domingo, 18 de julho de 2010

Três perdidos  numa noite suja
Emanoel Barreto

Uma noite, um início de noite. Chovia a cântaros. Eu saí, a pé, da Tribuna do Norte. Na Ribeira, onde fica o jornal - nessa época, lá pelo ano 1978 - o bairro ficava totalmente alagado em dia ou noite de chuva mais forte, chuva que mereça o nome de chuva, tempestade, borrasca.

Saindo do jornal meti o pé na inundação. A água, mesmo na calçada, já cobria os pés. À medida que avançava a água ficava mais profunda. Caminhei meio encurvado, olhando apenas para o próximo passo e seguir.

Mais adiante ficava - fica - a antiga estação rodoviária. Até lá, água muita. Quando me aproximava, ensopado, cansado de mais de dez horas de trabalho - em jornal se trabalha, amigo - da rodoviária, encontro cena que jamais se me apagou do registro da memória: um menino, de uns dez anos - feio magro, somente de calção, chorava em meio à chuva.

Tão pobre, tão feio, tão desamparado, ele gritava gritos de desespero: "Mamãe, mamãe. Mamãe, venha me buscar". Era uma cena chocante: em meio ao desastre de água que se derramava um ser humano indefeso e em crise berrava pela ovelha-mãe que - pensava, queria, pedia, o viria salvar.

Ele estava no meio dia rua, desesperado. As trevas, e a água que vinha dos céus, o atormentavam em bem próprio e unicamente seu, desespero. Fiquei, parei em meio ao caos, pensando em ajudá-lo.

Nisso, chega uma mulher, cambaleando. Ela estava bêbada. Brandiu maldições, exigiu desculpas a Deus e arrastou o menino pelo braço. Urrava algo que não entendi. Urrava, urrava. Em seguida, o puxou para uma ruela escura. Prossegui, like a rolling stone. Eu também precisava me salvar.

E aqueles dois miseráveis, pingos de gente infame e sem importância, se perderam para sempre do meu olhar.
Depois, caminhei... E a chuva me chicoteou. Até chegar em casa...

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