sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Amor à chilena

Walter Medeiros
 
Aquele homem – Manuel González – entrou na cápsula nunca antes usada por um ser humano, para percorrer um caminho nunca antes percorrido, com uma total incerteza sobre o resultado, num verdadeiro salto no escuro, com o único objetivo de ajudar seus semelhantes. Os que ficaram para trás, no solo, entoaram um cântico que os antropólogos, psicólogos e outros doutores talvez um dia expliquem, para dizer ao mundo que naquele momento estava sendo concebido um herói. 

Ele seria gestado durante um dia inteiro, ao chegar à caverna com setecentos metros de profundidade; ao abraçar cada um dos 33 mineiros soterrados na mina San José, em Copiapó, Atacama, Chile; ao orientar cada um sobre a forma de ganhar nova vida, subindo por aquele túnel vertical para inaugurar experiência jamais utilizada; ao ficar tão solitário por cerca de meia hora, até chegar, por último, à superfície inundada de emoções por pessoas, gestos, pensamentos e desejos que chegavam para demonstrar que o mundo inteiro estava solidário com todos eles.

Naquele momento nascia um novo herói, sob o manto protetor do universo, da natureza, que concatenou para que tudo saísse conforme programado, sem qualquer problema operacional. Ficou na memória, para sempre, seu gesto solitário acenando para a câmera antes de ingressar na cápsula que encerraria o resgate dos mineiros e que ficará na história da humanidade.

Lá fora, aquele desfile contagiante de amor familiar, que teve tantos momentos apoteóticos: da saída/chegada do primeiro mineiro resgatado; do surgimento de cada um dos outros soterrados; da chegada/saída do último mineiro e do regresso dos heróicos socorristas, que desceram ao buraco quente e apertado daquela mina, para aflição de todos os que fixavam os olhos na tela da TV. E o entoar do hino nacional chileno, cantado com tanta altivez e orgulho patriótico por todos os que festejavam o grande feito, pelo país inteiro.

Em cada grito de “Chi Chi Chi Lê Lê Lê” estava contido o desabafo vitorioso de quem denominou de Fenix aquela pequena cápsula salvadora, certamente energizada por tanto poder advindo do ressurgir sucessivo, depois dos imensos terremotos da sua história, inclusive aquele que enfrentaram de forma tão comovedora, já neste ano. Aos poucos assistíamos a consolidação de um plano de resgate excepcional, que expunha uma prática organizacional de excelente qualidade. 

Impossível assistir aquelas cenas, cheias de emoções e exemplos, sem passar também por uma forte mudança, resultante dessa nova experiência em si. Momentos de solidariedade, moral, garra, coragem e heroísmo, que renovam a fé num mundo melhor, mais justo, mais humano.
*Jornalista

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