Saúde, ou cadeia para quem nega saúde
A alegada incompetência do Estado no provimento de serviços é o motivo apresentado para que a iniciativa privada cresça e ocupe espaços que seriam, de origem, responsabilidade estatal, portanto, social. Há alguma ponderabilidade em tal afirmação, uma vez que a letárgica ação da máquina pública, com a cultura da burocracia e do absenteísmo dos funcionários, parece confirmar a assertiva de que o Estado deve ser varrido do mapa, deixando-se tudo a critério da iluminada iniciativa privada - desde que haja lucro, claro.
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A ação do Estado, todavia, não elide o fato de que este é patrimonializado pelo privado, colocando-se, desta forma, o público a serviço do privado. Esse o nó górdio da questão: o Estado não é entidade acima, não é um ente com vida própria, não é um alguém. O Estado, enquanto poder organizado, enquanto sistema jurídico, é colonizado por representantes do privado que ali semeiam seus interesses e prioridades. Daí a inxistência de disposição histórica de reverter situações estruturais e conjunturais e favor do social.
Desta forma foi fácil, no Brasil, imergir-se o aparelho estatal em sua forma desinteressada de atender a questões como a saúde pública com a celeridade necessária. Veja bem, eu disse "imergir-se", não "imergir" o Estado a tal situação. Quero dizer que o Estado não imergiu, foi imerso, ao longo de sucessivos aluviões históricos, a tal situação. Não há interesse dos que representam o privado em fazer com que o serviço público caminhe como deveria. E isso é fácil, pois são as elites quem corporifica fisicamente o Estado e usa de suas instituições em proveito próprio.
Colocando a situação em termos práticos: o setor saúde foi negligenciado, abrindo-se caminho aos planos de saúde que, como empresas, visam o lucro, não importando a que custo, socialmente falando. Não importando a que dores, humanamente se dizendo, sejam atirados doentes, pessoas fragilizadas fisica e psicologicamente.
Notícia da Folha que abaixo transcrevo exibe à plenitude o que afirmo. Doentes "caros" são encaminhados ao SUS a fim de que deixem de "dar prejuízo" aos donos da saúde. A crueldade com que tais decisões são tomadas, a partir unicamente de planilhas de custos é estarrecedora. O mais triste é que tais atitudes são corroboradas pela máquina do Estado e não poderia ser diferente: afinal, esta organização chamada Estado foi sucateada exatamente para atender aos interesses dos planos de saúde.
Uma definição de dicionário diz que saúde é "estado de boa disposição física e psíquica; bem-estar". Creio que é suficiente para compreender o que quero dizer: o homem em estado de plenitude, situação holística do sentir-se bem e isso é muito importante; é muito sério e exige muito mais que o exame deste artigo de jornal. Exige disposição política, capacidade de entender que o Estado tem sim responsabilidade e deve assumir por inteiro a socialização dos serviços de saúde. É difícil? É. É caro? Também. Mas isso não exime que um governo, se tiver efetivamente disposição para tanto, de assumir a tarefa histórica de cumprir com o seu papel. Leia a matéria da Folha e veja se não tenho razão. Chega a ser chocante a desfaçatez dos planos de saúde objetivando impedir que as pessoas tenham saúde.
A iniciativa privada deve ser chamada a cumpria com a missão que assumiu. Ou pagar pesadamente, falo em justiça, falo em cadeia, caso não cumpra o que promete em suas tão propaladas eficiência e eficácia. Já que assumiu um serviço público, atenda ao público.
Plano de saúde usa SUS para não pagar medicamento caro
DE SÃO PAULO
Cinco usuários de diferentes planos de saúde confirmaram a prática à Folha. O Idec (Instituto de Defesa do Consumidor) também já registrou queixas sobre isso. O caso mais recente envolve a Porto Seguro Saúde e um empresário paulista da área têxtil, D.L., 52, que sofre de artrite reumatoide.
Há três anos, o plano cobre o tratamento com a droga Remicade (infliximabe), aplicada na veia. Ele fica uma noite internado para isso. Há um mês, porém, a Porto informou, por e-mail, que não cobriria mais o remédio e o orientou a buscá-lo no SUS --o frasco de 100 ml custa R$ 4.000. A cada dois meses, L. usa cinco frascos.
Segundo a advogada Daniela Trettel, do Idec, pela lei, toda medicação que exige internação para ser administrada deve ser fornecida pelo plano de saúde. A ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) também confirma a informação.
| Rodrigo Capote/Folhapress | ||
| Pacientes retiram remédio de alto custo na farmácia do SUS em AME do Belenzinho, na zona leste de São Paulo |
Por meio de nota, a Porto Seguro Saúde confirmou que encaminhou o segurado D.L. para buscar a medicação no SUS. Diz que a empresa "tem como política sempre oferecer soluções e alternativas viáveis" aos seus segurados.
"Há anos existe um programa regular estatal de fornecimento de medicamentos de alto custo à população. Quando um tratamento não tem cobertura pelo rol da ANS, orientamos sobre a existência deste serviço."
Questionada sobre o motivo que a levou a ressarcir a medicação por três anos, a Porto alega que uma nova resolução da ANS definiu a não cobertura a droga. Mas, na lista de procedimento excluídos pela ANS, não consta o Remicade.
Procurada novamente ontem à noite, a Porto Seguro não respondeu.

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