domingo, 10 de outubro de 2010

Nova carta de Alberany, o abominável ,que também tornou-se ímpio

Teerã, 16 de março de 1620, 

Eis o que se segue:



Se lestes minha carta anterior, sabeis que estou nesta aprazível cidade onde perpetrei minhas iniquidades e provoquei a fúria popular. A meu lado um amigo judeu, que chegou providencialmente num tapete voador e fez fogo nutrido contra a malta de muçulmanos que me atacava, dizendo todos eles que eu havia desrespeitado Alá. 

Refugiei-me, e no momento estou na sede da ONU, que nesse tempo funcionava em Teerã.
À porta, iracundo e querendo me matar, está homem que se anuncia pelo nome de Osama.


Ouço gritos que me soam assim Alá akbar!, Alá akbar!. Nao entendo nada, mas já ouvi esses mesmos gritos em filmes americanos que tratam do terrorismo islâmico. Desesperado, tento traduzir essa algaravia e me dou conta de que eles anunciam queremos um bar!, queremos um bar!. 

Pensamento rápido, como é comum a abomináveis como eu, que agora sou um ímpio aos olhos dos muçulmanos, peguei o judeu pelo braço e me atirei à esquina mais próxima onde inaugurei um bar pé sujo com bebidas a preço de ocasião. Não deu outra: os muçulmanos acorreram em grande algazarra e logo estavam todos bêbados. Aí um deles se lembrou: um seguidor de Alá não bebe. E todos se sentiram em pecado mortal. Arrancavam os cabelos e se sobriam de cinzas.

Mas a solução teológica veio rápida: o judeu os converteu ao catolicismo. Católicos, como se sabe, podem beber à vontade e todos se sentiram sem culpa. Mas logo em seguida chegaram Calvino e um outro, que se dizia ser Lutero, e fundaram o protestantismo. Todos os católicos-muçulmanos viraram protestantes. Todavia, como sói acontecer, ainda havia muçulmanos fiéis à religião avoenga e os atacaram. E os protestantes embarcaram no May Flower e foram para a América e assim sugiram os Estados Unidos. 

Quando Osama chegou lá arrependeu-se e fugiu para o Afeganistão. Enquanto isso, eu e o judeu tínhamos planos: subimos ao tapete voador e fugimos. Mas o tapete teve problemas de motor e acabou caindo numa terra chamada Brasil. Então, percebemos a nossa desgraça: eu estava longe da sede do meu banco - lembre-se que disse na carta anterior que sou banqueiro e ocioso. Meu banco fica em Genebra e eu havia perdido o cartão de crédito. Assim, nada podia comprar. Nem mesmo um mísero pão.

Dedicamo-nos então a roubar roupas de mendigos para vendê-las a preços altíssimos a quem se quisesse  iniciar naquela rendosa profissão. Montamos um grande shopping center com os lucros, mas então o meu amigo judeu comprou um tapete mágico equipado com grandes armamentos e seguiu para a Faixa de Gaza, a fim de dar cobro à vida de palestinos. 

Fiquei sozinho. Agora darei início a rendoso negócio que consiste em vender corcundas, pernas tortas e braços em forma de "U" a malandros que desta ignóbil arte queiram tirar sólido proveito. Além disso publiquei o seguinte anúncio nos jornais:

A quantos puder interessar e virem este anúncio aqui publicado por graça deste jornal - que não tenho como pagar tais ditirambos - digo que sou bom portador e tenho largos predicados que a bem muitos podem ser úteis - uma vez que se me contratam podem livrar-se de pecar e até mesmo cometer atos que venham com a lei a ser punidos. Pecados e crimes me serão atribuídos e fica o mandante livre de tais lástimas. Sou conhecido nas Cortes portuguesas, em Londres e até em Moscovo, na Birmânia e em Nápoles, onde é bem grande a minha fama de grande prestador, ilibado falsário e respeitável velhaco. Listo abaixo os meus pendores:

  • Dou esmolas: se o leal senhor tende a ser bonaçoso com os mais abaixo situados, com isso aparecendo em jornais louvado mas não quer sujar as luvas ao toque dos finórios que veem buscar o seu dinheiro - dê-mo que o distribuirei. A dez por cento do total, vou a todos os malandros, rufiões e preguiçosos do seu burgo e terão um quinhão miserável de esmola, e o grande senhor angaria poderável admiração dentre os seus pares.
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  • Proclamo blasfêmias: se o senhor ou a senhora por um momento fraqueja sua fé em Deus e na Igreja, nos santos e nos anjos; bem como nos arcanjos, querubins e serafins, além de padres e freiras, frades e outros rezadores, quer blasfemar mas não pretende ser punido por tais atos, vinde a mim que a tudo assumirei . Anunciarei que o Céu é uma conjura. E que lá habitam mandriões que vivem da fé dos tolos e dos desesperados. E elaborarei epítetos tão terríveis contra toda a santidade que, temo, serei metido a ferros, como já me aconteceu em Madrid. Mas a Fortuna foi comigo: o bom soldo recebido pelas blasfêmias serviu para subornar a guarda e em dois dias me vi solto a gritar contra Deus e contra as sacrossantas hostes.
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  • Roubo dos pobres e ataco os infelizes: se o jovem rapaz é um pândego, um nefelibata cruel, um flâneur malvado e insão, estou a vosso dispor. Querendo livrar-se dos quépis da polícia ou da vara fusigante dos vossos pais, por vós praticarei terríveis e ignóbeis intentos, se é que me entendeis. Sei que jovens assim saem aí a consumar horrores. Assim, a bom dinheiro, posso empurrar cegos em direção aos trens nas vias férras e aplicar magistrais rasteiras em aleijados, derribar santos de altares e surrar à noite os desgraçados que dormem ao relento. Posso também provocar incêndios criminosos em teatros lotados e exaltar o pânico nas ruas. E tudo isso sem que o nobre e injusto contratante corra o risco de enfrentar o garrote da polícia ou o justo linchamento popular. Aos meus préstimos incluo enganar viúvas, apoderar-me de pensões, desviar fundos dos pobres e engabelar pessoas ingênuas em filas de necessitados. Depois, ponho-me a esmurrá-los e fujo em meio a grande estrépito.
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  • Promovo assombrações: caso o senhor ou a senhora tem intentos molestos contra pessoas que morem em lúgubres solares, casas sombrias, casteletes de nobres arruinados, mansões malsinadas e que tais, sou a pessoa ideal para aterrorizar tais moradores. Em França, digo com orgulho, matei pelo menos dez velhotes com minhas artimanhas. Toda a Paris enlouqueceu. Ao lado de um magote de mandriões que tenho sempre a meu serviço, invado sorrateiro a todos aqueles tugúrios e, com atos malfazejos e de bom tamanho, promovo tal e enlouquecedora confusão com espíritos terríveis e seres do outro mundo, que provoco, no mínimo, convulsões e histeria. Não raro deixo atrás de mim um incêndio ou uma ebulição.
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  • Desvio dinheiro de fundos públicos e da Bolsa: caso o cavalheiro seja apostador da Bolsa e tema ver por terra os seus cabedais, posso interferir galhardamente. Fraudo os pregões, falsifico documentos, assumo as mais honoráveis tribunas e anuncio grandes coisas danosas. De tal forma que todos lhe venderão suas ações a preço vil e vereis prosperar vossa fortuna num piscar de olhos. Nas Câmaras e Senado tenho mil contatos e solertes acertos: desvio verbas e remunero os amancebados com os dinheiros públicos; ganho também a confiança dos ilustres, que sem perceber assinam documentos sebosos e dão dinheiro a quem merece nada. Recebo após a minha parte e sumirei de vossas vistas sem que comigo tenhais nenhum contrato.
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  • Apupo as autoridadedes: todavia, se quereis promover a desordem e o grito, a ânsia popular enlouquecida, posso me voltar contra a lei e a ordem. Sempre em conluio com grei de insensatos apupo quando passa uma autoridade. E mesmo que seja homem ou mulher de grandes graus, honrados e mui, eu os faço parecer carnífices das coisas sociais e os levo à grilheta da desonra. E promovo tais e tamanhas hordas, que em pouco tempo o povo sairá às ruas a praguejar contra não se sabe o quê. Depois, instalada a confusão, fujo em meio ao despautério e me gabo de tanto dissabor. 
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  • Chamo a adoração a falsos deuses: lembro a v.m. que também sou especialista em chamar à adoração o povo inteiro. Em muitos e mui reais países criei e dirigi muitas religiões e toda a patuleia me obedeceu e me seguiu. Eis que anuncio o fim dos tempos e a falência de todas as religiões. E, pensando que mortas estão as coisas inefáveis em que acreditavam, as multidões vêm à mim enlouquecidas, que é forçoso em algo acreditar. E os mando atiçar monstruosas procissões, acendem-se círios e cantam-se hinos que não têm qualquer sentido. E recolho óbolos ricos e encho muito as minhas burras. Tudo isso posso promover a vosso gosto. Ganhareis trinta dinheiros de tais prociessões, se contratardes os meus serviços.
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  • Promovo jogos: se quereis, nobre senhor, nobilíssima senhora, vos divertir com o povo, fazê-lo dançar em grande malta, eis-me aqui a prestar tão grão serviço. Promovo jogos!, senhores, é que jogos! Reúno a meu redor meu bando de finórios e eles saem a propagar que com os jogos todos serão felizes tal-qualmente os ricos e ornados. E o povo guincha, e salta e vive com tais jogos. Sempre no fim há confusão: e lhes vem a polícia, o malho forte a desfazer total a hecatomba. E vós rireis de vossos tronos assentados, enquanto a súcia e a gente vagabunda chora agora em desespero.
Ao que vistes, é grande a minha arte e alto o meu saber. Não me identifico por inteiro, pois os polícias estão sempre a meu encalço. Sou artífice de muitas sapiências e supremo em minhas condições. Se quereis um mago do terrível, deixai correspondência na portaria deste jornal que a bondosa gente que aqui trabalha a mim me comunicará. Lestes o que faço. Sabeis o que sou. Assim como eu, antecipadamente, sei que trabalho com iguais.

Saudações deste patife,
Alberany, o abominável 

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