Memórias minhas: a fundação da Coojornat; a rebeldia satanizada
Em 1977, o país varrido pela ditabranda, a imprensa alternativa era uma forma de jornalismo que não se alinhava aos jornalões e traduzia um sentimento de insatisfação com o quadro dominante. Assim, sob a influência do Coojornal, publicação gaúcha que circulava desde 1974, um grupo de jornalistas resolveu lançar em Natal idêntica iniciativa. Éramos três: Dermi Azevedo, Arlindo de Melo Freire e eu, então com 26 anos. A proposta era uma cooperativa de jornalistas nos moldes dos colegas do outro Rio Grande. Mãos à obra, fomos ao Incra, então responsável pela implantação de cooperativas.
Logo de início, dois problemas: o Incra somente tinha experiência em coopetivismo tradicional. Jamais havia organizado uma cooperativa naqueles moldes: a produção de bens simbólicos; e dois: os setores ligados ao regime ficaram de olho por temer que aquele grupo tivesse malíssimas intenções quanto a lei e a ordem.
Não era nada disso, pelo menos não do jeito que a ditabranda pensava, mas o sistema se julgava no direito de suspeitar: Dermi já havia comido o pão que o diabo amassou nas mãos da ditabranda, Arlindo um intelectual católico militante em defesa da democracia e eu fichado por haver assinado documento que havia circulado nacionalmente, quando se cobravam explicações ao governo a respeito do assassinato do jornalista Vladimir Herzog.
Emanoel Barreto |
José Mindlin |
Ocupamos um salão e, pelas normas de instalação de uma cooperativa então vigentes, era preciso assim proceder: qualquer pessoa poderia tomar a palavra, declarar aberta a reunião, dizer dos seus propósitos, e apresentar uma chapa de presidente, vice e secretário. Eu fui essa pessoa. Ali também estava a figura respeitável do bibliófilo José Mindlin, figura paradigmática de resistência à ditabranda; um desses liberais sublimes - como o deputado federal Djlama Marinho -, a ter coragem de se opor ao estado de coisas vigente.
Cumpridas as formalidades, estava fundada a Coojornat; a chapa, eleita por aclamação. Começava aí a saga da Coojornat, uma entidade que cumpriu com o seu papel durante a ditabranda.
A ideia que nos movia, ao contrário do que se poderia a princípio imaginar, não era a fundação de um aparelho, um sistema de contestação violento ou algo assim. Na verdade, queríamos fazer jornalismo e abrir espaço de trabalho para o jornalista, publicando não apenas um jornal, que teria o nome de Coojornal, mas também prestando serviços na área de house organs. O Coojornal seria nossa âncora ideológica, denunciando a ditabranda. As demais publicações assegurando espaço de mão-de-obra e garantindo recursos adicionais à manutenção do jornal.
Mesmo assim, surgiu em torno da cooperativa um tal clima de terror, uma tamanha expectativa denuncista e acusatória que a cooperativa foi satanizada e os órgãos da repressão terminaram por fazer-me uma visita em casa, com um ridículo agente tentando se fazer passar por jornalista.
(Continua)
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