terça-feira, 11 de janeiro de 2011

O estudo da corrupção em suas origens mais remotas e de como é inútil o seu tratamento

Corria o ano de 1202 quando fui procurado, no escuro azulado mais profundo da floresta onde havia instalado minha tosca e rude choupana, por um velho dragão aposentado. Devo dizer que tratava-se, aquele nobre e distinto animal, de arquiduque de nomeada e homem de grandes intenções, o que me fez estranhar a visita sendo eu apenas um pobre a viver naquelas paragens, inculto e de pensamento tateante.

Apeando do unicórnio, apresentou-se-me e disse que precisava dos meus préstimos. Ora, a única coisa que sabia fazer era lenhar para preparar minhas frugais e básicas refeições. Mesmo assim, coloquei-me a seu dispor.
Enalteceu meu ignoto labor e sussurrou-me: Sei que fazeis aqui grandes experiências e supremos feitos em matéria de preparação de beberagens e outros produtos. Assim sendo, sois grande e  sapiente médico e assim deveremos levar ao mundo vossos saberes, a tirar a humanidade de suas dores e malefícios. Na verdade eu apenas preparava sopas grosseiras, mas, diante de tais elogios, convenci-me de que era médico e imediatamente ele me conferiu grau e diploma. Isto feito, aprestou-me a acompanha-lo às Índias e depois à Pérsia.

Lá chegando, fizemos farta distribuição de infusões e soluções, poções e tisanas tão eficazes que redundaram em efeitos prodigiosos. Todos se curavam do que quer que estivessem sentindo e fomos aclamados herois e benévolos. Quem tinha dores, estas as passavam, quem era louco se transformava em sábio e legislador e todos se curvavam ante nossas excelências.

Deixando Pérsia e Índias para trás rumamos a país distante chamado Brasil onde reinava grande mal. Era um mal tão terrível que nenhum tratado médico jamais o havia descrito, nem mesmo eu, o maior médico do mundo o conhecia e o sabia tratar: chamava-se a tal doença de corrupção. Esta era encontradiça em ambientes de alto coturno, onde os doentes enriqueciam tanto mais adoeciam.

Pusemo-nos a fazer preparados os mais insólitos, mas, quanto mais se os bebiam, pior ficavam os doentes e, consequentemente, mais ricos. Desesperados, fomos ao centro hospitalar onde esta peste mais se espalhara, conhecido como Congresso Nacional. Ali, homens e mulheres apresentavam os piores sinais de tão terrível mal: o indumento era caríssimo, pingando ouro e pedras preciosas, perfumes raros exalavam das ancas das mulheres conhecidas como deputadas ou senadoras que se utilizavam de carros invulgares. Seus pares, deputados ou senadores, também estavam untados de vestes noblíssimas e carregavam, em pastas de couro do mais alto labor, documentos secretos em pergaminho autêntico. E todos falavam uma única expressão: "Precisamos lucrar, precisamos lucrar, precisamos lucrar."

Instalamos ali nosso consultório. Percebemos que a corrupção era uma espécie de maligna loucura que dominava aquelas mentes monomaníacas. Uma espécie de derivativo crônico da ganância, da ambição. Entrando em contato com grande sábio do Oriente, ele nos incidou que tal doença não tem cura e, pior, é contagiosa, espalhando-se com vigor incomum até mesmo imbricando-se ao corpo e à mente de quem tenta combatê-la. 

Perseveramos em nosso desígnio, mas baldadas foram todas as tentativas. Afinal, quando notei que o arquiduque dragão começava a brilhar os olhos quando via um cheque, tomei sábia decisão: embarcamos na primeira nau que seguia de volta à minha distante floresta. Ali despedi-me do ilustre homem, que seguiu para o seu castelo, prometendo que iria fundar nova ciência, a alquimia. 

Para quê?, perguntei-lhe. E ele me respondeu: "Para criar a Pedra Filosofal, que torna tudo em ouro", e correu depressa a lidar com seus novos afazeres. Estava contaminado. E tanto é verdade que estava doente, que a corrupção nos tempos atuais é descrita nos tratados médicos como um dragão, que tem a cara do meu triste amigo.

Quanto a mim, somente restou abrir uma tipografia e hoje escrevo esta história, registro mui antigo do grande mal que, dizem, ainda hoje aflige aquela infeliz nação.

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