Emanoel Barreto
Na Folha, o Blog do Josias da o alarma: o país está à beira de ingressar numa "ditadura civil", utilizando-se do ventriloquismo para fazer suas as palavras do venerável Hélio Bicudo. É comum ao jornalismo se utilizar das palavras de terceiros para enunciar seus próprios pontos de vista.
Mesmo respeitando a honorável figura, é estranho que seu discurso conteste aquilo que em política é conhecido por consenso. A sociedade está manifestando, em atitude de sociedade civil, uma escolha num determinado momento histórico. Se há consenso e esse consenso é espontâneo, surgido de um instante político referido a partir da realidade dessa quadra da história, como se pode falar em ingresso numa ditadura civil?
E se fosse Serra o líder das pesquisas não haveria também iminência de uma tal ditatura? Ou seja: só vale se for Dilma a derrotada? ; se não, é "ditadura"? Certamente a Folha preferiria que fosse assim mesmo ou então o retorno do país à "ditabranda", termo cunhado nas oficinas ideológicas do jornal em defesa da ditadura de 64.
A transcrição da entrevista nos mostra uma típica pergunta-raquete: aquela em que o repórter faz a pergunta sabendo por antecipação o que a fonte dirá. Até mesmo sugere a resposta com a indagação. É o que faz Hélio Bicudo.
A Folha esquece que sob Lula as elites, não só o ser coletivo a que chamamos povo, também se beneficiaram. Os banqueiros que o digam. Com isso quero dizer que o PT dialoga com as elites e lhes atende os interesses. Não há confronto. Na mesa do PT convivem respresentantes do agronegócio e representantes do MST, trabalhadores e empresários. Quer dizer: há consenso até sob esse ponto de vista.
O PT, desta forma, não se encaminha para instituir uma ditadura civil, mas um Estado de compromisso, existente exatamente em função desse diálogo. O Estado é protagonista e reafirma seu poderio e capacidade de levar avante seus propósitos, trazendo em seu vácuo expressões pluriclassistas.
Não faço aqui a apologia desse Estado de compromisso; antes, sou obvrigado a defender a pragamática de que é preferível um governo que fortalecerá o Estado como ente decisor, que a ascensão de um ator político como Serra, cuja trajetória de partido o indica como pessoa que tem e teve empenho em desmantelar o Estado em favor do privado. Ou por outra: busca colocar o público como serviçal e defensor dos grandes interesses corporativistas das elites.
A democracia é um processo lento e sua afirmação eivada de dificuldades. Portanto, a eleição de Dilma vai assegurar a manutenção de compromissos também com o povo, também com a sociedade, controlando, de alguma maneira, o privado.
A ação da grande imprensa busca impregnar, sem conseguir, um "perigo", a presença de algo que só existe na cabeça de seus pensadores. Às vezes sinto-me como que vivendo nos anos da guerra-fria, quando a palavra "comunismo" era uma espécie de sinônimo de "besta-fera", inequívoca alusão a medos bíblicos, colocando-se a elite como salvo-conduto e fiador de uma estabilidade desejável pelos privilegiados e assumida ingenuamente pelos "pobres".
Foi o "perigo" do comunismo que perpetrou em corações e mentes a legitimação do golpe de 64. Os jornais, Folha também, o apoiaram. Deu no que deu. Aquilo sim, foi ditadura. Agora, não: não há clima de golpe ou intenções de transformar o Brasil numa ditadura. Nem sequer se fala de "comunismo". Os grandes jornais sabem disso. Todavia, alardeando que isso existe, que estamos perto de uma ditadura buscam, aí sim, instaurar um clima de insegurança e, por isso mesmo, justificador de um golpe em seu sentido mais exato e clássico: o exercício - se preciso violento - do poder por representantes da ordem capitalista estabelecida e hegemônica.
Abaixo, transcrição do Blog do Josias.
Durante 25 anos, a biografia de Hélio Bicudo enfeitou os quadros do PT. Com o passar do tempo, o promotor franzino tornou-se um estorvo. Em 2005, ano do mensalão, achou que era hora de se desfiliar.
Na semana passada, Bicudo, 88, voltou ao meio-fio num em defesa da democracia e da liberdade de imprensa. Uma reação a Lula. Acha-o diferente do Lula de quem fora vice, nos anos 80, numa chapa que disputou o governo de São Paulo.
Em entrevista veiculada neste domingo (26) em ‘A Gazeta’, Bicudo declara: sob a liderança de Lula, “o Brasil pode caminhar para uma ditadura civil”. Vão abaixo algumas de suas declarações:
- A democracia está sob ameaça? Acho que sim, porque o presidente da República ignora a Constituição, se acha acima do bem e do mal, e, com uma vitória que está delineada em favor da sua candidata, concentrará todos os poderes da República em suas mãos, além do apoio da maioria dos Estados e da população em geral. Com uma pessoa com esse potencial, e que não vê no ordenamento jurídico do país a maneira de estabilizar as discussões e debates, o Brasil pode caminhar para uma ditadura civil, sem dúvida.
- Depois de 25 anos no PT, imaginou que isso pudesse acontecer? De início, não, mas no final, achava que aconteceria essa reviravolta. Foi marcante aquela carta aos brasileiros que Lula escreveu antes da sua primeira eleição, demarcando uma posição muito mais para o neoliberalismo do que para o socialismo.
- Vê diferenças entre o neoliberalismo de FHC e de Lula?
Não há nenhuma diferença, porque quem comanda as decisões políticas hoje, como ontem, é o próprio capital.
- O PT indicava uma prática diferente? O PT fazia uma oposição bastante forte nos governos Sarney e Fernando Henrique. A partir do governo Lula, a unanimidade popular que ele foi conquistando afastou a oposição do seu caminho. E o que aconteceu? Sobre o mensalão e os outros atos de corrupção apontados, nada se fez. Quando Lula diz que é presidente da República até sexta-feira à noite, e depois fecha a gaveta e só volta na segunda-feira, pratica crime de responsabilidade. Afinal, como presidente ele jurou obedecer às leis do país. E a Constituição não permite que um presidente da República participe da campanha eleitoral como ele está participando. É crime que leva ao impeachment, mas nem os partidos políticos, nem a sociedade civil movem nenhuma pedra contra isso.
- O PT indicava uma prática diferente? O PT fazia uma oposição bastante forte nos governos Sarney e Fernando Henrique. A partir do governo Lula, a unanimidade popular que ele foi conquistando afastou a oposição do seu caminho. E o que aconteceu? Sobre o mensalão e os outros atos de corrupção apontados, nada se fez. Quando Lula diz que é presidente da República até sexta-feira à noite, e depois fecha a gaveta e só volta na segunda-feira, pratica crime de responsabilidade. Afinal, como presidente ele jurou obedecer às leis do país. E a Constituição não permite que um presidente da República participe da campanha eleitoral como ele está participando. É crime que leva ao impeachment, mas nem os partidos políticos, nem a sociedade civil movem nenhuma pedra contra isso.
- O que esperar de Dilma? Quem continuará mandando no país vai ser Lula. Dilma diz que ela é o Lula. Então as coisas continuarão como estão, com a mesma corrupção, o mesmo manejo da coisa pública.
- Imaginava voltar às ruas em defesa da democracia? A gente fica frustrado, depois de uma longa luta em prol da democracia, ver o que estamos vendo. E acho que não temos democracia, até pela maneira pela qual se conduz a vida pública, onde um grupelho toma conta do governo, pondo nele seus parentes, seus amigos... Não é o governo do povo. Veja a própria constituição do Supremo Tribunal Federal, onde não se fez uma consulta maior para a escolha dos ministros. Ela foi pessoal, feita pelo próprio presidente. Leis passam na Câmara e no Senado, por atuação da presidência da República, que transformou o Legislativo em algo sem a menor expressão. [...] Quem manda no país, passa por cima das leis é ele, Lula. Vai eleger a presidenta que fará o que ele quiser.
- Como vê Lula?
Um homem inteligente, que poderia usar essa inteligência para implementar e fortalecer a democracia no país, mas optou por incrementar o poder pessoal. [...] Ele sempre mandou no partido, afastou as lideranças que pudessem competir com ele. É o dono, sente-se acima do bem e do mal.
- Os escândalos e o ‘eu não sabia’: Ele sabia de tudo, deixou as coisas escaparem. A oposição não atuou e, hoje, chegamos onde estamos.
- Incompetência da oposição?
Foi inexistência de oposição.
- A saída do PT, em 2005: Saí porque achei que o partido não estava trilhando a estrada que havia traçado no seu nascedouro. Ele deixou de representar o povo. Pode até ter o voto do povo, mas representa os interesses daqueles que o comandam.
- Lula e a imprensa: Olha, Lula vive dizendo que a imprensa o prejudica. Eu acho que é o contrário. [...] A imprensa tem ajudado Lula e seus candidatos. Você não pega um jornal, um programa de televisão, que não exiba um retrato dele. O povo não vê o que está escrito além dá manchete. Funciona como propaganda.
- Lula e a popularidade: Mis-en-scène... Pergunto: com tudo isso, o que o Brasil conseguiu, do ponto de vista internacional? Zero. A questão da popularidade não tem relação com a eficiência. Olha o caso do Irã. Tem maior vergonha do que isso? Nossa política externa é péssima. O Brasil não conseguiu colocar uma pessoa em cargo relevante no conceito internacional. Em matéria de Direitos Humanos, botaram lá em Genebra uma pessoa que jejuna
- O ‘ato contra o golpismo midiático’, com CUT, UNE, movimentos sociais e políticos governistas:
Lula sempre diz que há uma revolução midiática para retirá-lo do poder. Os pelegos dele é que fizeram o movimento em contrário ao nosso.
- O manifesto pró-liberdade de expressão: Ontem, mais de 20 mil pessoas já tinham assinado o nosso documento. A semente foi plantada, e agora depende da sociedade. Porque o problema é também de pós-eleição. Repetindo o que já foi dito: se você não vigia, não tem democracia. Deve-se vigiar permanentemente quem governa o país, para que não haja desvios. Seja quem for eleito, independentemente do partido político.
- Vê méritos neste governo? A questão é: o que o governo pretende com sua atuação? Para mim, só autoritarismo.
- O convívio com Lula: Sim, mas os tempos mudaram completamente. Ele acabou com as lideranças do partido, e lançou uma pessoa que nem era do partido, tradicionalmente, à presidente. Hoje o PT não tem diferença nenhuma dos outros partidos.
- A opção por Marina Silva: [...] Entre os candidatos que estão aí, é ela quem tem as melhores condições, do ponto de vista de sua vida, do trabalho que já fez e se propõe a fazer...
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