quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

RESPONSABILIDADE SOCIAL
O desvelamento de Paulo Freire


Por Alfredo Vizeu e Heitor Rocha em 18/1/2011

O jornalismo é um campo de conhecimento. Não há a menor dúvida sobre
isso. A questão é: que tipo de conhecimento? Há muitos anos teóricos
vêm refletindo sobre o tema. Em comum, todos defendem que o jornalismo
deve ter a preocupação de contribuir para a orientação no mundo. O que
de certa forma o coloca entre algo além do senso comum e próximo do
rigor científico.

Particularmente, entendemos que Paulo Freire fornece uma série de
trilhas e caminhos para pensarmos o jornalismo e tem muito a nos
ajudar. Vamos seguir seu caminho e apropriar-nos de suas reflexões
para pensar o jornalismo como uma forma de conhecimento. Conhecimento
que é um revelar. O papel social do jornalista e do jornalismo como um
dispositivo de mediação é de dessegredação (revelação de segredos) e
exposição da verdade. Acrescentamos: a "verdade jornalística". Dentro
desse contexto, a preocupação do jornalismo é a interpretação da
realidade social. Não é preocupação do jornalista, não deve ser, o que
acontece na intimidade das consciências nem na profundidade do
inconsciente.

Como observa o professor espanhol Lorenzo Gomis, catedrático da
Universidade de Barcelona, a interpretação jornalística contribui,
permite, decifrar pela linguagem a realidade das coisas, o que
acontece no mundo e se complementa com o esforço de significação,
também interpretativo, procurando ajudar homens e mulheres na
compreensão do mundo que os cerca. Evidentemente, para desempenhar
esta sua missão mais nobre, o jornalismo não pode prescindir de sua
dimensão educativa, se constituindo em instrumento para construção de
um mundo melhor, para usufruto de uma vida menos ameaçada.

A ética é da essência dos procedimentos jornalísticos

Nessa perspectiva, a desvelação dos fatos ? a retirada do véu que
envolve as tensões e os conflitos da realidade ? proposta por Paulo
Freire é de fundamental importância na investigação jornalística.
Desvelamento que está intimamente ligado à tomada de consciência. Isso
porque, como observa Freire, a conscientização produz
desmitologização. O trabalho do jornalista deve ter como centralidade
"tirar o véu que encobre a realidade", sem a pretensão de acesso à
verdade absoluta e com a humildade da consciência que se sabe falível,
pois a onisciência não é uma possibilidade humana. Como enfatiza
Freire, o trabalho humanizante não pode ser outro senão o de ampliar o
diálogo. Nesse sentido, o olhar da conscientização é o mais crítico
possível das facetas do mundo da vida, procurando contribuir para o
desvelamento da perversidade do processo de alienação que transforma o
ser humano, potencialmente sujeito da sua história, em coisa,
mercadoria com valor de troca, cada vez mais aviltado pelo discurso
naturalizador das elites dominantes, que continua mantendo a ilusão de
uma realidade imutável, inexorável, que não tenha a autoria humana e
não possa ser transformada.

Dentro desse contexto, a realidade a que se refere a interpretação
jornalística é a realidade social possível no cenário das estruturas
de relevâncias existentes e, assim, o jornalismo se constitui num
lugar de referência e orientação para que as pessoas participem das
coisas que acontecem no mundo, podendo fundamentar racionalmente suas
ações mesmo diante da crescente complexidade da sociedade contemporânea.

Por isso, acreditamos que a seriedade e a competência do jornalista no
processo de produção da notícia são fundamentais para a qualidade do
jornalismo. O jornalista que seja tentado a abrir mão do rigor do
método esquece o respeito ao outro. Se há rigor no método de
investigação no jornalismo, a notícia se aproxima da universalidade e
se faz inteligível e inclusiva para o maior número possível de
pessoas, através de uma postura ética diante da diversidade de versões
que formam a realidade dos acontecimentos. A ética é da essência dos
procedimentos jornalísticos. Por isso, é importante refletirmos sobre
a responsabilidade do jornalismo na sociedade atual, em particular na
nossa, com seus grandes abismos sociais.

Observatório da Imprensa 18/01/2011

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