segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Notas do bestiário

O nosso tsunami é de lama e jorra dos gabinetes

Foto: Wilton Júnior/AE
O nosso tsunami não vem do mar, das profundezas daquilo que os gregos chamavam talassa, o mar abissal, enigma da vida, força elemental a atrair do homem a atenção, o medo a inquirição filósofa. Nosso tsunami vem da terra alta e cai sobre nós também como mar. Mas mar de lama em sua manifestação mais material e exata e mar de lama em sua formulação metafórico-política: incúria, lassidão gestora, desapego à responsabilidade, perplexidade de última hora encenada para o espetáculo midiático: agora serão despejados tantos milhões para ajudar aos flagelados, oh my God!. Depois, finda a última manchete, esse ser que vive tão-somente, se muito, 24 horas, chega o paulatino esquecimento, a naturalização da tragédia como coisa consumada, as famílias buscando cada uma às suas próprias custas, reconstruir seus destroços e cultuar a memória dos seus trágicos fantasmas. Nosso tsunami não é natural, pelo menos não completamente. Nosso tsunami também jorra dos gabinetes, é um crime de lesa-sociedade; mas de uma sociedade que tem em si grande parcela de culpa, pela ocupação iconsequente do solo, pela apropriação indébita e louca dos espaços à natureza, pelo avanço desenfreado de transformar terra em terreno, coisa a ser vendida, lucro encharcado, charco negocial. Tudo isso sem que se perceba ou se tenha preocupação com o desequilíbrio ecológico, o desmonte de biomas, o delicado convívio entre espécies e meio-ambiente. O homem como ser aterrador do seu próprio chão. A tragédia do Rio passará, como passaram muitas outras. Autoridades competentes darão declarações e tudo voltará a dantes. Até que volte nova e poderosa chuva e leve tudo, outra vez, aos abismos do nosso tsunami de lama. Um tsunami bem brasileiro.

Simulacro e manipulação
Leio na Folha matéria com o título "Áudio da produção vaza duas vezes antes de festa do "BBB11". Logo a seguir a explicação de Boninho, o cérebro maculoso que dirige a tramoia: o vazamento de diálogos se dá
"atendendo a pedidos, às vezes vamos deixar vazar o áudio! Por que não? É mais diversão pro PPV e aí todo mundo fica sabendo como funciona!". O PPV é pay per view, o grupo de tolos que paga para ser achincalhado, assistindo ao BBB. O vazamento de áudio em TV resulta de falha humana: algum técnico esquece de desligar um microfone e conversa que deveria ficar em privado cai em domínio público. Assim, nada melhor que simular a falha, a fim de esquentar a audiência. O telespectador/voyeur tem a impressão de que penetrou em ambiente fechado, ingressou no serralho das mulheres do sultão e as viu em todo o seu esplendor e nudez vetados aos olhos dos comuns. Esse trabalho de manipulação, essa falsificação da realidade do BBB, que em si já é uma realidade falsificada, é mais um produto maléfico da indústria da comunicação, embrutecendo as pessoas e as domesticando ao interesse de um sistema que tem por origem e fim o lucro. Às favas com aquela coisa velha e indesejável chamada dignidade humana.

Forame oval por via percutânea com prótese de amplatzer
A esotérica formulação que intitula esta nota encontrei na Tribuna do Norte, em matéria informando sobre a operação que a prefeita Micarla de Sousa sofreu em São Paulo. Graças a Deus isso que você leu não quer dizer que Micarla passa mal. Ao contrário, recupera-se satisfatoriamente. A respeito, diz a matéria:
Micarla, o marido Miguel Weber e a mãe, Dona Miriam
A prefeita de Natal, Micarla de Sousa, internada desde o último dia 11 de janeiro, no Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo, onde submeteu-se, no dia 13, a procedimento de fechamento de forame oval por via percutânea com prótese de amplatzer, recebeu alta no domingo (16). No entanto, a prefeita ainda não retornará a Natal.  Por orientação da equipe médica que a acompanha, coordenada pelo Prof. Dr. Roberto Kalil Filho, Micarla deverá permanecer em São Paulo nos próximos dias, para acompanhamento médico.
Bom, voltando ao forame oval por via percutânea com prótese de amplatzer, como sou um jornalista velho, superado  e de tais tratados não entendo, suponho deve ser parte do vasto vocabulário de algum repórter científico, sabido que só ele, e portanto dominador de coisas altas e percucientes, que a minha pobre formação não alcança. Todavia, lembro que, quando era estudante, meus professores ensinavam que em casos que tais o repórter deve pedir explicação ao especialista - médico, engenheiro, filósofo, jurista, físico, químico ou inspetor de quarteirão - e repassar ao leitor de forma clara, sem o uso da linguagem hermética. Mas, como os tempos mudaram, vou estudar mais um pouco, quem sabe em alfarrábios, e encontrar o sentido de tão magnificente expressão. Mas, que impressiona, impressiona...

A volta da assombração
Vejo na Folha: Ex-líder do Haiti Baby Doc volta ao país após 25 anos de exílio. Baby Doc, aliás
Jean-Claude Duvalier, cria do velho, cruel e feiticeiro Papa Doc, aliás François Duvalier, só pode ser para assombrar seu pobre, aliás miserável povo, depois de tudo que ele e sua grei familiar fizeram por lá e após o terremoto que literalmente destruiu a nação, pior, o povo, as pessoas, as gentes. Talvez assessorado por uma turba de zumbis queira encontrar o caminho das pedras que o leve ao palácio presidencial, aliás mais uma vez, tombado pelo tremor horrendo que varreu toda a ilha.


E pro Walfredo, nada?
A governadora Rosalba Ciarlini mantém sob fogo cerrado a administração passada, expondo o desastre que herdou. Certíssima ela está. É preciso transparência, buscar erros, mostrar desníveis entre o que o governo passado prometeu e o que realmente fez. Na TV, o Rio Grande do Norte era uma maravilha. Rosalba está mostrando que não era bem assim. Agora, uma pergunta: o que a atual administração está fazendo, por exemplo, com relação ao Walfredo Gurgel? Se a coisa estava tão ruim, seria ótimo demonstrar competência dando um jeito no maior hospital público do Estado. Até porque ali se tratam casos de urgência e emergência...

Eminentes bandidos 
O deputado Paulo Maluf, o juiz Nicolau dos Santos Neto, Juiz Lalau e o conselheiro do Tribunal de Contas de São Paulo Robson Marinho estão com fortunas de origem ilícita retidas pelas autoridades da Suíça. Ali, suspeita de uso de recursos públicos, seu desvio ou sonegação de imposto de renda têm caminho certo: esse dinheiro fica retito até decisão judicial. Maluf tem a bagatela de 446 milhões, Lalau sete milhões e Marinho quantia não informada. Aqui todos são autoridades, lá eminentes bandidos.

Muy amigos
Corre nas coisas de jornal da internet que o procurador geral de Justiça Manoel Onofre Neto considera bastante sólidos os indícios de negociata entre o deputado Gilson Moura e seu suplente o Sargento Siqueira. Todo mundo se lembra da "renúncia" de Moura, finalzinho do mandato, para dar a Siqueira o lugar de deputado a fim de que este ganhasse foro privilegiado na ação que responde por corrupção quando era vereador. Onofre afirma que as negociações envolveram votos, cargo e dinheiro. Agora, quer a quebra dos sigilos bancário e telefônico da dupla. Agora, uma coisa não entendo: por que esses processos correm em "segredo de justiça"? Se é coisa de interesse público deveria ser às claras.

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