Mexendo nos arquivos do computador encontrei esta belíssima crônica de Augusto Severo Neto. Poeta, aviador, cronista, trato ameno, ótima conversa. Quando eu editava um caderno especial na Tribuna do Norte, idos dos anos 80, ele sempre me trazia belas crônicas, editadas para os domingos. Eu escolhia criteriosamente a ilustração e ele me dizia: "Barreto, só você sabe editar meus escritos." Bobagem, bondade dele. Mas eu me esforçava. Abaixo, o magnífico texto de um grande amigo que hoje é saudade.
Um sábado de maio
Augusto Severo Neto
Um sábado qualquer do mês de maio. Maio das flores e das noivas, de um tempo em que isso não significava apenas uma promoção a mais de diretores lojistas, das lojas de eletrodomésticos, dos magazines de confecções e outros como tais. Mês de maio inteiro e de vergonha, daqueles que, às vezes, ainda aparecem nos antigos filmes e nos romances de primavera e de amor.
Sendo sábado e principalmente sábado de maio, era dia de footing na Ribeira. Isso significava que a rua Doutor Barata, a rua das Virgens, a Duque de Caxias, a Tavares de Lira e principalmente a Praça Augusto Severo (cuja estátua ostentava um ar particularmente feliz), estavam floridas de mulheres bonitas, que desfilavam seus vestidos de melindrosas, suas meias de seda e seus sapatos de saltos altos e grossos, semelhantes aos das dançarinas de flamengo, até mesmo pela correia trespassada no peito do pé. Era um colorido macio de tons pastéis, que harmonizavam com os rubans de vlours em torno do pescoço onde se costumava prender uma flor, ou terminados em laço, cujas pontas pendiam adiante e atrás, sobre as espáduas. Somava-se a isso o brilho dos pendentifs de coral encastoado em ouro; de esmalte, com o retrato do ser querido, ou ainda tipo coffret ultra pequeno, contendo uma romântica mecha de cabelos. Além disso, os colares, os anéis, as pulseiras e os brincos de pérolas, rubis, esmeraldas ou brilhantes, igualmente encastoadas em ouro.
Também naquele sábado, os homens envergavam seus melhores ternos, duques ou jaquetões, ou blazers de mescla inglesa, cinza chumbo, com calças pretas, com riscas de giz. Podia ser que estivessem ainda de calças de flanela branca ou creme bem claro, com paletó azul, tipo comodoro, com botões de metal. Meias de seda ou de fio de Escóssia, cuidadosamente estiradas pelas ligas. Sapatos de duas cores (branco e marrom), ou então negro, de verniz ou pelica. O uso do colete era comum e havia uma predominância de gravatas-borboletas em seda, com petit-pois vermelhos, verdes ou de outras cores, mais ou menos graúdos. Se a gravata era de manta, trazia, quase sempre, um alfinete ou um prendedor de ouro, com uma pérola preciosa, ou o monograma de quem os usava.
João Alves de Melo, da Photografia Elite e João Galvão do Photo Chic eram os fotógrafos da cidade e estavam ali presentes, atendendo moças, moços ou casais que quisessem guardar, como lembrança, uma foto em uma das passarelas-pontes da praça; debruçados no belo coreto; junto a Erma com o medalhão de Nísia Floresta Brasileira Augusta; sentados em um dos bancos de ferro forjado e pinho-de-Riga; ou ao pé do chafariz com sua graciosa indiazinha apertando a cabeça da serpente, de cuja boca saía um jorro de água. A Erma, o Chafariz e os bancos sumiram; as pontes-passarelas e o coreto foram destruídos, para dar lugar a isso que vocês estão vendo.
Do primeiro andar da Escola Doméstica fundada pelo Doutor Henrique Castriciano (irmão de Eloy e de Auta de Souza), as alunas internas olhavam a paisagem festiva e respondiam aos acenos dos moços da praça. A loja Paris em Natal estava com as vitrinas iluminadas e expunha seus artigos mais finos. Por entre os pares, na praça, havia vendedores de flores e garotos que carregavam taboleiros, oferecendo açúcar candi, sequilhos, alfenins, chocolates, "Charuto" e confeitos "Baratinha". Ouvia-se também o retinir do triângulo do vendedor de cavaco chinês. A sorveteria Polyteama estava cheia e era grande o consumo dos sorvetes e dos "polys".
À noite a festa continuaria. Haveria o concerto de uma cantora lírica no Theatro Carlos Gomes e um baile a rigor no Aero Clube. Luxuosos longos, muitas jóias, casacas e fraques, além dos primeiros smokers que começavam a aparecer. João Galvão e João Alves estariam presentes, espoucando seus flashes de magnésio e documentando fotograficamente as belas e os elegantes. Depois tudo sairia publicado n’A Cigarra, do saudoso e inesquecível Adherbal de França, o Danilo, primeiro cronista social da cidade."
Foto: http://www.substantivoplural.com.br/%E2%80%9Chistoria-da-cidade-do-natal%E2%80%9D/
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