--- Walter Medeiros* - waltermedeiros@supercabo.com.br
Os gatos não povoam minha vida como povoam a vida de certas pessoas que talvez não
soubessem viver sem eles ou, na ausência deles, enfrentassem desconforto e até
mantendo uma distância proposital, que somente a natureza pode explicar.
Criança,ainda, por conta das viagens do meu pai em meio às campanhas de saúde pública de erradicação da malária, findamos morando um tempo em Lagoa dos Gatos. Já era um começo. Depois das andanças pelo nordeste adentro, ao voltar para Natal moramos vizinho a minha tia Mariêta, que criava um belo gato chamado Dunga, lá nos idos dos anos sessenta. A convivência com ele, do alto dos meus dez a quinze anos, foi, no
máximo, um alisado temeroso no seu dorso, cujo calor e maciez ainda lembro. Masnunca pensei em criar um gato.
Naquele tempo os gatos que rodeavam meu ambiente eram aqueles das histórias em
quadrinhos de Manda Chuva e Tom e Jerry. Os outros não me chamavam a atenção de
nenhuma forma. O tempo foi passando sem maior presença dos gatos, embora tenha me
aventurado na criação de um cachorro - Hopper, entre 1982 e 1987. Depois o que teve
repercussão e observei foi aquele senhor que cuidava de dezenas de gatos - mais de
cinqüenta - no conjunto Candelária, em terreno no qual a comunidade findou
construindo alguns equipamentos na tangente da rua Barão de Serra Branca, onde
residia meu irmão Wellington .
Aquele homem tem uma dedicação impressionante e
depois partiu para plantar todos aqueles cajueiros que se vê no prolongamento da
avenida Prudente de Morais, entre o Candelária e Cidade Satélite. Ele fez um grande
bem à humanidade e a sua cidade. Outros gatos surgem na vizinhança, fazendo barulho
e rasgando os sacos de lixo, mas tendo tratamento carinhoso dos seus criadores.
Agora, para manter a saúde em dia - apesar de certa indisciplina na agenda de
freqüência à minha cardiologista, Dra. Graça Bandeira, que também atende a minha
mulher, Graça, minha sogra, Dona Neusa, 84 anos, e meu sogro, seu Sebastião, 93 -
estou caminhando quase diariamente pelo calçadão da avenida Roberto Freire. Belos
momentos, onde reencontro, chova ou faça sol, amigos como Risolete, João Nicolau e
outros, com quem trabalhamos ou atuamos em muitas jornadas de décadas anteriores.
Todos seguindo naqueles passos variados, compondo aquela paisagem tão bela e sonhada
por muitos no mundo inteiro.
Pois aquela paisagem tem agora - não sei há quanto tempo - uma população imensa de
gatos, que se criam à margem da cerca do Parque das Dunas, na área militar. Não
tentei contá-los, mas são muitos: pretos, brancos, cinzas, amarronzados, de todos os
tamanhos. Aqueles gatos fazem todos os gestos e poses que qualquer fotógrafo busca
quando precisa incluir animais da espécie em seus trabalhos.
Mas eles têm um ritual diário que só percebe completamente quem passa no exato tempo
em que Neide, uma mulher de seus cerca de 40 anos - nunca fui bom em avaliar idade -
passa com umas sacolas distribuindo comida e água para todos eles. Trata-se de um
encontro diário que aqueles felinos esperam, com certeza, haja vista a reação que
têm quando sentem, de longe, a sua aproximação. Eles se movimentam, chegam e recebem
próximo a sua tocas pequenas porções de comida e pequenos recipientes com água. É
uma cena do cotidiano que merece observação; um compromisso humano daquela mulher,
que os mistérios da vida vez por outra fazem aparecer à nossa frente.
*Jornalista
Imagem:
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