quinta-feira, 6 de julho de 2006

Caros Amigos...

"Ninguém jamais se perde
no caminho de volta."
Sabedoria popular
A partir de hoje e por mais umas três semanas estarei ausente. São umas férias que de há muito estou esperando. Conseqüentemente, não poderei fazer atualizações diárias do blog. Mas, de onde estiver, sempre que possível, farei novas postagens.
Um grande abraço,
Emanoel Barreto

quarta-feira, 5 de julho de 2006

Pay per post

O princípio da liberdade é inseparável do
princípio da responsabilidade.
Leoni Kaseff

O sucesso dos blogs tem sido tamanho, que já há anunciantes pagando para que posts sejam veiculados como se fossem material redacional de iniciativa de quem redige o blog. É uma prática antiga, que atinge e ainda existe em muitos jornais impressos, no Brasil, agora em migração para o jornalismo na net. É pay per post.

Esse tipo de anúncio, veiculado em forma de comentário, dá inegavelmente credibilidade ao produto, uma vez que o blog, até prova em contrário, representa fielmente aquilo que o autor pensa. É que, aqui, temos literalmente liberdade absoluta para publicar tudo.

O marketing, ágil enquanto ferramenta de planejamento, logo descobriu esse nicho e está aproveitando a oportunidade, que em essência burla a boa-fé do leitor.

O blog é hoje um dado jornalístico indiscutível. Opinativo por excelência, aqueles que, no blog, se dedicam ao jornalismo, aio invés de aqui ter uma espécie de diário virtual, ganharam força e expressão em todo o mundo. É lamentável que os trinta dinheiros das grandes corporações já estejam de olho naquilo que deveria ser uma forma de comunicação credível e respeitável.

terça-feira, 4 de julho de 2006

Essas coisas de jornal. Ou, de como as mãos podem agir como se vivas fossem


"O oposto do amor não é
o ódio e sim a indiferença."
Érico Veríssimo

Normalmente, quando vou atualizar o blog, já venho com uma idéia básica, uma proposta de texto encaminhada. Mas agora, não. Não tinha uma idéia pronta, algo esquematizado, faltando somente soltar as mãos sobre o teclado e ver o texto começar a nascer, como uma planta que brota, uma coisa viva, saída, surgente.

Em busca de assunto, passei a ver na net jornais e revistas, textos a esmo, buscando algo para escrever sobre. Ou seja: eu estava buscando coisas de jornal, essas coisas chamadas notícias, esses fragmentos de mundo que aportam às páginas, virtuais ou não, e nos chegam aos olhos, ao conhecimento, à perplexidade, ao medo, à alegria, à expectativa, à indignação, às vezes à comoção e à esperança.

Vi as mesmas e previsíveis informações sobre os jogos finais da Copa, quem poderá ser o novo técnico da Seleção, bombas no Iraque, agentes da lei sendo mortos em emboscadas por marginais, enfim, essas coisas que lemos todos os dias e vemos todos os dias: corrupção, etc...etc...etc...

Então, resolvi ir fazendo estas anotações que você lê, como se minhas mãos fossem dois bichos amestrados, ensinados; mais que isso, mãos que tivessem vida independente e, como seu dono sente-se meio sem assunto, elas tomam o comando e vão redigindo, redigindo, redigindo, escrevendo, jogando palavras no vídeo mágico do computador. Tudo para fechar o nosso contrato de leitura, ou seja: diariamente ou não, você chega ao Coisas de Jornal esperando encontrar um texto novo. E sempre tem algo novo para ler. Então, ficamos combinados assim, sem nunca termos firmado acerto algum.

E agora minhas mãos estão se encarregando disso, de cumprir nosso contrato. Não deu para ressaltar nenhum retalho da vida para um comentário, uma nota, um registro maior que poucas palavras. Mas deu para percorrermos este caminho de letras, sabendo que, fora do computador, o cotidiano pode ser um imenso repertório de repetições, mas todas elas têm uma carga e um peso que muitas vezes, é preciso admitir, nos dão medo.

A repetição dos acontecimentos torna-os banais, aparentemente. Mas quem foi personagem da tragédia, protagonista ou auditório da cena, certamente está de olhos bem abertos. E dá seus passos de sombra em meio a caminhos onde as candeias já foram, de há muito, apagadas.

Sopra o vento. E ele é frio.
As minhas mãos terminaram o texto. Espero ter cumprido o contrato de leitura.

Sobre a entrevista de Marcola

"A força gerada pela não-violência
é infinitamente maior do que a
força de todas as armas inventadas
pela engenhosidade do homem."
Mahatma Gandhi

A respeito da suposta entrevista com Marcola, que está publicada logo abaixo desta nota, a professora e jornalista Sheila Accioly pesquisou e constatou que na verdade trata-se de um trabalho ficcional. A pesquisa foi feita no site Observatório da Imprensa e ela me enviou o endereço: http://observatorio.ultimosegundo.ig.com.br/artigos.asp?cod=387FDS002 .

Abaixo a íntegra da matéria que esclarece como surgiu a tal entrevista. Mas vale bem a pena uma reflexão a respeito da questão da violência e do crime organizado no Brasil. Efetivamente, o Estado não tem apresentado a eficácia que seria desejável, no enfrentamento de uma situação desse tipo. Seja nas origens sociais do crime (atendendo às populações carentes nas favelas), seja na contenção do próprio crime. Leia o texto:

Onde começa e onde termina o virtual

Por Anna Veronica Mautner em 27/6/2006
Um belo dia, há duas semanas se muito, começou a aparecer entre meus e-mails, vindo de conhecidos e também de conhecidos de conhecidos, um texto de três páginas que continha – segundo o título – uma entrevista realizada por um repórter da Globo, anônimo, com o prisioneiro Marcola.

Confesso que fui tomada por um mecanismo que na psicanálise é chamado "mecanismo de negação". Isto é, apaguei o fato de ter estranhado que uma entrevista tão importante não tivesse o nome do jornalista que a tivesse realizado. Preferi não acreditar nesta minha observação que mais tarde, como veremos, teria tudo a ver.

Li e reli a entrevista. Amei. Entre surpreendida e estonteada, andei dias com o papel na mão. Como eu sou analfabeta em máquinas e não sei usar o "encaminhar", só sei usar o "responder" e o "imprimir" – a corrente parou na minha mão. Outros, mais hábeis que eu, continuaram espalhando a entrevista pelo mundo afora. Conversei até não mais poder a respeito do significado de tão maravilhosa entrevista, de tantas respostas pertinentes e argutas.

Quando já parecia estar passando o efeito, eis que me chega na forma de comunicado: a entrevista chegando às mãos de determinado jornalista, parou. Este esclareceu a uma de minhas amigas da corrente que o tal texto era da lavra de Arnaldo Jabor. Este meu amigo, Jabor, tinha inventado uma entrevista fictícia para sua coluna semanal. As perguntas e as respostas eram da lavra dele.

Criação de diálogos

O que de fato me deixou perplexa, me aturdiu, foi que todo um grupo de brasileiros, urbanos, alfabetizados, nível superior, gente do mundo, gente nada ingênua, tenha aceito que a produção intelectual de Jabor poderia ter sido gerada por Marcola que vive, sempre viveu, em um outro universo onde vigoram outros parâmetros e conceitos. Se fosse de verdade, com certeza teria o nome do entrevistador e ainda teria tido seguimento da imprensa.

Dias depois, encontro pessoalmente com Jabor, que tinha ouvido falar de uma certa entrevista do Marcola que estaria circulando, mas ainda não tinha chegado até ele. Ele confessou que não imaginou que se tratasse de sua própria obra de ficção. E assim se fechou a corrente.

Uma dramaturga disse que poderia ter desconfiado, pois a entrevista era obra de alguém afeito à criação de diálogos. Muita gente, pelo visto, estranhou. Contudo, queríamos todos que fosse verdade. Por quê? Ainda não tenho resposta.

segunda-feira, 3 de julho de 2006

O crime, o terror e o silêncio dos inocentes: um depoimento chocante

"Polícia é polícia;
bandido é bandido."
Lúcio Flávio Lírio, bandido carioca morto nos anos 70


Recebi da jornalista e professora Sheilla Accioly texto que ela obteve junto a uma lista de discussão, relativo a uma suposta entrevista do traficante Marcola. Não sabemos se o material é verdadeiro, mas, de qualquer maneira, vale a publicação. Dá o que pensar. E dá muito medo. A descrição da realidade brasileira, a interpretação do momento nacional é suficientemente lúcida e demonstra a quantas anda o crime organizado, bem como a fragilidade das instituições para enfrentá-lo. Leia abaixo.

'Você é do PCC?"

Mais que isso, eu sou um sinal de novos tempos. Eu era pobre e invisível... vocês nunca me olharam durante décadas... E antigamente era mole resolver o problema da miséria... O diagnóstico era óbvio:migração rural, desnível de renda, poucas favelas, ralas periferias... A solução é que nunca vinha... Que fizeram? Nada. O governo federal alguma vez alocou uma verba para nós? Nós só aparecíamos nos desabamentos no morro ou nas músicas românticas sobre a "beleza dos morros ao amanhecer", essas coisas... Agora, estamos ricos com a multinacional do pó. E vocês estãomorrendo de medo... Nós somos o início tardio de vossa consciência social... Viu? Sou culto... Leio Dante na prisão...

Mas... a solução seria...
Solução? Não há mais solução, cara... A própria idéia de "solução" já é um erro. Já olhou o tamanho das 560 favelas do Rio? Já andou de helicóptero por cima da periferia de São Paulo? Solução, como? Só viria com muitos bilhões de dólares gastos organizadamente, com um governante de alto nível, uma imensa vontade política, crescimento econômico,revolução na educação, urbanização geral; e tudo teria de ser sob a batuta quase que de uma "tirania esclarecida", que pulasse por cima da paralisia burocrática secular, que passasse por cima do Legislativo cúmplice... (Ou você acha que os 287 sanguessugas vão agir? Se bobear, vão roubar até o PCC...) ... e do Judiciário, que impede punições. Teria de haver uma reforma radical do processo penal do país, teria de haver comunicação e inteligência entre polícias municipais, estaduais e federais (nós fazemos até conference calls entre presídios...) E tudo isso custaria bilhõesde dólares e implicaria numa mudança psicossocial profunda na estruturapolítica do país. Ou seja: é impossível. Não há solução.

Você não têm medo de morrer?
Vocês é que têm medo de morrer, eu não. Aliás, aqui na cadeia vocês não podem entrar e me matar... mas eu posso mandar matar vocês lá fora.... Nós somos homens-bomba. Na favela tem cem mil homens-bomba... Estamos no centro do Insolúvel, mesmo...Vocês no bem e eu no mal e, no meio, a fronteira da morte, a única fronteira. Já somos uma outra espécie, já somos outros bichos,diferentes de vocês. A morte para vocês é um drama cristão numa cama, no ataque do coração... A morte para nós é o presunto diário, desovado numa vala...Vocês intelectuais não falavam em luta de classes, em "seja marginal,seja herói"? Pois é: chegamos, somos nós! Ha, ha... Vocês nunca esperavam esses guerreiros do pó, né? Eu sou inteligente. Eu leio, li 3.000 livros e leio Dante... mas meus soldados todos são estranhas anomalias do desenvolvimento torto desse país. Não há mais proletários, ou infelizes ou explorados. Há uma terceira coisa crescendo aí fora, cultivado na lama, se educando no absoluto analfabetismo, se diplomando nas cadeias, como um monstro Alien escondido nas brechas da cidade. Já surgiu uma nova linguagem. Vocês não ouvem as gravações feitas "com autorização daJ ustiça"? Pois é. É outra língua.Estamos diante de uma espécie de pós-miséria. Isso. A pós-miséria gera uma nova cultura assassina, ajudada pela tecnologia, satélites,celulares, internet, armas modernas. É a merda com chips, com megabytes. Meus comandados são uma mutação da espécie social, são fungos de um grande erro sujo.

O que mudou nas periferias?
Grana. A gente hoje tem. Você acha que quem tem US$ 40 milhões como o Beira-Mar não manda? Com 40 milhões a prisão é um hotel, um escritório... Qual a polícia que vai queimar essa mina de ouro, tá ligado?Nós somos uma empresa moderna, rica. Se funcionário vacila, é despedido e jogado no "microondas"... há, há... Vocês são o Estado quebrado,dominado por incompetentes. Nós temos métodos ágeis de gestão. Vocês são lentos e burocráticos. Nós lutamos em terreno próprio. Vocês, em terra estranha.Nós não tememos a morte. Vocês morrem de medo. Nós somos bem armados.Vocês vão de três-oitão. Nós estamos no ataque. Vocês, na defesa. Vocês têm mania de humanismo. Nós somos cruéis, sem piedade. Vocês nos transformam em superstars do crime. Nós fazemos vocês de palhaços. Nós somos ajudados pela população das favelas, por medo ou por amor. Vocês são odiados. Vocês são regionais, provincianos. Nossas armas e produto vêm de fora, somos globais. Nós não esquecemos de vocês, são nossos fregueses. Vocês nos esquecem assim que passa o surto de violência.

Mas o que devemos fazer?
Vou dar um toque, mesmo contra mim. Peguem os barões do pó! Tem deputado, senador, tem generais, tem até ex-presidentes do Paraguai nas paradas de cocaína e armas. Mas quem vai fazer isso? O Exército?Com que grana? Não tem dinheiro nem para o rancho dos recrutas... O país está quebrado, sustentando um Estado morto a juros de 20% ao ano, e o Lulaainda aumenta os gastos públicos, empregando 40 mil picaretas. O Exército vai lutar contra o PCC e o CV? Estou lendo o Klausewitz, "Sobre aguerra". Não há perspectiva de êxito... Nós somos formigas devoradoras,escondidas nas brechas... A gente já tem até foguete antitanques... Se bobear, vão rolar uns Stingers aí... Pra acabar com a gente, só jogando bomba atômica nas favelas...Aliás, a gente acaba arranjando também "umazinha", daquelas bombas sujas mesmo.... Já pensou Ipanema radioativa? Mas... não haveria solução?Vocês só podem chegar a algum sucesso se desistirem de defender a"normalidade". Não há mais normalidade alguma. Vocês precisam fazeruma autocrítica da própria incompetência. Mas vou ser franco... na boa... na moral... Estamos todos no centro do Insolúvel. Só que nós vivemos dele e vocês... não têm saída. Só a merda. E nós já trabalhamos dentro dela. Olha aqui, mano, não há solução. Sabem por quê? Porque vocês não entendem nem a extensão do problema.Como escreveu o divino Dante: "Lasciate ogna speranza voi che entrate!" Percam todas as esperanças. Estamos todos no inferno.



domingo, 2 de julho de 2006

Seleção, aprecie com moderação

"HAJA O QUE HAJAR, O
CORÍNTHIANS VAI SER CAMPEÃO."
Vicente Matheus,

Pronto, acabou-se o sonho do hexa. A geringonça comunicacional-midiática montada em torno da Seleção Brasileira desmanchou-se tal-qualmente um jogo de armar ao qual retirou-se uma peça-chave: desfeito o engaste, o todo desmorona.
E qual foi a peça-chave? Simples, a realidade. Bastou mostrar a realidade, que o espelho se partiu. Desde o primeiro jogo, e especialmente quando da disputa contra Gana, um time sem tradição, com uma defesa frágil, quando foram perdidos gols literalmente feitos, que a Seleção demonstrava que não teria condições de chegar a mais um campeonato.

O que mantinha a ilusão enquanto prática de manipulação era a matéria da qual essa ilusão era formada: jogadores que, individualmente, são ou eram endeusados pela mídia jornalística e publicitária aqui e na Europa; grandes inversões de capitais multinacionais para manter essa imagem, bem como a memória da prática de um grande futebol, historicamente colada à Seleção.

Tudo isso orquestrado, mercadologicamente organizado para efeito sinfônico-midiático de forma a manter um público cativo, fiel, seguidor e submisso aos ditames dos interesses dos grandes investidores.

Um desses investidores foi a cerveja Brahma, que se apresentava como um dos patrocinadores oficiais da Seleção. Mas a realidade superou a ficção do futebol imbatível.

Apesar da Brahma e de seu patrocínio, veio a despedida, melancólica e aterradora: o futebol é apenas um jogo, a Seleção não é o Brasil. O Brasil real é aquele do dia a dia, do salário curto, dos políticos corruptos, da escola de má qualidade, do assalto, do crime. O Brasil de um processo histórico onde o povo nunca fez a sua hora.

Mas a máquina publicitária, o interesse do grande capital não tem limites. Tão logo a Seleção retirou-se da humilhação ocorrida frente às mesmas câmeras da Rede Globo, emissora da qual a Seleção é uma propriedade a ser exibida no vídeo, a Brahma veiculava para todo um País um comercial com Zeca Pagodinho, em que ele faz uma convocatória, diz para esperarmos até 2010 e reafirma o compromisso da cervejaria em continuar patrocinando a Seleção.

Mais claramente: ciente de que estava patrocinando uma espécie de ilusão de ótica coletiva, a Brahma já admitia o desmonte de todo o jogo de mídia que se fazia em torno dos supostamente imbatíveis jogadores brasileiros.

Tanto, que já tinha pronto o comercial paliativo. Como certamente já tinha pronto outro, louvando os "vencedores", caso tivesse havido mais um avanço da Seleção. Mais claramente ainda: no jogo da formulação de símbolos não há sinceridade alguma, é tudo aparência e nada mais. Em suma: vamos tentar de novo?

Mas o comercial é perfeito, tecnicamente: foi escolhido um dos grandes gênios da música popular brasileira, pagodeiro de raiz e compositor de méritos, portanto, legitimado para ser apresentado como alguém do povo; o cenário também é uma perfeição: de costas para a saída de um túnel de campo de futebol, ele tem ao fundo, bem ao fundo, um céu cheio de estrelas, aquelas que Ronaldo, nos comerciais de Brahma, queria atingir com seus chutes para emplacar a estrela do hexa; e afinal, após fazer embaixadinhas e malabarismos como a bola, Zeca Pagodinho propaga uma mensagem em que apazigua os ânimos malferidos da nação cinzenta, aponta o indicador e faz o gesto clássico em que gira o dedo e diz que, lá na frente, em 2010, tem mais Copa - e que a Brahma será, sempre, patrocinadora oficial da Seleção.

Em matéria de técnica publicitária um primor. Em matéria de manipulação, mais um tiro certeiro da grande empresa. Mas, parodiando a citação de Vicente Matheus, ditgamos: "Houve o que houveu e o Brasil não foi campeão." No mais, do mesmo modo que em matéria de Brahma deve-se apreciar com moderação, em se tratando de Seleção, acredite com moderação...