domingo, 9 de janeiro de 2011

Os miseráveis do Big Brother Brasil

Os miseráveis do Big Brother Brasil 

Na matéria logo abaixo desta ("O homem-bomba do BBB") excerta da revista Veja, mostro que tipo de inteligência - e de caráter - dirige o Big Brother Brasil - que tipo de programa... Trata-se de um perfil de José Bonifácio de Oliveira, Boninho. Autoritário, trocista, atroz, perpetrador de atos que desnorteiam os participantes, utiliza-se de voz onipresente em altofalantes para xingá-los, um deus ex machina naquele pequeno mundo confinado e esquizofrênico. Ali, pessoas movidas pelos mais baixos valores da condição humana largam de lado o que possa ser chamado de confiabilidade, honradez, decência, respeito mútuo e até respeito próprio para ganhar um milhão.

O Big Brother é um show midiático criado a partir da novela 1984, de George Orwell, onde um ser incorpóreo conhecido exatamente como O Grande Irmão a todos vigiava, até mesmo em suas casas onde as teletelas, neuróticos televisores transmitiam sem parar notícias do Partido do Grande Irmão ao mesmo tempo que vigiavam os moradores. Daí a ideia doentia do Big Brother televisivo, que aqui virou Big Brother Brasil.

O BBB é metáfora não-intencional da condição humana agregando a si dois aspectos: a questão existencial em si, o medo que o mundo nos infunde de neles estar, a insegurança do dia seguinte, a necessidade de nos prevenir  - monetariamente - para o que virá e o anseio de obtenção dessa segurança, manifesto pelo desejo cúpido do dinheiro. Os participantes são norteados inconscientemente pela convicção de que numa sociedade capitalista, com suas regras injustas e cruéis, jamais ganhariam aquela soma apenas com o trabalho. Essa a pedra de toque do BBB. Açular em suas vítimas o medo de continuarem a ser pobres, o medo de continuar a sofrer no mundo.

Assim criou-se um microcosmo onde a torpeza, a esperteza amoral e o epílogo da decência são valores máximos. Em continuidade, no combate entre os participantes os herois dessa débâcle infame são, além disso, levados aos seus limites físicos e psicológicos. Por exemplo, provas degradantes os obrigam a ficar de pé horas inteiras, até que o penúltimo sucumba, cabendo ao vencedor as batatas bichadas de tão lutuoso certame. Logo a seguir virão novas inquietações e padecimentos.

Como num circo romano, o país todo transformado em patuleia pela TV Globo, urros e guinchos se dividem pró ou contra alguém que exercite seu heroismo tracanho. Eliminado, o expulso sai da Casa do BBB e surge um substituto: the show must goes on e isso é feito a toda a pressa, pois é preciso manter a multitude midiática de dentes afiados para o próximo e torpe desafio.

Nesse microcosmo de injustiça, vilania e delírio que raia a insanidade, tal o clima que ali se instaura de desconfiança, temor, delação e manifestação de egoísmo ritual - egoísmo que exaltará o paciente a patamar mais alto caso se utilize da falta de escrúpulos como força maquinal a destuir o outro - ressalta-se aspecto quase patológico: a única regra é ganhar e ganhar a qualquer preço: o preço da mentira, do engodo, da exposição do outro ao ridículo e à humilhação. O BBB é um brutal exercício de poder. Reúne em casa luxuosa magote de desvairados pela ideia fixa do milhão a ser abocanhado. Temos a simbolização do poder do capital sobre as pessoas que na Casa representam o social por inteiro, e o poder de uns sobre os outros, que expõe as misérias da condição humana.

Sob aquele sol de desesperados todos sabem que o deus ex machina Boninho os vê a todos a todo instante, assim o queira. E os punirá como no mundo entidade superior nos observa e castiga, adões e evas do paraíso insólito em que vivemos, onde nada é permanente - apenas o pecado de ser homem. Desta forma, os participantes se atiram ao BBB na busca de fugir deste mundo, em busca do milhão, esse milagre que lhes retirará o pecado de não serem ricos.

Esse número, um milhão, quando representa dinheiro, assume condição sígnica de quantia invejável, desejável e inalcançável pela maioria dos mortais. A ideia de alguém milionário traz subjacente a visão paradisíaca de homem ou mulher que tem o mundo a seus pés e, portanto, está livre dos esforços do trabalho, da prestação de contas a um gerente, chefe ou patrão. Alguém que simplesmente-não-precisa-mais-trabalhar. Portanto, está livre dos horrores do cotidiano, dos ônibus superlotados, do dinheiro contado para chegar o fim de mês, da humilhação de pedir um adiantamento. Tudo isso é substituído, na casa do BBB, pela esperança da compra de um carrão e de um apartamento, vida à tripa forra: champanhe, farra e praia o resto da vida. O BBB é o Paraíso redivivo.

Sintetizando: o vencedor do BBB será alguém que, sob a couraça do milhão, estará livre do grilhão do capitalismo e poderá flutuar num éden provisório, uma bolha de sabão hedonística, mesmo todos os participantes intuitivamente saibam que logo será desfita em delicada explosão como ocorre no inocente jogo infantil, o menino e seu canudo. Um milionário, qualquer milionário sabe que o milhão em e em si é algo parco se não tem possibilidade de se reproduzir capitalisticamente. E os vencedores do BBB, parece-me, só sabem gastar.

O BBB é uma reunião de reclusos, um pequeno bando de efêmeros patifes, leva de desocupados que se deixa explorar pensando estar explorando os outros, entre si. Já se informou que agora serão deixados se embriagar e trocar tapas, a fim de que o espetáculo ganhe mais realidade. Esse diminuto exército de infames é trupe de desgraçados retirados do social; são, portanto, excerto exato de que tipo de sociedade está em construção, de que tipo de tragédia está e vem o homem perpetrando na face da Terra.

Nenhum comentário: