sexta-feira, 14 de maio de 2010

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A mulher que queria me vender um túmulo
Emanoel Barreto

Caminhando hoje pelo Centro ouvi, a meu lado, uma voz de mulher: "O senhor já tem seu túmulo?". A pergunta, inesperada e louca, me fez gelar. Já vivi muitas situações, digamos, estranhas nesses mais de 30 anos de jornalismo - como o caso de um sujeito que quase era linchado na redação da Tribuna do Norte após ser perseguido por multidão enfurecida. Ele havia surrado o pai e tinha corrido das Rocas até o jornal, em busca de abrigo. Depois conto em detalhes.

Mas essa de alguém querer me vender um lugarzinho em cemitério... Mal refeito do susto, a corretora da morte não me deu trégua. Entregou-me um folder e mostrou-me a conveniência de uma atitude "precavida e sábia", dizia ela.

Muito séria, compenetrada em sua soturna missão, continuou dissertando sobre o assunto com tanta e tamanha autoridade que quase pensei em aderir a um de seus planos de financiamento. Dizia que o terreno "era bom e muito bem situado".

Retomando o fôlego e o bom senso disse-lhe que não, que ainda não estava pensando em assunto de tão grande e profunda relevância e, a muito custo, consegui dela me desvencilhar. Apressei o passo, olhei firme para a frente, mas ainda ouvi, enquanto me afastava: "Olhe, se comprar seu túmulo, nós lhe daremos de graça um caixão."

quinta-feira, 13 de maio de 2010

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O resto é pleonasmo
Emanoel Barreto

Em texto de Kenneth Maxwell, sob o título "Resgate", diz a Folha a respeito da crise na Grécia:


OS "MERCADOS" se recuperaram depois do anúncio do imenso pacote europeu de assistência aos membros do sul do continente que vêm encontrando dificuldades.


A despeito das medidas de austeridade anunciadas pelo governo grego, dos tumultos nas ruas de Atenas e da morte de três funcionários em um banco atacado com coquetéis molotov, os membros da UE que usam o euro não haviam conseguido entrar em acordo quanto a medidas para conter a crise financeira. Os alemães, especialmente, se opunham a qualquer "resgate".


O problema básico era a crescente incapacidade da Grécia para manter o serviço de sua imensa dívida pública pagando juros de mercado. Os europeus e o FMI, sob intensa pressão, aprovaram um resgate que oferecerá US$ 140 bilhões à Grécia em prazo de três anos.


Com apoio relutante da Alemanha, os ministros das Finanças da UE, agindo com o apoio do FMI e do banco central dos Estados Unidos, aprovaram também o equivalente a quase US$ 1 trilhão em garantias de empréstimos, o que inclui um compromisso de aquisição de títulos de dívida nacionais pelo Banco Central Europeu a fim de impedir que o "contágio" se expanda e de ajudar a sustentar a situação financeira da Grécia, bem como a de Portugal e Espanha.


Vai funcionar? A Grécia assumiu o compromisso de reduzir as bonificações de Páscoa, verão e Natal de seus funcionários públicos e aposentados, vai elevar os impostos sobre combustível, tabaco e álcool, elevar a idade mínima de aposentadoria para 65 anos e impor o uso de medicamentos genéricos no sistema estatal de saúde.


Mas o "Washington Post" relata que uma avaliação interna do FMI é pessimista. O estudo aponta que o choque social ainda não se fez sentir no país em toda a sua profundidade.


Até mesmo ligeiras variações de comportamento no crescimento, inflação, medidas de austeridade e elevação de impostos farão com que a carga da dívida grega aumente, a despeito dos esforços internacionais para reduzi-la. O FMI projeta anos de queda nos salários e padrões de vida e desemprego ampliado. O quadro não é bonito.


Já diante da crescente indignação quanto ao acordo, a chanceler alemã, Angela Merkel, sofreu sério revés em eleições regionais importantes e foi forçada a abandonar seus planos de cortar impostos.


Josef Schlarmann, líder regional da União Democrata Cristã, partido de centro-direita de Merkel, acusou a chanceler de "fazer pouco para resistir ao resgate à Grécia".


Seria desnecessário dizer que os bancos continuam a ser pagos.
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O autor, que nem de longe poderia ser "acusado" de "ser de esquerda", portanto um perigoso ser que pensa de forma de forma "divergente", acentua em observação irônica no final do texto que os bancos continuarão a ser pagos.

Mais claramente eu digo que os bancos, leia-se as elites do dinheiro, do capital improdutivo, rapinante, os parasitas do trabalho dos outros, serão mantidos em seus panteões de exploradores, ricos e gozando do ócio e do negócio.

Continuarão a fomentar crises, levar pessoas ao desespero, à fome, à depressão, ao suicídio. E também continuarão impunes e premiados pelos governos, que em hipótese alguma se voltam contra as elites. E por um simples motivo: o Estado é povoado por esses tipos, o Estado coloca-se a serviço do privado.

Quanto ao povo, esse ser coletivo que às vezes vai às ruas protestar quando as coisas estão acima do insuportável, continuará a sofrer os efeitos históricos de atos que não praticou. E a apanhar, apanhar muito da polícia - que também é povo mas disso parece não se dar conta.

Então, o povo se cala e vai sucumbir a algum soluço trôpego, escondido no fundo de sua alma desesperançada. Depois, bom, depois é o povo e o resto é pleonasmo...



quarta-feira, 12 de maio de 2010

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 Cuidado com os alienígenas
Emanoel Barreto

Deu na Folha, em texto de Ranier Bragon:

As associações que representam os maiores jornais e canais de TV do país anunciaram ontem ter ingressado na Procuradoria-Geral da República com representação em que pedem investigação e adoção de medidas contra o possível controle, por empresas estrangeiras, de órgãos de comunicação no país.

A ANJ (Associação Nacional de Jornais) e a Abert (Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão) pedem que o Ministério Público adote providências para que o governo faça cumprir a determinação constitucional que limita a 30% a participação de capital estrangeiro em empresas de comunicação e reserva a brasileiros natos (ou naturalizados há mais de dez anos) a responsabilidade administrativa e editorial.


O presidente da Abert, Daniel Slaviero, afirmou haver dezenas de casos de violação da regra constitucional. "Há dezenas de casos, mas os mais notórios são o portal Terra e o portal iG, que têm conteúdo jornalístico operando na internet", afirmou Slaviero.

"Entramos com a representação com base em duas premissas: que a internet não é uma terra sem lei e que algum órgão público tem que fazer valer uma regra constitucional que está sendo flagrantemente desrespeitada", disse Slaviero, em entrevista antes de seminário no Congresso que discutiu direito autoral na internet.

Material distribuído pela Abert durante o evento aponta também outros órgãos de imprensa, como o jornal "Brasil Econômico", lançado no país pelo grupo português Ongoing.

"Acreditamos que o Ministério Público irá adotar a iniciativa de defender a execução do artigo 222 da Constituição, flagrantemente desrespeitado", afirmou Ricardo Pedreira, diretor-executivo da ANJ.
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É correta e urgente a ação dos órgãos de comunicação. O manejo de conteúdo em qualquer veículo, especialmente no que diz respeito à ênfase, ou seja à contínua veiculação de um determinado tipo de mensagem, é algo que pode ser preocupante, em função exatamente dos enquadramentos trabalhados em caráter contínuo.

Uma determinada forma de representação de mundo, mais claramente, um certo tipo de noticiário que favorece assuntos ou temas, pode terminar não apenas determinando sobre o que pensar, mas, especialmente, como pensar.

Isso em função de que o auditório desprovido de um determinado tipo de informação em proveito de outro pode ser encaminhado a supor que o certo, a verdade é aquilo que está em processo de veiculação continuada e ressaltada.

A, digamos, invasão de grupos multinacionais, seja em território jornalístico ou em aspectos diversionais, termina por formular uma determinada imagem que interessa aos que detêm esse poder de elaborar e  veicular símbolos.

Em suma, trata-se de questão também política, também de poder. Já basta o domínio, por exemplo, que os EUA têm no segmento de filmes em cinema e TV. Tal situação favorece a predominância de mensagens que privilegiam interesses alienígenas, obscurecendo a paisagem e os temas nacionais.

Trata-se de atitude que vem a tempo. De uma mobilização que precisa e deve continuar.

segunda-feira, 10 de maio de 2010

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É interessante, não é?
Emanoel Barreto

Deu no UOL: Bolsa dos EUA tem maior alta diária em mais de um ano



Da Redação, em São Paulo


As Bolsas de Valores tiveram altas no mundo todo nesta segunda-feira, após o anúncio do pacote de € 750 bilhões para a zona do euro. Os índices acionários dos Estados Unidos registraram o maior ganho diário em mais de um ano. Na Europa, o principal índice de ações europeias teve a maior alta em 17 meses. A Bovespa encerrou com a maior elevação desde outubro. As Bolsas asiáticas também fecharam com ganhos expressivos.

O Dow Jones, referência da Bolsa de Nova York, avançou 3,9%, para 10.785 pontos. O termômetro de tecnologia Nasdaq disparou 4,81%, para 2.374 pontos. O Standard & Poor's 500 teve alta de 4,4%, a 1.159 pontos. Os três principais índices registraram a apreciação mais forte desde 23 de março de 2009, quando os Estados Unidos divulgaram detalhes de um plano para compra de ativos tóxicos de bancos, após uma expressiva queda das bolsas algumas semanas antes, que levou as ações à mínima em 12 anos.
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Interessante, a economia parasitária faz a crise, toma dinheiro da sociedade, leva essa mesma sociedade ao caos e depois sai comemorando. É interessante, não é?



domingo, 9 de maio de 2010

Quando o jornalismo é bem feito
Emanoel Barreto

A reportagem da capa da Revista IstoÉ apresenta a candidata Dilma Rousseff como destaque. Faz tempo não via, ou lia, um jornalismo tão bem feito. Indagações pertinentes cujas respostas dão um retrato de corpo inteiro do ator político Dilma Rousseff. Ou quase: digo isso porque sei que ela, como candidata, dá respostas sob medida, a fim de assegurar a construção do seu capital político.

 Explico: Dilma luta para retirar de si a imagem de gerentona dura, mulher inflexível, imperiosa, arrogante. Pode até nem ser isso, mas sua imagem midiática confere com esse padrão. Por isso, a mudança de hábito no declartório à revista. Leia a matéria e você compreenderá porque. Não quer dizer, contudo, que inexista sinceridade nesse declaratório.

Na IstoÉ, a representação da entrevistada - em foto e texto -, é bem diferente da imagem de Serra em recente capa da Veja. Que também apresentou Dilma, em edição bem anterior, com a figuração de personagem de matéria policial - foto em preto e branco, aspecto soturno.

Com Serra, a capa foi trabalhada para que ele parecesse empático, politicamente atraente, ideologicamente belo. Foi um erro crasso: a face do ex-governador de São Paulo não se presta a reformulação. Não se trata de um efebo e pronto. Nem assumiu a feição de condottiero, se fora essa a intenção. Resultado: trabalho perdido.

Na IstoÉ, ao contrário, respeitou-se a imagem da pessoa entrevistada e dela se obtiveram respostas jornalisticamente aceitáveis. Ou seja: um tipo de assertividade em que o ator declarante repassa ao interlocutor com clareza aquilo que supostamente reflete aquilo que pensa. A objetividade jornalística obteve seu grau relativo de representação linguístico-iconográfica, permanecendo adstrita ao real do qual teve origem. Isso é bom jornalismo.