sábado, 24 de julho de 2010

A política como espetáculo - a política como espetáculo - a política como espetáculo

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Os que vão morrer te saúdam
Emanoel Barreto

A manchete da Folha é "Serra e Dilma mantêm empate a 25 dias da TV". Podemos encontrar aí dois aspectos: o que se diz e o que se comunica. O que se diz é o que você leu aí, o texto em sua expressão textual.  O que se comunica, ou seja, o sentido que subjaz, é aquele que o jornal deixa perceber, aquilo que surge por implicação, aquilo que fica sugerido.

Mais claramente: a Folha afirma nas entrelinhas - e não há nisso qualquer intenção manipuladora, suponho - que a eleição presidencial precisará passar ao plano do espetáculo televisivo para que, a partir disso, comece a se delinear mais vigorosamente a tendência dos eleitorados. Explico, com relação ao uso de "eleitorados": como vivemos numa sociedade de classes presumo que haja vários eleitorados - com expectativas bem diversas, atinentes a cada classe.

Voltando ao assunto principal: tendência significa "propensão a", relativamente manifesta em comportamentos individuais ou coletivos. Tendência a ser mensurada, no caso, pelas pesquisas como parte do espetáculo. Tendência de aceitação ou refugo a alguém ou a alguma ideia. Tendência como algo volúvel, coletivamente gasoso, mutante ao sabor de fatos novos.

A manchete é preocupante não pelo fato mesmo do seu enunciado, mas pelo indício que aponta: o espetáculo como elemento potencialmente capaz de formular rumos para a história.
E isso em função de que o público será apenas público, não manifestação de cidadãos, atitude crítica frente aos discursos dos atores políticos - ator, aqui, não em sua acepção sociológica, mas ator no sentido teatral mesmo.

Aí surge algo perigoso, uma indagação: ganhará mais votos aquele que tiver o melhor programa de governo, ou aquele que, pela bruxaria dos marqueteiros, venha a ser melhor empacotado?

O exemplo historicamente mais recente é Obama. Que saiu de uma literal posição de anonimato para se alçar à presidência do mais poderoso império do mundo. E tudo, aparentemente, pela manipulação de um slogan ("Yes, we can." - "Sim, nós podemos.") cuja simplicidade o transformou em uma espécie de aforismo midiático e convenceu a maioria dos americanos a se sentir uma espécie de "nós", uma congregação de eleitores, uma confraria cívica oposta à era Bush.

Detalhe: o "nós" incluía o próprio Obama, aplainado ao senso comum, equiparado ao homem americano médio e assim "um deles", "um igual". Obama, o homem comum, Obama um guy, Obama o cara; portanto confiável e guardião de esperanças e desvelos, jovem patriarca do resgate do sonho americano.

Eleito, já não goza do mesmo prestígio. A condição humana falível, flutuante, aí sim igual à do comum dos mortais da grande nação do Norte surgiu, e o slogan começa a embolorar.

O espetáculo sempre fez parte do jogo político. Na ágora ateniense, nos desfiles das legiões romanas representando o poderio nacional, no pão e circo das arenas de gladiadores, no "Alemanha acima de tudo" hitlerista, no "trabalhadores do Brasil" de Getúlio, nos descamisados de Perón e Evita. Pronto. É isso.

Enfim, vamos aos espetáculos da TV para saber quem vai ganhar a eleição. No fim será mesmo o povo quem vai repetir a soturna saudação dos gladiadores: "Ave César: os que vão morrer te saúdam". O que quero dizer com isso? Simples: não há soluções mágicas para problemas que estão no plano do histórico. A realidade do povo não será mudada pela simples ascenção de Dilma ou Serra, mas pelos atos e gestos históricos que perpetrarão ao assumir.

Da minha parte assistirei ao espetáculo. Depois virá a tragédia cotidiana. Quando for votar rememore a história e recorde quem, realmente, teve coragem de sofrer pelo Brasil.

PS: Atenção. Mesmo empacotados os dois candidatos têm essência e consistência. A vida não é uma farsa, pelo menos não completamente. E a dor, a fome, a insegurança não se esgotam em seu simples sentido substantivo. São sentidas e, o que é pior, vividas. Não se prenda ao espetáculo, lembre quem participou da dor.

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