quinta-feira, 22 de julho de 2010

O amigo invisível e uma enigmática viagem pelos ventos

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O senhor dos ventos
Emanoel Barreto

Tenho um amigo que, diz-me, é senhor dos ventos; ou melhor, amigo deles. Com eles dialoga, discursa, debate, briga até. Para em seguida fazer as pazes e viajar. Sim, ele viaja, garantiu-me. Deitado nos ventos, sem qualquer perigo de cair. Mesmo nas alturas mais deslumbrantes vai, flutuando em paz.

A tal dom alia outra maravilha: torna-se como o vento fluido e invisível. Assim, quando aragem mansa, invade ambientes ocultos, é voyeur de casais intensos, mulheres em pelo, cenas de famílias em aniversário de 15 anos, solidões de desesperados, delírios de loucos e de mandatários em sede de poder.

Sim, ele ouve tudo, vê tudo.

Dia desses saí com ele. "Posso?", perguntei. "Posso" no sentido inglês de "May". E ele respondeu: "Yes, quer dizer sim". E convocando um vento forte, mas não um simum, um siroco, um mistral, tornado, ciclone, tufão ou furacão, fomos calmamente, sem temor de provocar os desmandos que tais ventos determinam.

Evocou vento poderoso o suficiente para nos elevar e voar. Invisíveis, e impregnados ao ar em movimento, subimos. Fomos tão algo que a Terra ficou lá embaixo, azul e linda, como dissera Gagarin.

Depois, descemos. O que vi, nessa passagem, foram as plagas terríveis e mais belas da condição humana. Praias sensacionais, vigorosas paisagens, coisas das mais belas.

Passamos também pela miséria de Benares, os esconsos de Tegucigalpa, a miséria terrível dos subúrbios de Bogotá, a perversa vida nas favelas do Rio, os soluços ignaros dos moradores dos esgotos de Bali, ruelas de toda a Ásia, becos de toda a Europa, etc..., etc..., etc...

Vi-me invadido por uma sensação que oscilava entre alegre e pesarosa. O homem, o pobre homem em seu dilema. O homem como situação coadjuvante do seu próprio drama.

Voltamos tarde da noite.
Agradeci.

Quando já saía, voltei-me para perguntar quando iríamos viajar de novo.
O canto mais limpo. Ele tinha desaparecido.

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