sábado, 12 de junho de 2010

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O voto ideológico ou de como fazer o povo de besta
Emanoel Barreto

Leio nas coisas de jornal da net que o professor César Romero, da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, chegou a uma conclusão que, entendo, é, no mínimo, desabonadora do seu professorado. A ser verdade, é uma lástima.

 Acompanhe o raciocínio: segundo li, o professor afirma que, após pesquisar o processo eleitoral para a presidência da República desde 1989, verificou que saiu vencedor quem foi mais pragmático que ideológico. Ou seja: venceu quem efetivou a prática clientelisto-populista, usou de artifícios para atrair eleitorado, fez promessas, mentiu, fraudou a consciência social.


Ou seja novamente: foi eleito quem produziu falsa representação da realidade, substituindo o discurso da explicitação das questões sociais estruturais e conjunturais pelo dizer emotivo e aliciante das promessas típicas de um certo tipo de marketing eleitoral. Outro ou seja: Aquele que se utilizou ideologicamente de um pronunciamento diversivo para ocultar seus intendos demagógicos, dizendo que seus atos enunciativos não tinham conteúdo ideológico. Tinham sim.

Conclusão: não existe voto "ideológico" e voto "não-ideológico", voto advindo do "pragmatismo" do candidato. A afirmativa do professor talvez tenha tido a intenção de dizer que o tal pragmatismo na verdade refere a compreensão de candidatoque optou por desviar seu discurso de uma abordagem que explicite a questão das classes em presença por entender que o "povo", na sua "ignorância" não está apto a compreender um dizer de esclarecimento. 

Assim, taticamente, é melhor a utilização do emotivo em detrimento do racional, a mentira em vez da verdade denunciadora. É claro que as atitudes retóricas integram necessariamente o discurso na polis. É a argumentação que traz a claro a questão social, a gestão dos destinos da Cidade. Isso já era debatido na ágora pelos gregos. E como.

 Desta forma, é possível, sim, fazer-se a abordagem direta, a denúncia da exploração dos trabalhadores de forma emotiva, demonstrando, em discurso ideológico objetivo, a dor e o drama históricos, do mesmo modo que o discurso "pragmático", portador de anúncios de eras fabulosas de prosperidade e felicidade geral. Este, é pura enganação.

Equivoca-se o professor. Valeu-se do senso comum para abordar questão complexa ao dizer que há voto ideológico e voto não-ideológico. Sem sentir, foi, ele próprio, dominado pelo ideológico e misturou o real pelo aparente. Elementar, meu caro Watson.

 O DIÁRIO DE BICALHO
A partir de hoje publicarei o Diário de Bicalho, o paranóico. Trata-se de instigante texto produzido por um ser urbanóide, levemente oligóide e, é preciso admitir, bonifrate. Diz ele:

Querido Diário,


Hoje, ao acordar, descobri que estou sendo seguido por zumbis. Zumbis venusianos, o que é pior. São eles os mais terríveis da sua espécie. Perseguiram até à morte um velho e querido amigo, veja só. Logo ao sair de casa, dois deles me olharam de soslaio e falaram em rádios, comunicando aos outros zumbis os meus temerosos passos.


Senti um calafrio na espinha, mas fui adiante. Acelerei o carro, mas logo percebi que me seguiam em sinistra e negra viatura. Ao chegar ao trabalho descobri que todos se haviam transformado em zumbis. Em desespero corri para a rua, mas lá também havia muitos zumbis misturados à multidão.


Não sei, querido diário, mas tenho a impressão de que alguém está transmitindo as minhas palavras a um louco que, neste exato momento, as está publicando. Assim, aviso ao leitor, à leitora: fiquem atentos; agora mesmo alguém os está observando. O louco que publica minhas palavras é, ele próprio um zumbi. Perigosíssimo.
 Para encerrar, digo: estão forçando a minha porta. Pior: arrombaram a minha porta. Estou sendo atacado e acho que vou, vou morrer! Mas, uma coisa garanto: se eu morrer, vou virar espírito de encruzilhada...


Até amanhã.
Sinceramente,
Bicalho.

quarta-feira, 9 de junho de 2010

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E o homem foi.
Viajando o léu, o acaso, o improvável possível.
E se era possível virou realidade.
A Fera Vida o acossou e veio.
E o homem...



http://g1.globo.com/Sites/Especiais/Noticias/0,,MUL1545630-17084,00.html
A quem interessa essa alegria?
Emanoel Barreto

A visão rápida que temos do povo da África do Sul, nas matérias televisivas, é a de uma população pobre, mas surrealmente alegre. Cantam e dançam como se suas vidas se fossem transformar à causa de jogos de futebol. Grande coisa. Já vi em algumas coisas de jornal gente levada a morar em casas rústicas, feitas, pareceu-me, de alumínio ou coisa assim.

Foram retiradas de perto do espetáculo. Afinal, é feio mostrar a realidade da África do Sul ante tão elegante competição. O glamour da Copa não combina com a pobreza. Naquele país, como de resto em boa parte do continente que já foi chamado de Continente Negro a aids é um sério, melhor, grave, pior, gravíssimo problema de saúde pública - só para ficar nesse exemplo.

Enquanto isso, os pobres comemoram. Depois de encerrados os jogos, o que ficará para eles? Nada, ab-so-lu-ta-men-te nada. A não ser lembranças de que viram jogadores riquíssimos, que passearam sua presença por aqueles longes do mundo como uma espécie de dádiva visual.

Afinal, a quem interessa tanta alegria? A um pequeníssimo grupo, a uma elite financeira que tem no futebol uma fábrica de dinheiro. Mas é preciso passar ao povo instantes de fragor efusivo e fazê-lo acreditar-se participante. O povo não vai ao espetáculo: o povo é o espetáculo. Seus aplausos, gritos de goooool! são imprescindíveis para as fotos e para as câmeras televisivas.

Afinal, se o povo não tem pão que coma brioche. E como isso também nunca terá, que venha o circo.

terça-feira, 8 de junho de 2010

 http://www.bicodocorvo.com.br/wp-content/uploads/2009/06/cerveja-com-viagra.jpg
Viagra pra dentro, pinto pra fora
Emanoel Barreto

Vivemos o pleno da sociedade do espetáculo. Espetáculo que não está, é preciso que se entenda, apenas nos diversos palcos do teatro da vida: TV, revistas, jornais, internet, rádio e todas as quinquilharias digitais. O espetáculo está na vida mesmo, nos relacionamentos do cotidiano, na obediência a padrões de necessidades artificiais, criadas para vender produtos, geradas para provocar comportamentos.

O espetáculo está no exibicionismo de uns para os outros: veja só meus peitos, olhe só minha bunda, estou com tudo em cima.

Por exemplo, tornou-se senso comum que a mulher tem de ser magra e ser peituda. Então, silicone nela.
Quanto ao homem, tem de estar sempre atento e forte. Se não dá, Viagra nele. Perigosamente, um medicamento passa a ser mercadoria no sentido mais vulgar e a performance sexual do macho passa a ser elemento de mercado.

A partir de amanhã o Viagra estará mais barato. Registra o Estadão: "A partir desta quarta-feira, 9, o preço do Viagra (citrato de sildenafila), medicamento indicado para o tratamento da disfunção erétil produzido pela Pfizer, será 50% menor do que o praticado até agora em todas as suas apresentações. Com essa redução de preço pela metade, o Viagra será mais barato do que sua versão genérica, uma vez que o valor médio de cada comprimido será de aproximadamente R$ 15. Além disso, a companhia lançará apresentação em embalagem com um único comprimido de 50 mg."

A naturalização de um medicamento como artefato sexo-recreativo é tamanha que o texto do jornal torna-se eminentemente propagandístico-exultante. Veja só a frase "Além disso, a companhia lançará apresentação em embalagem com um único comprimido de 50 mg.". Percebe como fica insinuado que você, homem, não deve perder a "promoção"?

O restante da notícia segue a retórica publicitária, sem levar em conta efeitos coleterais que a droga possa produzir, quais os sinais que indicam realmente disfunção erétil, dosagem do remédio, etc..., etc..., etc... O jornal agora é médico.

Então, é isso: mulher, barriga para dentro, peito para fora; homem, Viagra pra dentro, pinto pra fora.


Serra e a Lei de Murphy
Emanoel Barreto

A charge de Angeli, na Folha de hoje, dá bem uma ideia da situação de Serra: é um candidato à presidência de quem ningém, ninguém, que ser vice. Estranho, não?

O senador José Agripino foi o último a declinar da honra. Ou estou muito enganado ou está em ação a Lei de Murphy. Aquela que diz: "Se uma coisa pode dar errado ela vai dar errado."

Retraduzindo: se alguém pode ser serrado ele vai ser serrado. Mesmo que a serra seja ele. Ou dele. Tanto faz...



segunda-feira, 7 de junho de 2010


 
 
JORNAL INÚTIL
Unindo o sutil ao fútil

 
Eu vi a lua saindo
por detrás da bananeira.
 
Não é lua, não é nada,
é somente a bandalheira.
  • Estado de espírito é quando você descobre que acabou de morrer.
  • Estado de graça é quando você paga um mico e todo mundo cai na risada mais escrachada.
  • A palavra elefante não é um substantivo. Na verdade é uma grande formulação filosófica. Veja só: a palavra elefante diz que o éle (usei esse acento para facilitar sua compreensão) na verdade é um  fante. Como ninguém sabe o que seja um fante, ficou sendo o nome de um bicho.
  • Para bom pensador meia cabeça basta.
  • Para mau bebedor meia ressaca basta.
  • Quem corre, cansa. Quem vai de avião chega primeiro.
  • Língua de trapo é quando o dono da fábrica de tecidos vai à falência.
  • Não existe o co-piloto? Pois bem: da mesma forma, existe o co-rupto. É a ordem natural das coisas.
  • Ao bom filho Deus ajuda. Ao mau filho basta a carteira do pai.
  • É verdade que o Papa é o pai do Bicho Papão?
  • B-a, bá; B-e, bebo - muito bebo.


A coerência entre título e texto
Emanoel Barreto

Em jornal,  a coerência entre título e texto é, no mínimo, essencial. E a coerência interna do título, seu fator de mensagem, também precisa ser respeitado. Caso contrário, gera mais dúvida que esclarecimento. Havendo disparidade, dependendo do caso, a notícia pode perder todo o seu poder informativo. O caso que vou comentar não é dos mais graves, mas, mesmo assim, é o registro de uma incoerência.

Diz a Tribuna do Norte em sua edição de domingo: "DPVAT é hoje uma grande indústria de indenizações". Primeiro, o DPVAT tem mesmo essa finalidade: indenizar por acidentes com automóveis. Já a partir daí o título falha. Segundo, no texto, revela-se a "indústria": pessoas se colocam como intermediárias entre o segurado e a seguradora, ganhando dinheiro com isso.

A matéria tem a intenção de criticar essa prática, já que os intermediários são totalmente desnecessários. O próprio segurado pode receber sua indenização. O texto está correto em seu propósito. O equívoco do título se dá em função de que, por falha de redação, fica insinuado que o seguro estaria sendo desviado de suas funções originárias.

domingo, 6 de junho de 2010

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Meu Tii Zé Guilherme e o dinheiro na mão do bruguês
Emanoel Barreto

"O dinheiro tá na mão do bruguês." O vendedor de frutas disse isso, imagine só, eu tinha uns dez anos. As palavras chamaram a minha atenção e fiquei olhando aquele homem.  Era um cabra do sertão. Magro como um cardeiro, olhos azuis - sim, no sertão há homens de olhos azuis - e rijo como galho de macambira. A pele, que já havia sido branca, agora era trigueira como couro cru; cabelos brancos, face angulosa, queixo agudo como ponta de faca santa-maria - santa-maria, a famosa peixeira de doze polegadas. Sagrada armaria que bem fazia parte da virilidade dos cabras catingueiros.

Mas ele repetiu: "O dinheiro tá na mão do bruguês.". Em seguida, olhou para os abacaxis que tinha para vender, amontoados não chão sujo da feira do Alecrim, Natal dos anos 1960. E ninguém comprava. Daí sua afirmativa, cortante como um libelo, ferina como um talho de santa-maria.

Eu não tinha o que depois seria chamado de consciência social, mas já acendia o pequeno fogo da perplexidade com as coisas da vida. E jamais esqueci aquele discurso, aquele senador da terra piando sua elegia ao destino do povo: "O dinheiro tá na mão do bruguês."

A figura lembrou-me muito meu Tii Zé Guilherme. É, é isso mesmo: "Tii Zé Guilherme", como se o "i" fosse esticado, alargado; só um pouquinho, mas alargado. Escandido, é a palavra certa.

Sobre essa pronúncia posso dizer: hoje não, mas os de minha geração, ainda influenciados quando crianças pelo falar sertanejo, visto que a maioria dos nossos país eram das terras do sol, chamavam tio de tii. Ti com o i largo.

Mas, do que falava mesmo? Sim, do dinheiro na mão do bruguês, mas acabei tomando um atalho para me meter nas terras da Fazenda Jordão, do Tii Zé Guilherme. Então, vou fazer o seguinte: deixa pra lá o brugês e sua ansiedade argentária. Esse povo se entende bem.

Encerro com a saudade de Tii Zé Guilherme, sertanejo feito de pau-ferro, casado com Vovó Lulu.  Dono da vaca Mangaba e do cavalo Soberano, senhor de terras que encantavam meu olhar, quando ficava anuviado de aventuras no paito da fazenda ou esquipando nas quebradas espinhosas do chão de tabuleiro.

Assim, ao diabo com o bruguês e o seu dinheiro. Um abraço em Tii Zé Guilherme, Vovó Lulu e aos meus sonhos de cavalgadas. Um abraço àquele velho da feira, a quem lamento responder: "O senhor tinha razão: o dinheiro ainda tá na mão do bruguês."

Quanto a mim, graças a Deus, continuo habitante dos meus sonhos.