quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Alberany, o abominável, envia carta ao Marquês de Camisão, quando se lhe propõe coisas indignas e ignóbeis negócios
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Terra Brasilis, 13 de junho de 1730

Digníssimo Marquês de Camisão, a Vossa Graça declaro o que se há de ler.

Após participar a vosso lado em tropelias a bulícias, explorando o povo e espoliando a quem mais tinha, reservei esta noite ao pensamento e à meditação, na busca de palavras que vos possam agradecer tão intensa acolhida na mansão donde administrais tantos feitos e muitos tratos. 

Eis que eu, e toda a grei que me acompanha, somos na verdade um conluio e sociedade, partido e assembleia; somos grêmio, congregação e raça de mentes viperinas, e vos somos todos muito gratos. Nesta casa, Vossa Graça, encontramos ambiente ideal para o ócio, as tramoias e o descanso de nossos corpos malvados, enquanto em nossas mentes gentias pensamentos malsãos ganham forma e luzem brilho.

Assim, em meio às minhas meditações, e ainda sob o agradável impacto de vossa benevolência acolhedora, venho agradecer e propor planos e projetos, itenções e desígnios que serão levados a cabo com nosso engenho e outros artifícios. 

Como bem o disse, estou em companhia de indivíduos de comportamento insalubre e gestos de esperteza, atos malsinados e golpes ignóbeis. São homens faladores e tipos sinuosos, gente da escolha e sujeitos de refinada escória. São piratas e trapaceiros, mandriões e bufarinheiros, biltres e farsantes. Também os há versados na arte do venefício e autores de delitos qualificados, golpes contra os tesouros nacionais e crimes hediondos. Me acompanho de sicários e malfeitores, todos facínoras de grande nomeada. Assassinos mais perfeitos jamais vereis que dentre os meus. Nem algum de fora que possa se igualar a meus falsificadores de documentos régios, detratores da honra dos bons e malabaristas das contas públicas.


Trago também mulheres da fortuna e velhas alcoviteiras, fazedoras de feitiços e filtros os mais solertes; rezadoras e pitonisas, carpideiras e mistificadoras, lascivas e enganadoras. Rogadoras de pragas e tipas para todos os tratos sem limite de exclusão.

Como vedes, Vossa Graça, essa cavalhada de insetos é tão nociva quanto a sua diversidade. Comigo tendes desde o mais abjeto saltimbanco ao mais competente portador da adaga; da mais requitada mente criminal para o manuseio dos tratos régios aos mais elegantes patifes; palradores condoreiros e oradores de inigualável eloquência, além de foliculários e intrigantes. Não conhecemos a palavra escrúpulo e desdenhamos da honra e do pudor.

Com tais homens, Vossa Graça, poderemos investir contra o povo e usurpá-lo facilmente, que é do povo curvar-se a quem o curva. Poderemos infiltrar-nos nas Cortes e nos salões, assembleias de homens ditos bons e concílios de toda ordem. E assim, aderidos ao poder, do qual já fazeis parte pela própria condição nobiliárquica, dominaremos as rédeas da nação e quiçá de outros povos que também nos servirão de boa lavra.

O que vos proponho, Graça Excelsa, é que nos ponhamos a pensar em conjunto a fim de que nossos intentos venham a trovejar, nosso poder a crescer e nossos cabedais a aumentar de força plena. Tendes já a vosso lado o papagaio e a anta, magníficos conselheiros que de há muito vos acolitam e iluminam vossas sábias e imponentes decisões. 


Ao que vos proponho, trabalharemos contra o povo dizendo a este servir. E o povo exultará com isso. Atuaremos dentro da ordem assegurando nossa parte, que é da ordem mesmo o esbulho, o roubo e a pilhagem; a falcatrua, o ganho e os dividentos indevidos, o opróbrio dos pobres e o vexame dos humildes, a espoliação da viúva e dos seus órfãos. E, metidos dentro da ordem, jamais poderemos ser punidos; se o formos, toda a ordem também o será, pois a ordem é igual a nós e ninguém pune àquele que é o seu espelho. 

Passaremos por cortesãos e homens de valor, cavalheiros e dignos burgueses. Daremos festins de suma elegência e iremos, opíparos, a folguedos a que somente têm acesso os grandiosos e os maiorais, os déspotas e os vizires. E nossos foliculários nos louvarão em suas folhas e atacarão àqueles que nos atacarem. E elogiarão os ricos tolos para que se sintam maiores. E deles daremos cobro ao dinheiro. 

Iremos aos púlpitos e aos comícios e faremos promessas milenaristas. O povo acreditará no leite jorrando das torneiras e no pão à tripa forra. Tomaremos o poder e os nobres nos temerão, pois somos iguais a eles e eles sabem do que eles são capazes e portanto que somos capazes do que eles seriam capazes. Operaremos prodígios de corrupção e fabricaremos armas de excepcional mortandade. Divulgaremos crenças apocalípticas e anunciaremos o fim dos tempos. Aplicaremos castigos aos maus e por eles nos serão os pecados perdoados. E aplicando o fuste aos malvados de valor, ao povo apareceremos como se salvadores o fôssemos. Ave!

Destarte, Vossa Graça, eis-me aqui, sem me rir sem chorar, colocando à vossa vassalagem toda uma equipa de tratantes e malfeitores, mandriões e expertos em negociatas. Esta vos será entregue, para que mediteis sobre tão graves e largos intentos.

Desde que vos serve com radiância e alegria,
Alberany, o abominável







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