quinta-feira, 30 de setembro de 2010

A federação Nacional dos Jornalistas toma posição contra no golpe midiático. Abaixo, manifesto dos profissionais:

Em defesa dos jornalistas, da ética e do direito à informação


O conceito de golpe midiático ganhou notoriedade nos últimos dias. O debate é

público e parte da constatação de que setores da imprensa passaram a atuar de

maneira a privilegiar uma candidatura em detrimento de outra. É legítimo - e

desejável – que as direções das empresas jornalísticas explicitem suas opções

políticas, partidárias e eleitorais. O que é inaceitável é que o façam também fora


dos espaços editoriais. Distorcer, selecionar, divulgar opiniões como se fossem fatos não é exercer o jornalismo, mas, sim, manipular o noticiário cotidiano segundoresses outros que não os de informar com veracidade.


Se esses recursos são usados para influenciar ou determinar o resultado de uma
eleição configura-se golpe com o objetivo de interferir na vontade popular. Não se
trata aqui do uso da força, mas sim de técnicas de manipulação da
opinião pública. Neste contexto, o uso do conceito “golpe midiático” é
perfeitamente compreensível.


Este estado de coisas só acontece porque os jornalistas perderam força e importância

no processo de elaboração da informação no interior das empresas. Cada vez menos

jornalistas detêm o poder da informação que será fornecida à opinião pública. Ela
passa por uma triagem prévia já no seu processo de edição e aqueles que descumprem a
dita orientação editorial são penalizados. Também nunca conseguem atingir cargos de

direção que, agora, são ocupados por executivos que atendem aos interesses de

comitês, bancos associados, acionistas etc.


Esse estado de coisas não apenas abre espaço para que a mídia atenda a interesses
outros que não o do cidadão, como também avilta a profissão de jornalista, precariza

condições de trabalho e achata salários. A consequência mais trágica disso é a

necessidade de se adaptar ao “esquema da empresa” para garantir o emprego, mesmo em detrimento dos valores mais caros.


Para avançar nessa discussão é necessário estabelecer a premissa de que informar a
população sobre os desmandos do governo (qualquer deles) é dever da imprensa.

Orquestrar campanhas pró ou contra candidatos é abuso de poder. A linha divisória

entre esses campos é tênue e cabe ao jornalista, respeitando o profissionalismo e a

ética, estabelecer o limite tendo em conta o que é de interesse público.


Não podemos incorrer no erro de instaurar na cobertura de fatos políticos os erros
cometidos em outras áreas, ou seja, o pré-julgamento (que dispensa provas, pois o

suspeito está condenado previamente) e o jornalismo espetáculo (que expõe situações

de maneira emocional para provocar reações extremadas).


A ideia de debater e protestar contra esse estado de coisas resultou na realização
do ato em defesa da democracia e contra o golpismo

midiático realizado no auditório do Sindicato dos Jornalistas. A proposta surgiu em

conversa entre blogueiros, foi assumida pelo Centro de Estudos da Mídia Alternativa
Barão de Itararé, que procurou o Sindicato dos Jornalistas e este aceitou sediar o
evento.

A sociedade sabe que o local ideal para este debate é o Sindicato dos Jornalistas.

Não apenas porque os jornalistas são parte importante nesse processo, mas,

principalmente, pela tradição da entidade em ser um espaço democrático aberto às

diversas manifestações públicas e de interesse social.


O que está em discussão são duas concepções opostas, uma que considera a informação
um bem privado, passível de uso conforme interesses pessoais, e outra que entende a
ação como direito social, portanto, regulado por um “contrato social”,
exatamente como acontece com a saúde ou a educação.

Ter direito de resposta, garantir espaço para que o contraditório apareça,  impedir o monopólio da mídia, tornar transparente os mecanismos de outorga das
empresas de rádio e TV, destinar parte da verba oficial para pequenos veículos,
criar a rede pública de comunicação, regulamentar as profissões envolvidas com a

mídia, não são atos de censura, são movimentos em defesa da liberdade de expressão

e cidadania!


O grupo dos liberais quer, a qualquer custo, impedir que o conceito de direito
social seja estendido à informação. A confusão feita entre liberdade de opinião, de

imprensa, de informação, de profissão e o conceito de censura e de controle público

é intencional. Essa confusão é visível na argumentação utilizada pelo Ministro

Gilmar Mendes para acabar com a necessidade do diploma de jornalismo. O objetivo é

impedir que as ideias por trás das palavras sejam claramente entendidas pelo cidadão

e, assim, interditar qualquer reivindicação popular nesse campo.

A liberdade de imprensa é o principal instrumento do jornalista profissional. Não é propriedade dos proprietários
dos de comunicação. O verdadeiro ato em favor da liberdade de imprensa é
feito em defesa do jornalista e, por consequência, diminui o poder da empresa. O

problema é que, a exemplo do que escreveu George Orwell no livro 1984 quando criou

a novilíngua (que pretendia reduzir o vocabulário, eliminar sinônimos e fundir

palavras para diminuir a capacidade de pensamento), o conceito de liberdade de

imprensa foi virado pelo avesso e, uma vez apropriado pela empresa de comunicação,
passou a diminuir o papel do jornalista obrigando-o a se submeter às engrenagens do
poder empresarial. Não é por acaso que existe a frase, ao mesmo tempo trágica e

engraçada, de que apenas existe “liberdade de empresa”.

Não é por acaso que o debate sobre liberdade de imprensa e democratização da mídia

está presente na campanha eleitoral deste ano. Não é uma briga entre partidos ou

candidatos, é uma questão bastante difundida na sociedade e que exige
posicionamento público das autoridades. A Associação Nacional de Jornais - ANJ
está preparando um código de autoregulamentação para a imprensa que vem,

exatamente, no sentido de fazer algo para impedir que o Estado ou a sociedade

organizada o faça. Lembremos das palavras do escritor Giuseppe Tomasi di

Lampedusa, em O Leopardo, “mudar para continuar igual”.


O debate público precisa ser aprofundado e ele não será feito com preconceitos
ideológicos, mas, sim, a partir de análise apurada da realidade e das necessidades

da democracia que, entendemos, não se concretiza sem o chamado “contrato social” que

regra a atividade humana, impedindo que os mais fortes destruam os mais fracos.


Estamos clamando pela verdadeira liberdade de imprensa, pela ética profissional e

pelo direito do cidadão de informar e ser informado!


Brasília, 25 de setembro de 2010
Federação Nacional dos Jornalistas

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