sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Ainda lembranças minhas sobre a Cooperativa dos Jornalista de Natal-Coojornat

Um dia de sol no Rio,um dia de azar para Henfil, um dia de reportagem em Natal

A Coojornat foi fundada em 1977. Cerca de um ano antes chegava a Natal Henrique de Sousa Filho. Henfil, sabe? Eu era repórter da Tribuna do Norte e o chefe de redação Djair Dantas me mandou entrevistar. Djair foi um dos mais completos repórteres que já conheci: corajoso, bom redator, íntegro, companheiro. Era correspondente do Jornal do Brasil. Morreu jovem, em consequência de acidente de moto.

Mas, eu falava de Henfil. Pois bem: fui para a entrevista, devo dizer, ansioso. No mínimo. Afinal, além de ser o primeiro repórter a entrevistá-lo em Natal, ia falar com uma lenda viva, vivíssima, do cartunismo brasileiro, uma das tintas mais criativas e agudas que se voltavam contra o que chamávamos de estado de coisas  de então: a ditabranda, seus medos, suas ameaças. 

Detalhando o que quero dizer com lenda: o homem era do Pasquim: famoso, respeitado, figura icônica da resistência jornalística à ditabranda. Enquanto isso, eu, veja só: meros três anos de jornal - nascido no jornalismo policial -, ainda catava palavras no teclado da máquina e ensaiava textos de aprendiz. Eu conhecia o trabalho de Henfil e o admirava; ele sequer sabia da minha existência. Por aí você já vê a diferença, a disparidade. É em situações assim que o repórter é testado. Se você sucumbe ao mito, se a admiração supera o profissional acabou-se a entrevista e esteja certo de que você fracassará. Será um bobo curvado ante Michelangelo.

E botei uma ideia na cabeça: eu não ia fracassar. Não deixaria que o mito suplantasse o pequeno repórter. Pois bem, mesmo assim, mesmo pensando na disparidade entre o repórter e a montanha fui. Henfil estava hospedado na casa do Comandante Graco Magalhães, veterano piloto da aviação de caça, grande figura, então piloto do avião que conduzia o governador do estado. 

Graco morava numa casa vasta, antiga, linda, na Avenida Getúlio Vargas de onde se tem uma visão literalmente deslumbrante da praia lá embaixo, areia e sol, mar e ondas tinindo na retina. Essa casa não existe mais. Foi tragada pelos luxuosos espigões à beira-mar plantados...

Outra coisa: para você ver a imensidão de Graco, imensão de ícaro: ele, militar da reserva, hospedava um cara do Pasquim...

Bom, cheguei ao casarão da Getúlio Vargas e fui recebido pelo Comandante. Sorridente, gestos largos, levou-me a uma espécie de estúdio, uma sala de enormes janelas, uma sala luminosa. E então veio Henfil. Eu esperava um tipo grande, um portento. A forma humana correspondendo à visão do mito. Mas eis que me chega alguém de estatura média, levemente encurvado. E mancando. Foi um choque: por momentos tive a impressão de que se aproximava um velhinho... - a barba acentuava essa visão.

Eu me apresentei e o mito terminou por tornar-se maior; maior porque o homem colocou-se acima do que dele o forasteiro, eu, pensava; a criatura forte, apesar de contida em corpo frágil quase vacilante, o aperto de mão firme, uma ligeira reverência. Mesmo mancando, demonstrava força de viver. O olhar radioso e arteiro. Tratou-me como se de há muito me conhecesse. "Vamos sentar". Fiquei a seu lado e conversamos antes da entrevista.

Exlicou: estava mancando devido a um pequeno acidente em meio ao trânsito do Rio. Um dia de sol para o carioca. Um dia de azar para Henfil. Foi assim: ele estava com o carro parado. Veio outro carro por trás e por algum motivo trombou no para-choque. Foi suficiente para atirar o carro de Henfil alguns metros à frente. Em meio ao susto do impacto inesperado, temendo bater em outro carro ou em alguém mais à frente, teve um ato reflexo: pressionou e manteve o pé no freio.

O outro carro seguia colado, empurrando, forçando, numa dessas situações estúpidas, típicas de acidentes. Afinal os dois carros pararam. E quando tudo terminou a perna direita estava inchada, doía muito. Para ele, hemofílico, sedentário, isso fora um esforço enorme. Provocou uma espécie de distensão muscular brutal. Resultado: agora estava Henfil em Natal, mancando, amargando os resultados de um pequeno e grosseiro acidente. 
(Continua)

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