sábado, 31 de dezembro de 2016

A aposta da Veja na popularidade de Temer



A foto que não diz qualquer palavra


A capa da Veja presta homenagem a Marcela Temer, apresentando-a como se fora uma espécie de fiadora midiática do governo do marido. Seria o avesso de temíveis e terríveis medidas postas em prática pelo Planalto.
Uma espécie de Marianne, a figura alegórica que representa a república francesa personificada na obra de Eugène Delacroix, em 1830, intitulada A Liberdade guiando o povo. Ali, a república, vale dizer a Liberdade, representa iconograficamente os valores da Revolução de 1789: liberdade, igualdade, fraternidade.
A figura apresentada pela revista tem feição de efígie e baixíssima capacidade de sensibilizar o olhar no sentido de que ali se encontre sentimento de proximidade. A empatia da foto é literalmente nula.
Não sendo frontal, perde a condição de retrato; não há aquele virtual olho no olho que passa a sensação de que a imagem nos acompanha – efeito que qualquer fotógrafo de celebridade sabe captar.
Basta ver as fotos de personalidades do mundo pop e das divas cinematográficas.
O que a Veja mostra é uma figura imperial, distante; temos uma elegância enigmática, mais que isso aparenta sobranceria. Pior: soberba.
Para completar a obra a revista apôs sobre a foto uma chamada sobre cantores sertanejos, um selinho que busca vender produtos da Editora Abril, além do título da chamada com a própria Sra. Temer, o que prejudica ainda mais a visualização da fotografia.
Qualquer aluno de jornalismo impresso sabe que a regra número um para a capa de revistas é liberar ao máximo a imagem da matéria principal.
Isso porque fotografias também são lidas. O texto visual precisa, para ser compreendido, que se apresente de forma clara e tenha fácil visualização.
Ademais, a imagem, em si, precisa aparentar aquilo que busca representar. No caso, imagem imperial da Sra. Temer não dá qualquer indício de que ali estaria o roteiro a ser seguido para que o Planalto busque popularidade. 


Com esta história despeço-me de 2016



A história do Grão-Louco do Almofariz


Emanoel Barreto

Nobre Senhor,
Sede bem-vindo.

Não sei o que vos trouxe aqui ou se precisais de meus simples labores, visto que os tempos são outros e ambientes como este estão em desuso ou simplesmente desapareceram. O ambiente modesto onde estais , devo informar, é uma tipografia; como já disse, superada e antiga. Era a acá mesmo que tínheis vindo?

Ao que vejo, sim: era a acá mesmo que tínheis vindo. Entrai, pois. Nesta tipografia ainda trabalho com papel feito de trapos, sendo este o melhor que existe; digo de passagem, e com certo afã. Esta profissão se me foi herdada d'um velho monge, que há muito morreu, e em seu monastério mantinha uma prensa d'onde tudo aprendi .

Mas, vinde, vinde. Vede os meus tesouros. Desculpai, a iluminação é baça; é que ainda uso velas, velas de sebo, pois este ambiente é antigo e assim o exige. É que os meus fantasmas, almas de nobres impressores, jamais aceitaram que assim não o fosse.

Mas, eis os meus tesouros: as minhas caixas, aprumadas no cavalete. Caixa alta e caixa baixa e seus respectivos caixotins. Letras maíusculas, caixa alta; minúsculas, caixa baixa. Letras lapidadas pelos melhores artesãos de França. Letras das mais diversas e trabalhadas famílias tipográficas. Ricas, belas, expressivas. Muitas deles imprimiram Hugo, Balzac e Zola, tenho certeza. Quanta honra senhor, quanta honra, não é mesmo?

Mas, quereis algo? Alguma impressão a essa hora? Não? Apenas conhecer o que faço e como vivo? Dir-vos-ei: moro aqui, aqui vivo, aqui trabalho. Ali, minha enxerga, donde me alcanço estirado, altas horas da noite. Mais adiante, um velho e pequeno fogão. Ao lado da cama é onde guardo os meus andrajos.

E o que imprimo? Tolices, senhor, tolices. Como em tempos quase já imemoriais lanço ao papel corantos, avisos, gazetas. Neles conto histórias fabulosas: o dragão que surgiu do mar e devorou toda uma aldeia pesqueira; flamejante mulher que voa em vassoura e atormenta alguma vila perdida em confins; batalhas de grandes cavaleiros; histórias de damas gentis; versos de menestréis e viandante; contos para adormecer crianças e coisas de monstros horrendos. De tudo o que o humano engenho inventivo já imaginou aqui nasce e ganha força nestas letras.

Se alguém ainda compra o que escrevo? Não, senhor. Ninguém. Ninguém compra o que escrevo. E então, depois de andar o dia inteiro sem adquirir sequer um só ceitil,na tentativa inútil de vender alguma coisa, retorno ao meu tugúrio.

 Antes, porém, de voltar, ando por arrabaldes deserdados. Ali encontro quem me leia. Aproximam-se de mim os desprimorosos e os desvalidos, os aleijados, os tronchos, os alienados e os sem-destino, as súcias e os mandriões. Biltres e velhacos são o meu público.

A eles entrego de graça o que escrevo. E formam-se implausíveis clubes de leitura: cada um que queira ler mais alto e com entonações as estórias que redijo. E em suas vozes noturnas tudo aquilo se torna galante e de bom feitio.

Declamam e empostam os dizeres. Acendemos fogueiras, discutimos as lendas e os mitos, acreditamos em tudo o que escrevi e para nós está tudo muito bom; e após todo o falariço nos despedimos com mesuras e até amanhãs.

Volto então feliz e realizado. Chego, abro a forte porta que protege esta cave e então me tranco. Aqui vivo um silêncio antigo, pesado; silêncio que abraça e protege as coisas que ainda vou escrever.

Como?, o senhor quer um texto? Vou já, senhor, já vou compor. Demora um pouco, pois cada letra é retirada ao seu ninho, ao seu caixotim, para vir repousar na rama. Vou escrever-vos uma hstória: a história do Grão-Louco do Almofariz. O que isso quer dizer? Não, não sei: a ideia vai-me brotando aos poucos, ganha vida e dirige meus dedos. Confiai. Ficará boa a história, muito boa. Como disse, demora um pouco. Meus dedos já não têm tanta agilidade. Amanhã estará pronta a história. Boa noite, senhor. Boa noite. Aguardo vosso retorno. Grato por terdes vindo...