segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Pequena história minha ou de como a UFRN vai vigiar fantasmas

A UFRN pede em documento aos professores com mais de 50 anos - eu tenho quase 60 -, uma série de exames de saúde. Louvável e proveitosa ideia visando preservar o que resta de vida a essa massa de indivíduos a quem a vida já muito atacou a golpes de muito trabalho, choques de estresse, horas e horas de leitura noturna, produção acadêmica sob pressão, ansiedade, cansaço e que tais. Todavia, algo chamou-me  a atenção. 
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Mais que a atenção do homem comum, a atenção do repórter foi desperta. Explico: nada tenho contra quem chamei de "homem comum". Não há desdouro em essa assertiva. O que quero dizer é que o repórter, - jornalismo é sina, é fado, se nasce jornalista e tipógrafo - é um sujeito desconfiado. 

Com o tempo a desconfiança passa à personalidade e aí o sujeito está perdido: sente-se na obrigação de estar atento a tudo. Não é por acaso que existem jornalistas investigativos. Quanto ao homem comum, não. Vê uma coisa estranha, desvia e vai embora. O repórter vê a mesma coisa e... vai atrás dela. Ai o pulo do gato, a grandeza e a perdição do jornalismo.

Pois bem: dentre as determinações do documento em que sou chamado - intimado?- a fazer os tais exames há algo que chamou-me o faro: diz assim: "Os resultados dos seus exames, juntamente com sua ficha de Exame Médico Ocupacional - EMO - veja a sigla: EMO. EMO, EMO, EMO. Deve ser coisa de grande doutoriça - e uma via do ASO - outra sigla de grande prestígio esotérico-burocrático - serão mantidos em sigilo por um período mínimo de 60 anos, de acordo com a legislação vigente."

Quando li isso meus olhos saltaram das órbitas. Um período mínimo de 60 anos? Olhei para um lado, virei-me para o outro. Senti-me como personagem de 1984: o Grande Irmão quer me pegar, pensei. O que a Universidade quer com um documento retido por no mínimo 60 anos? Querem saber da minha saúde para o meu bem ou querem me vigiar? Daqui a 60 anos terei quase 120 anos e serei um velhinho absolutamente inofensivo, salvo se ainda tiver forças para falar. 

Em seguida, pensei: e se de repente as mentes burocráticas acharem 60 anos pouco e ampliarem esse prazo para 200 anos? E depois para seiscentos? Que tal mil anos? Já pensou, mil anos de investigações sobre a saúde do sujeito? E se daqui pra la eu morrer e não tiver o direito de morrer porque os documentos encontram-se sob apreciação pelas lentes de médicos especializadíssimos em descobrir doenças as mais disparatadas? 

Serei preso depois de morto? Haverá algum departamento para atender a reivindicações de fantasmas pedindo que se os libere para o descanso final? Irei para o Inferno? Terei pelo menos o direito de ir para o Inferno? E se a Universidade mandar correspondência ao Cão dizendo para não me aceitar porque posso contaminar alguém com jornalistite? Dante me receberá? Será meu advogado no Hades? O que farei, já que tal retenção documental me insinua algo como uma Santa Inquisição Universitária guardando provas não-sei-de-quê contra mim? 

Não sei, meu Deus! Não sei! Não sei! Não sei! Quisera ser ator shakespeariano para dar grande essência dramática ao meu imenso desespero, como na cena célebre da caveira: To be or not to be! 

Vou tentar me acalmar. 

Pronto, passou. Agora, mais calmo, posso assegurar que não sou um indivíduo contagioso salvo pelas palavras que digo em sala de aula. Mesmo assim vou atender às determinações. Especialmente porque, olhando assim meio de lado, parece que vi um sujeito me observando do lado de fora. Sim, tenho certeza. Está me observando. Vejo até o binóculo. Vou já fazer os exames. O Grande Irmão zela por mim.

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