terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Saúde, ou cadeia para quem nega saúde

A alegada incompetência do Estado no provimento de serviços é o motivo apresentado para que a iniciativa privada cresça e ocupe espaços que seriam, de origem, responsabilidade estatal, portanto, social. Há alguma ponderabilidade em tal afirmação, uma vez que a letárgica ação da máquina pública, com a cultura da burocracia e do absenteísmo dos funcionários, parece confirmar a assertiva de que o Estado deve ser varrido do mapa, deixando-se tudo a critério da iluminada iniciativa privada - desde que haja lucro, claro.

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A ação do Estado, todavia, não elide o fato de que este é patrimonializado pelo privado, colocando-se, desta forma, o público a serviço do privado. Esse o nó górdio da questão: o Estado não é entidade acima, não é um ente com vida própria, não é um alguém. O Estado, enquanto poder organizado, enquanto sistema jurídico, é colonizado por representantes do privado que ali semeiam seus interesses e prioridades. Daí a inxistência de disposição histórica de reverter situações estruturais e conjunturais e favor do social. 

Desta forma foi fácil, no Brasil, imergir-se o aparelho estatal em sua forma desinteressada de atender a questões como a saúde pública com a celeridade necessária. Veja bem, eu disse "imergir-se", não "imergir" o Estado a tal situação. Quero dizer que o Estado não imergiu, foi imerso, ao longo de sucessivos aluviões históricos, a tal situação. Não há interesse dos que representam o privado em fazer com que o serviço público caminhe como deveria. E isso é fácil, pois são as elites quem corporifica fisicamente o Estado e usa de suas instituições em proveito próprio.

Colocando a situação em termos práticos: o setor saúde foi negligenciado, abrindo-se caminho aos planos de saúde que, como empresas, visam o lucro, não importando a que custo, socialmente falando. Não importando a que dores, humanamente se dizendo, sejam atirados doentes, pessoas fragilizadas fisica e psicologicamente.

Notícia da Folha que abaixo transcrevo exibe à plenitude o que afirmo. Doentes "caros" são encaminhados ao SUS a fim de que deixem de "dar prejuízo" aos donos da saúde. A crueldade com que tais decisões são tomadas, a partir unicamente de planilhas de custos é estarrecedora. O mais triste é que tais atitudes são corroboradas pela máquina do Estado e não poderia ser diferente: afinal, esta organização chamada Estado foi sucateada exatamente para atender aos interesses dos planos de saúde. 

Uma definição de dicionário diz que saúde é "estado de boa disposição física e psíquica; bem-estar". Creio que é suficiente para compreender o que quero dizer: o homem em estado de plenitude, situação holística do sentir-se bem e isso é muito importante; é muito sério e exige muito mais que o exame deste artigo de jornal. Exige disposição política, capacidade de entender que o Estado tem sim responsabilidade e deve assumir por inteiro a socialização dos serviços de saúde. É difícil? É. É caro? Também. Mas isso não exime que um governo, se tiver efetivamente disposição para tanto, de assumir a tarefa histórica de cumprir com o seu papel. Leia a matéria da Folha e veja se não tenho razão. Chega a ser chocante a desfaçatez dos planos de saúde objetivando impedir que as pessoas tenham saúde. 

A iniciativa privada deve ser chamada a cumpria com a missão que assumiu. Ou pagar pesadamente, falo em justiça, falo em cadeia, caso não cumpra o que promete em suas tão propaladas eficiência e eficácia. Já que assumiu um serviço público, atenda ao público.

Plano de saúde usa SUS para não pagar medicamento caro

DE SÃO PAULO
Hoje na Folha Planos de saúde têm empurrado seus segurados ao SUS para buscarem remédios ou procedimentos que deveriam ser cobertos por eles. A informação é da reportagem de Cláudia Collucci publicada na edição desta terça-feira da Folha (íntegra disponível para assinantes do jornal e do UOL).
Cinco usuários de diferentes planos de saúde confirmaram a prática à Folha. O Idec (Instituto de Defesa do Consumidor) também já registrou queixas sobre isso. O caso mais recente envolve a Porto Seguro Saúde e um empresário paulista da área têxtil, D.L., 52, que sofre de artrite reumatoide.

Há três anos, o plano cobre o tratamento com a droga Remicade (infliximabe), aplicada na veia. Ele fica uma noite internado para isso. Há um mês, porém, a Porto informou, por e-mail, que não cobriria mais o remédio e o orientou a buscá-lo no SUS --o frasco de 100 ml custa R$ 4.000. A cada dois meses, L. usa cinco frascos.
Segundo a advogada Daniela Trettel, do Idec, pela lei, toda medicação que exige internação para ser administrada deve ser fornecida pelo plano de saúde. A ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) também confirma a informação.

Rodrigo Capote/Folhapress
Pacientes retiram remédio de alto custo na farmácia do SUS em AME do Belenzinho, na zona leste de São Paulo
Pacientes retiram remédio de alto custo na farmácia do SUS em AME do Belenzinho, na zona leste de São Paulo
OUTRO LADO
Por meio de nota, a Porto Seguro Saúde confirmou que encaminhou o segurado D.L. para buscar a medicação no SUS. Diz que a empresa "tem como política sempre oferecer soluções e alternativas viáveis" aos seus segurados.

"Há anos existe um programa regular estatal de fornecimento de medicamentos de alto custo à população. Quando um tratamento não tem cobertura pelo rol da ANS, orientamos sobre a existência deste serviço."
Questionada sobre o motivo que a levou a ressarcir a medicação por três anos, a Porto alega que uma nova resolução da ANS definiu a não cobertura a droga. Mas, na lista de procedimento excluídos pela ANS, não consta o Remicade.

Procurada novamente ontem à noite, a Porto Seguro não respondeu.

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