco. O carro de cocão de Etinho, meu irmão, que antes de mim foi para Natal estudar no Ginásio Industrial, formou-se em Mineração e depois Jornalismo.

A despedida da minha irmã Clemilda, que também foi para Natal antes de nós. E lembro ainda que pegava bigu nos carros de boi, depois da feira. E a felicidade de vestir as roupas novas que a minha mãe fazia.
Mata Grande sempre foi como uma rosa que se procura. Distante, no alto sertão das Alagoas. Não mandava tantas notícias. Mas eu não esqueci. E hei de vê-la novamente, para retomar sempre o caminho dos meus sonhos.

Voltar aqui sempre foi retornar a um passado sem igual. Por estas ruas eu andava e sonhava sonhos pouco ambiciosos, porém justos. Como os que ainda hoje sonho, que a vida haverá de concretizar. Observava, pequeno, as frondosas árvores, com suas flores vermelhas e amarelas, e as folhas caídas ao chão, levadas pelo vendo da ladeira da Matriz.

Não era de ficar observando muito, porque na minha mente de criança morava distante. Mas aproveitava o máximo quando era mandado à rua ou ia, aos domingos, engraxar os sapatos no centro. E não comentava nada disso com ninguém.

Sei que estas lembranças belas, guardadas, não vinham naquele tempo pelo fato de ter saído daqui. Elas sempre estiveram presentes, e apenas se reavivavam, trazendo à imaginação o aspecto que teriam atualmente esta cidade, muitos anos depois.
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Não queria acreditar que tivesse mudado nada, porque achava que não havia necessidade. Mas sabia que ao redor deveria estar tudo diferente. A cidade crescera, as antenas de rádio haviam dado lugar às antenas de TV, vitrines haviam mesmo tomado o lugar das portas duplas e altas de madeira das lojas, e carros novos ficavam ao lado dos jipes Willys de então.

Nesse sertão onde eu vivi, o homem não deixa nada sem conhecer de perto. É curioso e procura os mínimos detalhes sobre sua vida e o ambiente que habita. E isso o leva a se acostumar com os animais, as rochas e os espinhos. Foi por isso que subi a Serra da Onça, num passeio em certo domingo. Era muita gente. Quem já conhecia, ia mostrando os caminhos aparentemente impossíveis de seguir. Perigosos, porém não intransponíveis. Bastava seguir a recomendação de ter cuidado com as coroas de frade e fazer tudo para não escorregar. Muita disposição exigia-se para poder subir, mas todo preparo era pouco para evitar o cansaço.
Todo ânimo ressurgia, ao sentirmos que estava próximo o cume, com seus segredos, suas lendas e rochas, algumas talvez até hoje não visitadas.
A beleza da paisagem era muito grande. Todos ficavam a apreciá-la. Seguiam, porém, aos poucos, até se juntarem para comentar o medo de alguns, o desajeitamento de outros, as plantas nascidas das pedras. Soltávamos a imaginação, esquecendo até a quentura das rochas sob o calor do começo da tarde.

Conhecemos a Serra, nos divertimos e depois chegou, para muitos, da maior apreensão: descer de volta! Era muita aflição junta, mas todos conseguiam. E a serra continuava lá, quase indiferente à visita, como representante dos poderes da natureza. Imortal, assistindo os anos de seca na região, que trazem penúria ao povo nordestino.

Outra lembrança que guardo de Mata Grande é da fonte, onde diariamente muitos iam buscar água e da qual se falava como se ela fosse uma pessoa integrada ao nosso convívio. Ali, as cenas mais comuns eram formadas por pessoas transportando seus galões.

Era a fonte que, arrodeada pela tranquilidade dos avelozes e plantas rasteiras, garantia a sobrevivência de muitos, até em certos períodos críticos de seca, e que tinha uma beleza ímpar, já que o sol quase não chegava perto e vivia como que protegida pela vegetação.

Naquele local se misturavam os pássaros, com seu canto sinfônico, que nos davam uma tenra tranqüilidade, a qual motivava remorso, quando quebrada, como fez numa daquelas manhãs um menino, ao atingir fortemente um canário com uma “bala” de barro. Ao vê-lo batendo asas, sem poder voar, lutando contra a dor, foi tomado de arrependimento e tentou salvá-lo a qualquer custo. Mas era tarde.

Tinha dessas coisas a fonte, que eu posso comparar hoje à melhor alvorada que desejaria ter. Cedo, pisava suas bordas molhadas e seguia o ritual comum, jogando as latas, naquela espera paciente pelo afastar das pequenas folhas. E saía respirando o ar puro, ao seu redor, deixando-a algumas vezes solitária, como que se embalando, para dormir um sono justo.

Nas árvores frondosas costumávamos ver belas cigarras, com o canto sonoro sem igual. É muito belo o canto de uma cigarra!

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Mata Grande no meu tempo teve coisas que quem viveu não esquecerá jamais. Ouvia-se no ar “Alguém me disse”, “Quero beijar-te as mãos” e todas as outras faixas do LP de Anísio Silva; seguidas daquelas outras músicas na voz de Carlos Gonzaga – “Diana” e “Oh! Carol”, Luís Gonzaga com “Forró no escuro”, Nelson Gonçalves, com “Doidivanas”, e as previsões de “Marcianita (branca ou negra)” de que “nos anos setenta felizes seremos os dois”.

Enquanto isto, na rua passava Zé Praxedes com aquela escada grande para completar a instalação da energia de Paulo Afonso.
Foi naquele tempo que meu pai recebeu um rádio vindo de São Paulo. Nele escutávamos os jogos da Copa do Mundo e a apreensão sobre o açude de Orós, que estava para romper a qualquer momento.

As notícias chegavam como que molhadas pela chuva e debaixo daquele frio que fazia pularem os cururus no meio da rua. A mesma rua por onde vinha aquela mulher com um balaio de imbu na cabeça e a gente comprava um caldeirão inteiro para chupar.

Mais de trinta anos depois voltei à cidade. Graça - minha mulher, Clemilda, minha irmã e dois dos meus filhos – Firmino Neto e Waltinho. Cada passo era uma emoção, em cada esquina matava uma saudade, em cada rosto via os dias da infância. Inclusive no rosto de Dona Josefina, com quem nos encontramos, embora rapidamente; Dona Luizinha, Valderez e Germano.

Aquela volta a Mata Grande foi como uma espécie de desincumbência. Parecia que existia no ar uma obrigação assumida em percorrer novamente aquelas ruas, andar novamente naquela feira, tocar mais uma vez nos carros de boi, olhar a fonte, o Almeida, a Igreja.
Meu pai, José Firmino de Medeiros, guarda do DNERU, conhecido também como José Bezerra. Percorria todos os cantos do município, com a burra que eu ia buscar no Almeida. Carregava uns venenos chamados 1.080 e DDT para enfrentar as pragas e doenças.

Meu irmão, Wellington Medeiros, escreveu sobre Mata Grande: “Recordo os passeios em carros de boi, as montarias em cavalos e burros, os engenhos de cana-de-açúcar, as casas de farinha, o carro-de-cocão ou a subida da Serra da Onça. Também lembro os galões de água que carregava nos ombros, ainda escuro, entre a nossa casa e a fonte – distante cerca de 300 metros – e os pássaros que criava e cuidava, entre eles um canário, que me servia de despertador”.

Foi daqui, que Wellington foi levado por nosso pai para Natal, a fim de estudar na Escola Industrial. É ele ainda quem diz: “Também senti na pele a necessidade da disseminação do ensino nos seus diferentes níveis, evitando-se a separação dos jovens das suas famílias para poder estudar”. Esse drama ainda é enfrentado por muitos que nesta época estão percebendo na mídia a ‘prioridade’ prometida para a educação.

Há seis anos Mata Grande foi notícia na imprensa do Rio Grande do Norte, porque um senhor de 71 chegou à cidade de Upanema (a 250 km de Natal), informando chamar-se Otacílio Alves Ferreira Filho e dizendo-se natural da cidade alagoana de Mata Grande.

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O jornalista Anaximandro Eudson, que atua em Upanema, começou a enviar e-mails e procurar pistas pela Internet. Eis que encontrou o site montado por mim, dedicado a Mata Grande.
Estava construída a ponte que conseguiu localizar os parentes do seu Otacílio, contando com a participação de um internauta de Mata Grande, bancário aposentado Germano Alves, que fora nosso vizinho, e estabelecer contato entre os prefeitos de Upanema (RN), Jorge Luiz Costa de Oliveira e Fernando José de Araújo Lou, de Mata Grande (AL). Providenciam a reestadualização de seu Otacílio, que vinha sendo abrigado pelo Delegado Jota Pereira e Prefeitura fazia 15 anos que era dado como morto pelo irmão Antônio Alves Ferreira.

Por conta dessas notícias a respeito de seu Otacílio, muita gente expôs suas emoções. Na época recebi um artigo emocionado com o título de “MATA GRANDE – Um pedacinho de saudade”, escrito por Remi Bastos, filho de Seu Plácido Reis da Silva, Guarda Chefe do extinto DNERU – Departamento Nacional de Endemias Rurais, que aqui trabalhou junto com meu pai.

Como diria o poeta Fernando Pessoa, numa frase também lembrada num e-mail: “O valor das coisas não está no tempo em que elas duram, mas na intensidade com que acontecem. Por isso, existem momentos inesquecíveis, coisas inexplicáveis e pessoas incomparáveis”.

Pela internet também recebi outra grande surpresa. Um e-mail que dizia o seguinte:
“Olá!
"Walter Bezerra de Medeiros", recordo-me de um amigo quando eu tinha entre 4 e cinco anos, morávamos em Mata Grande - AL. Quando mudaram-se para Natal- RN. Seus pais, José Bezerra de Medeiros e Dona Cristina, sua irmã e minha madrinha Clemilda, lembro-me do irmão mais velho Wellington. Porventura estou falando com a mesma pessoa?
Vejo que és poeta, li todas as publicações que encontrei na internet, gostaria muito que entrasse em contato comigo, ficarei muito feliz em ter notícias de toda a família.

Abraços
Rosilda Gomes de Souza”
No meu álbum de infância e juventude guardo todos da época, entre elas uma foto de Rosilda, com seus 15 anos. Cada vez que folheava aquelas páginas sentia saudade e a vontade de rever ou pelo menos saber o destino daquela amiga de infância. Aquela mensagem me deixara extremamente emocionado. Respondi imediatamente:

“Rosilda,
Que surpresa feliz!
Sou eu mesmo. Ainda tenho uma foto sua e outra de Rosemi. Lembro e tenho saudade de Dido e Dadá. Saudade da galinha que Dona Mariinha preparava e mandava um pouco para nossa casa e vice-versa. Seu João. Da ida de vocês para São Paulo. Como estão todos?
Aqui em Natal vivemos Wellington, Clemilda e eu. Minha Mãe, Cristina, morreu em 1992. Meu pai, José, morreu em 1995.
Estou casado (Graça é minha mulher - assistente social), temos 5 filhos (Mônica, 35 anos, Bruno, 29, Breno, 26, Firmino Neto, 23 e Walter Filho, 19).

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Pelo que vi você andou lendo algumas coisas que escrevi. Deve ter visto o que escrevi sobre Mata Grande também. Está no link
http://www.rnsites.com.br/MataGrande.htm .
Tenha certeza que sempre tive muita vontade de ter notícias suas.
Um beijão.

Walter”
Aí começou uma ávida e emocionada troca de mensagens e informações.
Naqueles dias fiz um poeminha que parecia comemorar nosso contato.
Caçuá do tempo
Vivi lá pelo sertão,
No cheiro do aveloz,
Pelo espinho do cardeiro,
Vendo a boneca do milho
E a Rosinha do amor.
Nada mais belo que as pedras,
Areia, poeira seca,
O entrançado das cercas,
O colorido do mato
E os bichos fazendo som.
Na sombra do umbuzeiro
Ouvi muitos passarinhos,
Vi um luar tão branquinho
Inda menino buchudo
Levava a vida a sonhar.
Agora o sonho é saudade
Do tempo que já se foi
Dentro de um carro de boi
Trancado num caçuá
Cheio de felicidade.
Caatinga adentro encontrava
Pelas plantas do destino
A mais bela flor vermelha
E vasos com mel de abelha;
Como meu mundo cheirava!
Mas ninguém faz o que quer
Fui parar noutros lugares
E aqueles belos luares
Agora apertam meu peito
Mas reforçam minha fé.

Rosilda conta que em 18 de fevereiro de 1974, nos embalos da música do saudoso Luiz Gonzaga, deixava Mata Grande com destino a São Paulo.

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“Em um caminhão
Ele bota a família,
Chega o triste dia
Já vai viajar.
A seca terrível
Que tudo devora
Lhe bota pra fora
Da terra natal”...

Sempre ouvi, tenho, gosto - apesar de triste, da música "Triste Partida". Não imaginava que Rosilda tivesse vivenciado coisa parecida. Mas que bom, termos hoje tanta coisa para resgatar.

Prezados Matagrandenses,
Para mim foi uma das maiores satisfações da minha vida receber o Ofício nº 14/2011, assinado pelo Excelentíssimo Senhor Presidente da Câmara Municipal de Mata Grande, vereador Samyr Malta Amaral, comunicando-me a aprovação em plenário da proposta de concessão a mim do Título de Cidadão Matagrandense.
A justificativa era de que, segundo o Sr. Germano Mendonça Alves, eu teria feito “importantíssimo trabalho de divulgação do município de Mata Grande através de escritos”. Lembrava Germano, em seu documento, que vivi minha infância na Rua 5 de Julho e, embora potiguar, amo Mata Grande, que nunca esqueci.

Olhando a instrução do processo, tenho surpresas como uma declaração de apoio a esta propositura por parte do matagrandense José Freitas. E maior surpresa ainda quando tomei conhecimento da aprovação do Título, que é o mais honroso para qualquer cidadão.
Cabe agora corresponder a esta deferência tão simpática e amável do povo de Mata Grande, agindo como cidadão matagrandense e procurando jamais decepcionar nem trair tamanha confiança que em mim é depositada neste momento.

Para mim é motivo de imenso orgulho ostentar este Título e dizer para o mundo inteiro que no sertão do nordeste brasileiro um município tão singular me concedeu esta honraria. Mas isto seria apenas a minha manifestação festiva. Cabe mais do que isto. O mundo precisa saber das qualidades que Mata Grande tem.

Talvez a maior dificuldade para seu progresso fosse a distância, mas acredito que haverá criatividade para transformar o que seria uma dificuldade em diferencial. Aí cabe criar condições para receber os visitantes do turismo religioso e sertanejo, aproveitando tantos pontos belos que o município tem e que podem se transformar em atrativos.
Agradeço a Germano Mendonça Alves, a José Freitas, a todos os Vereadores e ao povo de Mata Grande.

Sintonizado com as minhas palavras iniciais, peço permissão para ler mais um poeminha de minha autoria, denominado “Despedidas”.
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Despedidas
--- Walter Medeiros
Que força têm em mim as despedidas,
Parecem a essência mesma da vida,
Consolidando o que me deu guarida,
Quantas despedidas já vividas.
Despedir-me é transitar para a saudade,
É perder um pouco aquela liberdade,
É descobrir o exercício da bondade,
É sofrer com o momento da verdade.
Nas minhas despedidas fui um dia
Obrigado a deixar a Mata Grande,
Cidade encantadora, que foi onde
Vivi dias de infância e alegria.
Depois, fui despedir-me de colegas
Que comigo tantos anos estudaram
E ao fim seus rumos então tomaram
Cada um com uma decidida entrega.
Veio um dia a despedida da caserna,
De onde guardo uma lembrança eterna,
Pois ali tive convivência tão fraterna,
Foi também uma idade muito terna.
Despedi-me depois daquela tia,
Do avô, da avó, do pai, da mãe,
Não há o que na despedida ganhe,
É sempre como um triste fim de dia.
Foram tantas despedidas pelo mundo,
Que já tive algum dia de encarar,
Que pareço calejado pra encontrar
Pela frente minhas novas despedidas.

O tempo passou novamente. Fazia tanto tempo que não via Mata Grande. E parecia que aquela vontade de voltar aumentava. Em cada mensagem que agora recebemos pela internet, em cada fato que a natureza coloca em nosso caminho. Parece que tudo leva a fazer real aquela frase de pára-choque que nosso vizinho João Leobino tinha no seu caminhão:
“A SAUDADE ME FEZ VOLTAR”.

quinta-feira, 15 de novembro de 2012

O povo e o tormento político

"Cada povo tem o governo que merece." O ditado é cínico e reducionista, mas em alguma coisa nele encontro razão. Ou seja: os políticos não vêm de outro planeta; não são, portanto, alienígenas: nem no sentido dos filmes de seres do espaço ou na acepção de pessoa de outro país. Nada disso: os políticos brotam do mesmo solo social que o restante da sociedade a quem eles, normalmente, costumeiramente, atormentam.

No Brasil, não somos o povo do jeitinho, do funcionário que aceita propina para dar andamento no processo, do sujeito que toma lugar de cadeirante no estacionamento, que suborna policial de trânsito? Somos. Então, essa cultura, esse estado de coisas, migra, é naturalizado e chega aos escaninhos do Poder, aos gabinetes, aos escritórios das grandes companhias. E daí isso salta para leis que prejudicam, agrega-se às grandes negociatas, torna-se prática abominável, mas tida como demonstração de esperteza, "sabedoria".

Tal situação somente se modificará com uma ação persistente, firme, constante, consistente. É preciso punir o grandão, o tubarão, como é preciso punir o funcionariozinho que ganha a gorjeta. Da mesma forma é preciso reagir  aos pequenos trambiques, ao desrespeito cotidiano daquele que toma vaga de velhinho em fila, tranca o outro no trânsito. 

Caso continuemos valorizando a esperteza permanecerá a ordem da perversidade. E os políticos continuarão os mesmos, porque mesmo será o povo que os elegeu e de alguma forma avaliza seus péssimos procedimentos.

domingo, 11 de novembro de 2012

Vejo na Folha e compartilho

Como a ditadura ensinou técnicas de tortura à Guarda Rural Indígena


LAURA CAPRIGLIONE
DE SÃO PAULO

Aquele 5 de fevereiro de 1970 foi um dia de festa no quartel do Batalhão-Escola Voluntários da Pátria, da Polícia Militar de Minas Gerais, em Belo Horizonte. "Pelo menos mil pessoas, maioria de civis, meninos, jovens e velhos do bairro do Prado, em desusado interesse", segundo reportagem da revista "O Cruzeiro", assistiram à formatura da primeira turma da Guarda Rural Indígena (Grin). 

Segundo a portaria que a criou, de 1969, a tropa teria a missão de "executar o policiamento ostensivo das áreas reservadas aos silvícolas". No palanque abarrotado, viam-se, sorridentes, autoridades federais e estaduais, civis e militares: o ministro do Interior, general José Costa Cavalcanti (um dos signatários do AI-5, de 13 de dezembro de 1968); o governador de Minas, Israel Pinheiro; o ex-vice-presidente da República e deputado federal José Maria Alkmin.

Guarda Rural Indígena



Reprodução
Cena do filme "Arara", de Jesco von Puttmaker, que mostra cenas da formatura da 1ª turma da Guarda Rural Indígena, em 1970 
Lá estavam também o presidente da Funai (Fundação Nacional do Índio), José Queirós Campos; o comandante da Infantaria Divisionária 4, general Gentil Marcondes Filho --que ganharia fama no comando do 1º Exército em 1981, quando militares-terroristas tentaram explodir o Riocentro; secretários de governo e o comandante da PM local, coronel José Ortiga. 

Os 84 índios, recrutados em aldeias xerente, maxacali, carajá, krahô e gaviões, marcharam embandeirados e com fardas desenhadas para a ocasião: calça e quepe verdes, camisa amarela, coturnos pretos, três-oitão no coldre. 

Feito o juramento à bandeira, quando prometeram "defender a nossa Pátria" (conforme registrou reportagem publicada pela Folha), desfilaram para mostrar o que aprenderam nos três meses de formação, sob as ordens do capitão da PM Manuel dos Santos Pinheiro, sobrinho do governador e chefe da Ajudância Minas-Bahia, o braço regional da Funai. 

JUDÔ
A primeira apresentação, de alunos de judô do tradicional Minas Tênis Clube, deu um ar benigno de confraternização infantil. Depois das crianças, foi a vez de os índios --todos adultos-- exibirem seus conhecimentos de defesa pessoal. Também "deram demonstração de captura a cavalo e condução de presos com e sem armas", conforme publicaria o "Jornal do Brasil" no dia 6, com chamada e foto na primeira página, sob o título "Os Passos da Integração". 

O que nenhum órgão de imprensa mostrou --eram tempos de censura-- foi o "gran finale". Os soldados da Guarda Indígena marcharam diante das autoridades --e de uma multidão que incluía crianças-- carregando um homem pendurado em um pau de arara. 

Gravadas há 42 anos, as cenas vêm a público pelas mãos do pesquisador Marcelo Zelic, 49, vice-presidente do Grupo Tortura Nunca Mais/SP e membro da Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo. Zelic coordena uma pesquisa colaborativa feita pela internet intitulada "Povos Indígenas e Ditadura Militar: Subsídios à Comissão Nacional da Verdade".

ARARA
Pesquisando no Museu do Índio, no Rio de Janeiro, Zelic topou com o DVD "Arara", fruto da digitalização de 20 rolos de filme 16 mm, sem áudio.
A etiqueta levava a crer que se tratava de material sobre a etnia arara --índios conhecidos nas cercanias de Altamira (PA) desde 1850. Mas, em vez do "povo das araras vermelhas", como se denominam até hoje seus 361 remanescentes (dados de 2012), era outra "arara" que nomeava a caixa. 

Tratava-se de pau de arara, a autêntica contribuição brasileira ao arsenal mundial de técnicas de tortura, usado desde os tempos da colônia para punir "negros fujões", como se dizia. Por lembrar as longas varas usadas para levar aves aos mercados, atadas pelos pés, o suplício ganhou esse nome. 

No clássico "Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil" (1835), que retrata a escravidão no país, o pintor francês Jean-Baptiste Debret (1768-1848), membro da Missão Francesa de artistas e cientistas que dom João 6º patrocinou para estudar e retratar o país, mostra um negro sendo castigado no pau de arara. 

Na ditadura militar (1964-85), porém, o pau de arara só aparecia sob a forma de denúncia, estampando jornais alternativos, em filmes e documentários realizados por militantes oposicionistas. 

Entranhada nos porões, a tortura jamais recebera tratamento tão alegre e solto quanto naqueles 26 minutos e 55 segundos, que exibem o pau de arara orgulhosamente à luz do dia, em ato oficial, sob os aplausos das autoridades e de uma multidão de basbaques.
Fotógrafos e cinegrafistas cobriram o evento, mas a cena, que assusta pela impudência, ficou de fora dos jornais e das revistas. Sobrou, ao que se saiba, apenas camuflada sob o título inocente. 


O filme é parte do acervo sobre 60 povos indígenas, coletado durante quatro décadas pelo documentarista Jesco von Puttkamer (1919-94) e doado em 1977 ao IGPA (Instituto Goiano de Pré-História e Antropologia), da Pontifícia Universidade Católica de Goiás.

Descendente da nobreza alemã, mas nascido no Brasil, Von Puttkamer sabia o que era a repressão. Foi preso pela Gestapo quando concluía os estudos em química na Universidade de Breslau (Alemanha), por se recusar a se alistar no Exército durante a Segunda Guerra (1939-45). Safou-se ao provar que era cidadão brasileiro nato. 


Trabalhou como fotógrafo no Tribunal de Nuremberg (1945-46), que julgou hierarcas nazistas por crimes de guerra. Já de volta, foi um dos fotógrafos oficiais da construção de Brasília (1956-60). Nos anos 1960, integrou pela primeira vez uma expedição em busca de tribos isoladas no Brasil central. Nunca mais largou os índios. 

Deixou 43 mil slides, 2.800 páginas de diários de campo e filmes na bitola 16 mm que, desenrolados, chegariam a 330 km. São registros delicados e muitas vezes emocionantes da aproximação dos índios e de seu encontro com as frentes de exploração --e também das epidemias e mortandades por gripe, varíola e sarampo. 

Em um documentário sobre Von Puttkamer, o sertanista Apoena Meirelles afirma: "Jesco nunca se promoveu, nunca enriqueceu, permaneceu no anonimato, mas seu trabalho possibilitou que se denunciasse e se documentasse muita coisa errada da política indigenista". É o caso das aulas de pau de arara. 

GRIN
A formatura foi o ponto alto de uma longa preparação. Em 23 de novembro de 1969, reportagem no "Jornal do Brasil" mostrou os índios da Grin em sala de aula e contou o que aprendiam: princípios de ordem unida, marcha e desfile, instruções gerais, continência e apresentação, educação moral e cívica, educação física, equitação, lutas de defesa e ataque, patrulhamento, abordagem, condução e guarda de presos. 

Em 12 de dezembro de 1969, nota no Informe JB, coluna política do "Jornal do Brasil", fazia troça de tipo racista dos "selvagens": "O presidente da Funai, Queirós Campos, dizia que a Guarda Indígena vai de vento em popa. Só há um problema, o do uniforme. Começa que não há jeito de fazer com que os futuros guardas usem botina ou qualquer tipo de sapato, [...] machuca-lhes os pés. O quepe já perdeu toda a tradicional seriedade porque é logo enfeitado com uma pena atravessada. Finalmente, a fivela e os botões não param no lugar certo pois, como tudo o que brilha, são invariavelmente colocados na testa e nas orelhas." 

Na formatura, porém, botas, fivelas e botões tiniam, tudo no lugar e sem penachos ""o filme mostra o capitão Pinheiro se desdobrando para ajeitar os cintos dos soldados. A ressalva foram os cabelos: não houve quem convencesse os krahô a aparar as melenas que lhes desciam até os ombros. E assim eles desfilaram. 

O ministro Cavalcanti discursou em nome do presidente Emílio Garrastazu Médici: "Nada até hoje me orgulhou tanto quanto apadrinhar a formatura [...] da Guarda Indígena, pois estou certo de que os ensinamentos recebidos por eles, neste período de treinamento intensivo, servirão de exemplo para todos os países do mundo". 

No dia seguinte, "os índios líderes, hígidos, sadios, fortes e inteligentes", segundo Cavalcanti, embarcaram rumo a suas respectivas aldeias. Decolaram fardados, armados e com soldo mensal de 250 cruzeiros novos (pouco mais de R$ 1.000, em valor atualizado). 

ANTROPOLOGIA
"Nunca vi cena como essa. Já vi muitos filmes antigos, de 1920, 1930, 40, 50, 60. Mas cena como essa do pau de arara nunca apareceu", disse Sylvia Caiuby Novaes, professora da USP, onde coordena o Lisa ""Laboratório de Imagem e Som em Antropologia. Ela assistiu ao filme "Arara" a convite da Folha. 

"Isso, por um lado, é expressão do fato de os índios, naquele momento, muito antes dos celulares com câmeras, serem filmados o tempo todo. Desde os índios de 'cartão-postal' do Xingu, na época dos Villas Bôas, passando pelos 'índios gigantes', Silvio Santos filmando na Amazônia, os índios eram objeto no nosso olhar curioso", diz ela. "Eles eram aquilo que nós não éramos mais. O retrato da nossa alteridade. Moravam na 'Mata Virgem', eram [vistos como] puros, próximos da natureza." 

Segundo a antropóloga, a cena do pau de arara demonstra a existência de uma "face muito sombria do contato entre o Estado brasileiro e os grupos indígenas". A face iluminada foram os esforços de "pacificação", encetada por iniciativa governamental e levada a cabo por homens corajosos e tantas vezes voluntaristas, como os irmãos Orlando e Cláudio Villas Bôas. 

Primeiro como empregados e depois como líderes da Expedição Roncador-Xingu, os irmãos foram a ponta de lança do plano de ocupação do território brasileiro, a Marcha para o Oeste, anunciada à meia-noite de 31 de dezembro de 1937, em discurso radiofônico proferido por Getúlio Vargas, diretamente do Palácio Guanabara. 

"O verdadeiro sentido de brasilidade é a Marcha para o Oeste", bradou Vargas. "No século 18, de lá jorrou o caudal de ouro que transbordou na Europa e fez da América o continente das cobiças e tentativas aventurosas. E lá teremos de ir buscar: dos vales férteis e vastos, o produto das culturas variadas e fartas; das entranhas da terra, o metal, com que forjar os instrumentos da nossa defesa e do nosso progresso industrial." 

Os irmãos Villas Bôas embrenharam-se no Brasil central com a missão assinalada pelo presidente: "Encurtar distâncias, abrir caminhos e estender fronteiras econômicas". Construíram, por exemplo, 19 pistas de pouso ao longo de 1.500 km de picadas que abriram. Isso encurtou as viagens do Rio para os EUA, que, por falta de apoio em terra, eram bem mais longas, pois tinham de margear o litoral. 

Os irmãos localizaram 14 povos indígenas desconhecidos. A maioria acabaria transferida para o Parque Nacional do Xingu, idealizado pelos irmãos Villas Bôas com o apoio do marechal Cândido Rondon (1865-1958), do antropólogo Darcy Ribeiro (1922-97) e do sanitarista Noel Nutels (1913-73). O presidente Jânio Quadros, em 1961, assinou o decreto de criação do parque, garantindo uma área de 27.000 km2, quase uma Bélgica. 

Já sob a ditadura, virou show midiático o trabalho de atração, contato e remoção dos índios encontrados no caminho das estradas em construção. Em abril de 1973, "O Cruzeiro" estampou na capa o título "Sensacional!", seguido pela chamada: "Orlando Villas Bôas fotografou com exclusividade os ÍNDIOS GIGANTES". 

A foto mostrava os panará, então isolados e chamados de kreen-akarore. Além de ter suas terras invadidas por garimpeiros, estavam no meio do traçado da BR-163 ""que liga Cuiabá (MT) a Santarém (PA). Depois se viu que não se tratava de gigantes coisa nenhuma.
A população (ou o que restou dela) foi removida em 1975 para o Xingu, a 250 km da terra panará. "Fizemos isso porque eles estavam morrendo por causa do contato com os brancos", disse Orlando. Doenças e massacres já haviam eliminado dois terços dos panará.

REFORMATÓRIO

A Comissão Nacional de Verdade, cujos trabalhos incluem os crimes do Estado contra os índios, tem mostrado que, além de "atrair", "pacificar" e "remover", a política indigenista do regime de 64 também conjugou os verbos "reprimir", "punir" e "torturar". Obstinado em desenvolver um sistema de controle dos índios, o criador da Grin, capitão Pinheiro, ergueu em 1969 um reformatório-presídio para índios. 

O Reformatório Krenak (assim chamado por ficar em terras dos krenak), em Resplendor (MG), perto da divisa com o Espírito Santo, funcionava como colônia penal e de trabalhos forçados, para "reeducar os desajustados e confinar os revoltosos que se recusavam a sair de suas terras tradicionais", explica Benedito Prezia, antropólogo e assessor do Cimi (Conselho Indigenista Missionário), entidade ligada à Igreja Católica e responsável pelas mais contundentes denúncias de desrespeito aos direitos humanos dos índios brasileiros durante o regime militar. "Aquilo era um verdadeiro campo de concentração étnico", diz o pesquisador. 

Nos registros oficiais consta a chegada de 94 índios ao Krenak entre 1969 e 1972, quando foram transferidos para a Fazenda Guarani, pertencente à PM de Minas Gerais, no município de Carmésia. Os motivos alegados para as prisões eram "atrito com chefe do posto indígena", "vadiagem", "uso de drogas", "embriaguez", "prostituição", "roubo", "saída da aldeia sem autorização", "relações sexuais indevidas", "pederastia", "homicídio", "agressão à mulher", "problemas mentais". Mas são registros incompletos, que não permitem que se entenda o que se passava no local. 

Para José Gabriel Silveira Corrêa, 39, professor de antropologia da Universidade Federal de Campina Grande (PB), a ditadura foi "um momento de recrudescimento das práticas de violência que eram comuns nos postos indígenas". 

"Ao formar a Grin e o Presídio e Reformatório Agrícola Krenak", diz Corrêa, "Pinheiro tornou sistemáticas essas práticas e ainda deu a elas uma aparência de legalidade, já que ele era o representante oficial do órgão de tutela estatal." 

Ele diz ter escutado diversos "relatos de aprisionamentos, trabalhos forçados, regime de prisão solitária, surras e desaparecimentos de presos". Era uma prática de violência recorrente, "mas o pior de tudo é que o capitão fez com que fosse praticada pelos próprios índios, submetidos que estavam a um regime policial". 

Benedito Prezia aponta o "caráter perverso" de transformar índios em "agentes colaboradores no massacre de seu próprio povo". Mas nem nisso a ditadura foi original, ele salienta. "Relatos de jesuítas no século 17 já mencionam o uso de indígenas para capturar negros da Guiné que haviam fugido do jugo da escravidão", diz. 

Em tempos de "Brasil Grande", de integração nacional ("integrar para não entregar", dizia a propaganda oficial) e da construção de estradas como a Transamazônica rasgando a floresta, os índios estiveram no centro do maior projeto estratégico do regime militar. 

Apesar disso, curiosamente "a narrativa sobre os crimes da ditadura em relação aos direitos humanos quase nunca inclui a questão indígena", observa Marcelo Zelic. Ele arrisca uma hipótese: "No fundo, isso mostra como, mesmo nos círculos democráticos mais combativos, as populações indígenas ainda não são vistas como portadoras de direitos." 

BALANÇO
Três anos depois da pomposa formatura da primeira turma da Grin, o jornalista José Queirós Campos, presidente da Funai, já tinha sido apeado do cargo e substituído pelo general Oscar Jerônimo Bandeira de Mello. Fazia-se o balanço das ações. 

"Tudo deu errado", cravou o jornal "O Estado de S. Paulo" em outubro de 1973, em reportagem escondida na parte inferior da página 52, perto dos classificados. 

Sobravam denúncias de espancamentos, arbitrariedades, insubordinação e até estupros cometidos pelos guardas que retornaram às aldeias. Na ilha do Bananal, um caboclo foi pego com quatro garrafas de cachaça (o que era proibidíssimo pela Funai). Apurou-se que foi obrigado "a praticar orgias com guardas carajás". 

Os jornais relataram a tortura cometida por guardas indígenas contra um pescador, também flagrado com cachaça para uso pessoal. Preso, foi obrigado a ir caminhando até a delegacia, a cinco quilômetros de distância, sob golpes de borduna. 

Outro agente da Grin usou o soldo que recebia para montar um bordel na aldeia. A situação chegou a tal ponto, ainda segundo "O Estado de S. Paulo", que o cacique carajá Arutanã, da ilha do Bananal, pediu à Força Aérea Brasileira (FAB) que extinguisse a Grin. 

Em 1972, sem glórias, Pinheiro já havia sido destituído da Funai. Não se formaram novas turmas. No final da década a Guarda Rural Indígena começou a ser desmobilizada. Segundo Corrêa, isso não bastaria para extinguir suas práticas de violência. "Há relatos sobre índios que, atualmente, quando precisam punir alguém, levam-no às proximidades da casa do 'capitão' indígena, amarram-no em árvores e surram-no, revivendo antigas práticas ensinadas pelo órgão tutelar". 

"O reformatório e a Guarda Indígena são apenas exemplos do muito que há a investigar pela Comissão Nacional da Verdade", diz Zelic. "Outros casos já estão em levantamento, como o dos guarani-caiová, que sofreram algo que beira o genocídio nas remoções feitas durante a ditadura." 

E conclui: "Só assim, com a verdade, a sociedade não índia entenderá a necessidade de respeitarmos as terras e os direitos dos povos indígenas".



Trouxe a muriçoca?
 Era uma vez Brasileiro. Quando foi um dia Brasileiro, sem saber como, estava numa fila enorme. Perguntava a um e a outro por que estava ali. E a resposta que obtinha era essa: "Não sei. Eu  estou nessa fila e também não sei porquê." 

Nisso chegou um funcionário que trazia no peito um crachá, que informava qual o órgão público onde ele trabalhava: Instituto das Instituições Instituídas para Instituir novas Instituições e Cobrança de Taxas e Emolumentos, Tributos, Contribuições de Melhoria, Propinas e Etc...".

Brasileiro dirigiu-se a ele: "Senhor, posso saber o que faço nesta fila?"
O funcionário respondeu: "Não sei. O senhor vai ter que pegar uma ficha para se informar. Vá até aquele guichê, para receber a sua ficha."
Brasileiro: "Obrigado."

Foi ao guichê, esperou em outra fila e afinal foi atendido.
"Ficha?", disse o funcionário.
"Ficha", respondeu Brasileiro.
Então, o funcionário perguntou: "Trouxe muriçoca?"
Brasileiro quase cai para trás e quis saber: "Muriçoca? Pra que muriçoca?"

A resposta: "Aqui só tira ficha quem traz uma muriçoca. Se não trouxe, vá para aquela fila. Lá, eles dão fichas que dão direito a uma muriçoca. Você vai ao Criatório Nacional de Muriçocas, apresenta a ficha, eles lhe dão a muriçoca, você volta aqui, pega nova ficha para eu atendê-lo novamente, eu lhe dou uma ficha e depois você vai para outra fila. Será atendido por outro funcionário e ele vai informar porque você está na fila."
Brasileiro dirigiu-se à fila para pegar a ficha de atendimento no Criatório Nacional de Muriçocas. Depois de muito esperar, recebeu a ficha de número 900.000.000.000.890.000.789.982.000.000.000.777.663.000.444. 000.767.980.765.000.000.123.456.789.3334-687.987.987.095.876.456.4329.899.999.
678.543.765.900.888.076.776 e tal, pá-pá-pá.

Quando Brasileiro viu a ficha sentiu que estava numa enrascada. Não tinha a menor idéia do motivo por que estava ali, ninguém sabia informar nada e ele ainda tinha que pegar fichas e mais fichas. Resolveu sair e ir para casa. Quando um guarda notou que ele estava saindo, disse: "Vai sair?" 

Brasileiro respondeu: "Vou, não aguento mais ficar aqui e vou embora."
O guarda foi curto e grosso: "Pode não. Depois de entrar aqui, só sai depois de atendido. Volte já para a fila, para pegar a ficha da muriçoca."

Brasileiro argumentou: "Mas, quando eu vou ser atendido? Já viu o número da minha ficha?" E mostrou o papel com o absurdo número ao guarda.

O sujeito fez uma cara de espanto; "Óóóóóóóóó." Então, chamou Brasileiro a um canto e disse: "Negócio seguinte. Eu posso dar um jeitinho..."
"Pode?", perguntou Brasileiro quase feliz.
"Posso", garantiu o outro. "Mas precisa rolar uma merreca. Sacomé, né?"
"Seicomé", disse Brasileiro. "E quanté?" 

Era pouco garantiu o guarda. Por um salário mínimo ele daria a Brasileiro uma muriçoca e ele poderia afinal saber porque estava ali, depois de cumpridas as demais formalidades, claro. O guarda facilitou: aceitava cheque. Brasileiro nem pensou duas vezes: passou um cheque sem fundos ao guarda. Poucos minutos depois estava com uma linda muriçoca num belo e transparente frasco. O guarda era contrabandista de muriçocas.

Em seguida Brasileiro encaminhou-se ao funcionário encarregado de receber as muriçocas. Chegando lá, o homem disse: "Adianta não. Tá faltando um carimbo que eles dão na asa direita da muriçoca, atestando a procedência. Além disso, tá faltando duas meias, um pedaço de pneu de caminhão e três palitos de fósforo, para fazer juntada ao processo."

Brasileiro deu um grito de desespero e quis fugir para outro país. Quando já ia pulando a cerca que dava para outro país, o mesmo guarda da muriçoca pulou em cima dele e disse. "Teje preso. Pra fugir, também tem que pegar ficha... Somente saiu daqui depois que os home deram ficha a ele..."

Brasileiro então, implorou: "Posso ao menos me suicidar?"
O guarda: "Tá difícil. O país é pobre e só tem um revólver público para suicídios. E mesmo assim tá faltando bala. Pegue aquela fila ali e..."

Brasileiro nem esperou: caiu seco ali mesmo, mas não foi enterrado porque não tinha tirado ficha para morte... A família entrou com um processo pedindo direito a enterro mas os juízes estão em greve...

---Falando nisso... você tirou ficha para ler este texto?