sexta-feira, 7 de setembro de 2007

Pátria minha

Caros Amigos,
Sete de Setembro, "Pátria Minha", de Vinícius de Morais. Sem comentários.

A minha pátria é como se não fosse, é íntima
Doçura e vontade de chorar; uma criança dormindo
É minha pátria.
Por isso, no exílio
Assistindo dormir meu filho
Choro de saudades de minha pátria.

Se me perguntarem o que é a minha pátria direi:
Não sei.
De fato, não sei
Como, por que e quando a minha pátria
Mas sei que a minha pátria é a luz, o sal e a água
Que elaboram e liquefazem a minha mágoa
Em longas lágrimas amargas.

Vontade de beijar os olhos de minha pátria
De niná-la, de passar-lhe a mão pelos cabelos...
Vontade de mudar as cores do vestido (auriverde!) tão feias
De minha pátria, de minha pátria sem sapatos
E sem meias pátria minha
Tão pobrinha!

Porque te amo tanto, pátria minha, eu que não tenho
Pátria, eu semente que nasci do vento
Eu que não vou e não venho, eu que permaneço
Em contato com a dor do tempo, eu elemento
De ligação entre a ação o pensamento

Eu fio invisível no espaço de todo adeus
Eu, o sem Deus!
Tenho-te no entanto em mim como um gemido
De flor; tenho-te como um amor morrido
A quem se jurou; tenho-te como uma fé

Sem dogma; tenho-te em tudo em que não me sinto a jeito
Nesta sala estrangeira com lareira
E sem pé-direito.
Ah, pátria minha, lembra-me uma noite no Maine, Nova Inglaterra
Quando tudo passou a ser infinito e nada terra
E eu vi alfa e beta de Centauro escalarem o monte até o céu
Muitos me surpreenderam parado no campo sem luz
À espera de ver surgir a Cruz do Sul
Que eu sabia, mas amanheceu...
Fonte de mel, bicho triste, pátria minha

Amada, idolatrada, salve, salve!
Que mais doce esperança acorrentada
O não poder dizer-te: aguarda...
Não tardo!Quero rever-te, pátria minha, e para
Rever-te me esqueci de tudo

Fui cego, estropiado, surdo, mudo
Vi minha humilde morte cara a cara
Rasguei poemas, mulheres, horizontes
Fiquei simples, sem fontes.Pátria minha...

A minha pátria não é florão, nem ostenta
Lábaro não; a minha pátria é desolação
De caminhos, a minha pátria é terra sedenta
E praia branca; a minha pátria é o grande rio secular

Que bebe nuvem, come terra
E urina mar.
Mais do que a mais garrida a minha pátria tem
Uma quentura, um querer bem, um bem
Um libertas quae sera tamem
Que um dia traduzi num exame escrito:
"Liberta que serás também"
E repito!
Ponho no vento o ouvido e escuto a brisa
Que brinca em teus cabelos e te alisa
Pátria minha, e perfuma o teu chão...

Que vontade de adormecer-me
Entre teus doces montes, pátria minha
Atento à fome em tuas entranhas
E ao batuque em teu coração.
Não te direi o nome, pátria minha

Teu nome é pátria amada, é patriazinha
Não rima com mãe gentil
Vives em mim como uma filha, que és
Uma ilha de ternura: a Ilha Brasil, talvez.
Agora chamarei a amiga cotovia
E pedirei que peça ao rouxinol do dia
Que peça ao sabiá
Para levar-te presto este avigrama:
"Pátria minha, saudades de quem te ama...
Vinicius de Moraes."

Abaços,
Emanoel Barreto

quinta-feira, 6 de setembro de 2007

E Osama gritou:"O rei está nu!"

Caros Amigos,
As coisas de jornal estão informando que, na Austrália, um comediante vestido de Osama bin Laden conseguiu ultrapassar a rígida segurança que cerca o Forum de Cooperação Econômica Asia-Pácifico, que se realiza em Sydney e chegou até à zona de segurança máxima, a poucos metros do hotel onde está hospedado o presidente George W. Bush. Ali, ele e seus companheiros foram detidos.

O ministro das Relações Exteriores, Alexander Downer, garantiu que a segurança foi eficiente ao afirmar: "Eles provavelmente pretendiam humilhar muita gente conhecida. O que importa é que, em todo caso, eles foram detidos."

O Forum, cuja sigla em inglês é Apec, reúne 21 representantes de países da região ao redor da Ásia-Pacífico, com um único objetivo: discutir sobre dinheiro, ou seja: delimitar ganâncias, estimar lucros para as grandes corporações, fixar normas que garantirão ao capital monopolista internacional mais e maiores lucros.

Resumindo: todos os que ali estão buscam reunir-se em torno de coisas mesquinhas, quando há tantas questões em jogo: o aquecimento do planeta; os milhões e milhões de pobres e miseráveis que vão morrrer de fome ou se arrastar a vida inteira em favelas e sub-habitações, vivendo com um dólar ou menos por dia; o belicismo dos Estados Unidos; o desvario da globalização; a loucura dos homens-bomba e seus opositores; o descompromisso dos países centrais com esse ser coletivo que se chama humanidade. A lista poderia, literalmente, não ter fim.

O que penso dessas pessoas reunidas? Acho-as ridículas, para dizer pouco. Assim, os comediantes, que formaram uma caravana com batedores e tudo mais para chegar até onde Bush estava, fizeram muito bem em levar ao ridículo aqueles cultuadores do dinheiro.

O mundo está regido, hoje em dia, mais do que nunca, por grandes adoradores do deus mercado e todos o seu panteão simbólico: seitas midiáticas exploram avidamente pessoas fagilizadas, políticos ganham as redes de TV e se apresentam como salvadores e bondosos, objetos são mitificados e expostos como essenciais à vida, como celulares e carros cheios de conforto; valores como respeito humano e decência são vistos como quase que um aleijão para aqueles que os defendem; a futilidade é tida como um padrão de comportamento.

Portanto, os comediantes cumpriram o mesmo papel que o personagem da história "O Rei está nu": era um alfaiate que, a título de fazer para um rei uma magnífica, requintadíssima vestimenta, pediu-lhe ouro e pedrarias. Guardou tudo para si e, mostrando ao monarca um vestuário invisível, dizia-lhe como era vaporosa e itangível a veste real. O Rei, louco de deslumbramento, vestiu-a e saiu a desfilar pela cidade. Até que um menino gritou: "O Rei está nu!"

Os participantes do encontro também estão nus, em sua cupidez e ganância. Os artistas apenas apontaram isso.
Emanoel Barreto

quarta-feira, 5 de setembro de 2007

O Rubicão de lama

Caros Amigos,
A Comissão de Constituição e Justiça do Senado determinou que a cassação do mandato do presidente da Casa, Renan Calheiros, seja decidida em plenário, o que se espera que aconeça semana próxima. As coisas de jornal indicam que ali é grande a chande de Renan se livrar da cassação, pois a votação é secreta e ele precisa de 41 votos para manter-se no cargo.

A tradição de corrupção e impunidade da política brasileira diz que casos assim costumam acabar favorecendo os que destas se utilizam. Vide a Emenda Dante de Oliveira que reinstituía as eleições diretas no País e os historicamente recentissímas absolvições de deputados envolvidos com o mensalão.

As forças mais ocultas e mais trevosas da cena política do Brasil já estão trabalhando, estejam certos, para garantir a Renan o mandato, apesar dos poderosos indícios de que violou o decoro parlamentar.

O cinismo e a ausência de respeito que habitam corredores, salas e plenários da Câmara e do Senado, devem estar ofegantes, sem dúvida, ante a expectativa de que mais um dos seus devotos saia impune.

A falta de respeito à opinião pública é marca patenteada de há muito na vida pública nacional.

Apesar da pressão da imprensa, dos gritos das manchetes e da perplexidade que se espalham, fala-se que Renan pode triunfar. Caso ocorra, será a confirmação, mais uma vez, de que vive-se plenamente o tempo em que os homens têm vergonha de ser honestos, como dizia Rui Barbosa.

Vencendo, Renan terá atravessado seu Rubicão de lama e estará pronto para continuar, sem medo, a atuar nos espaços mais escuros da vida pública brasileira.
Resta esperar.
Emanoel Barreto

terça-feira, 4 de setembro de 2007

E Gisele disse: "Oh! My God..."

Caros Amigos,
A modelo Gisele Bündchen deu entrevista sobre o lançamendo de um xampu. Assunto importantíssimo, claro. Os jornalistas somente tinham direito a uma pergunta e nada sobre a vida pessoal, alertava sua deslumbrada assessoria. Colocada num púlpito, a moça demonstrou tédio e chegou a dizer "Oh! My God", quando lhe dirigiram uma pergunta.

Como se sabe, modelos são pessoas altamente preparadas, cultas, interessadas em temas da mais alta relevância e assim os jornais devem lhes dispensar atenção, espaço e tempo de seus repórteres.

A "entrevista", tipicamente um pseudo-acontecimento, serve para demonstrar como a agenda da mídia pode ser manipulada por agências de publicidade e relações-públicas.

Ao que li, o encontro com os jornalistas foi rápido. Entenda uma coisa: qualquer repórter mais ou menos experiente, sabe que a exposição de pessoas de mídia aos jornais deve conter exatamente esse componente: a fugacidade da personalidade midiática, a fim de que os jornalistas fiquem com aquela sensação de que faltou algo - a ser deslindado no próximo contato com a imprensa.

Primeiro, vem uma superexposição, a fim de alguém apareça e se fixe num nicho de interesse por parte dos jornalistas. Segue-se então a fase do "aparece/desaparece", com o exato objetivo de manter a curiosidade a respeito do mito que os jornais mesmos ajudaram a criar.

Falsifica-se uma personalidade, tornam-na célebre para depois depender dela para a obtenção de uma notícia. No caso, uma "notícia". Se os jornais deixassem Gisele e outros tipos como ela de lado, desapareceriam o encanto, a atração, o tropismo jornalístico. Ela passaria a implorar por uma linha impressa, uma imagem, uma declaração. Do jeitinho que era, quando começou.

Ela, como outros midiáticos, nada têm de especial. Isso lhes foi colado pela imprensa, atendendo aos anseios da manipulação do marketing. Ela é apenas uma mulher que veste e expõe sobre o corpo roupas, só isso. O simulacro funciona e a futilidade, a banalidade de jovens frívolas passam a atuar como elementos de importância social. E muitos tolos ficam boquiabertos.
Emanoel Barreto

segunda-feira, 3 de setembro de 2007

Uma exposição funesta

Caros Amigos,
As coisas de jornal informam que realizou-se no Guarujá, em São Paulo, uma feira promovida por agentes funarários, a Funexpo, que contou com shows de axé music e sorteio de três caixões para crianças. Havia, digamos assim, féretros para todos os gostos: caixões cor-de-rosa ( Caixão da Barbie) e outros com paetês e purpurina. Como a feira realizou-se num balnerário, sua logomarca foi um caixão sorridente sobre uma prancha de surfe.

A banalização da existência, ao que se vê, chegou a cúmulos nunca antes pensados. Afora o dado grotesco, bizarro da promoção, temos um algo de cruel, insano, perverso, nesse tipo de comércio. O marketing, em uma de suas mais desvairadas propostas, leva segmentos empresariais a abusar das pessoas, a quem querem colocar unicamente na condição de consumidoras.

O fato, em si deplorável, mostra uma ponta de iceberg: o objetivo do lucro não tem medidas. Veja-se a enlouquecida publicidade em torno de celulares. Chega-se a tal ponto que, falando por mim, já não entendo nem diferencio mais um anúncio de outro. Todos incentivam a que se fale, se fale muito nos celulares, como se a vida das pessoas se resumisse a um ato vazio de sentido: pegar um telefone e ligar por ligar.

Vivemos num mundo perigoso e sombrio. Quando se desrespeita até mesmo o grande mistério do fim da existência.
Emanoel Barreto