quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Memórias minhas: a fundação da Coojornat; a rebeldia satanizada

Em 1977, o país varrido pela ditabranda, a imprensa alternativa era uma forma de jornalismo que não se alinhava aos jornalões e traduzia um sentimento de insatisfação com o quadro dominante. Assim, sob a influência do Coojornal, publicação gaúcha que circulava desde 1974, um grupo de jornalistas resolveu lançar em Natal idêntica iniciativa. Éramos três: Dermi Azevedo, Arlindo de Melo Freire e eu, então com 26 anos. A proposta era uma cooperativa de jornalistas nos moldes dos colegas do outro Rio Grande. Mãos à obra, fomos ao Incra, então responsável pela implantação de cooperativas.
Dermi Azevedo

Logo de início, dois problemas: o Incra somente tinha experiência em coopetivismo tradicional. Jamais havia organizado uma cooperativa naqueles moldes: a produção de bens simbólicos; e dois: os setores ligados ao regime ficaram de olho por temer que aquele grupo tivesse malíssimas intenções quanto a lei e a ordem.

Não era nada disso, pelo menos não do jeito que a ditabranda pensava, mas o sistema se julgava no direito de suspeitar: Dermi já havia comido o pão que o diabo amassou nas mãos da ditabranda, Arlindo um intelectual católico militante em defesa da democracia e eu fichado por haver assinado documento que havia circulado nacionalmente, quando se cobravam explicações ao governo a respeito do assassinato do jornalista Vladimir Herzog. 

Emanoel Barreto
Mesmo assim, sob a orientação competentíssima de um técnico do Incra, cujo nome não lembro, preparamos a documentação, a parte burocrática. O pessoal da Coojornal nos eviou seu estatuto e aqui fizemos pequeníssimas adaptações à realidade local. A ideia ganhou repercussão e força até que a 1º de outubro de 1977, um sábado, a Coojornat foi fundada no Instituto de Teologia Pastoral de Natal-Itepan, entidade da Igreja, à qual Dermi e Arlindo eram ligados. Creio que o jornalista Ubirajara Macedo, combatente histórico da ditabranda, já havia se integrado ao grupo.

José Mindlin
Ocupamos um salão e, pelas normas de instalação de uma cooperativa então vigentes, era preciso assim proceder: qualquer pessoa poderia tomar a palavra, declarar aberta a reunião, dizer dos seus propósitos, e apresentar uma chapa de presidente, vice e secretário. Eu fui essa pessoa. Ali também estava a figura respeitável do bibliófilo José Mindlin, figura paradigmática de resistência à ditabranda; um desses liberais sublimes - como o deputado federal Djlama Marinho -, a ter coragem de se opor ao estado de coisas vigente. 

Cumpridas as formalidades, estava fundada a Coojornat; a chapa, eleita por aclamação. Começava aí a saga da Coojornat, uma entidade que cumpriu com o seu papel durante a ditabranda. 

A ideia que nos movia, ao contrário do que se poderia a princípio imaginar, não era a fundação de um aparelho, um sistema de contestação violento ou algo assim. Na verdade, queríamos fazer jornalismo e abrir espaço de trabalho para o jornalista, publicando não apenas um jornal, que teria o nome de Coojornal, mas também prestando serviços na área de house organs. O Coojornal seria nossa âncora ideológica, denunciando a ditabranda. As demais publicações assegurando espaço de mão-de-obra e garantindo recursos adicionais à manutenção do jornal. 

Mesmo assim, surgiu em torno da cooperativa um tal clima de terror, uma tamanha expectativa denuncista e acusatória que a cooperativa foi satanizada e os órgãos da repressão terminaram por fazer-me uma visita em casa, com um ridículo agente tentando se fazer passar por jornalista.
(Continua)

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