sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Memórias póstumas de Sônia Braga ou essas recordações me matam

A atriz Sônia Braga declinou de papel que faria na minissérie "Lara com Z", na Globo. Li nas coisas de jornal que circulam na internet que o motivo fora a cobrança, por parte dela, de "cachê internacional". Explicando: a ex mulher-mais-sexy-do-Brasil teria tido a petulância de cobrar cachê alto demais para quem já não é mais tão bela. 

Ou seja: Sônia Braga não é mais "Sônia Braga", o padrão, o ser estético-erótico que encarnava quando no papel de "Gabriela". Lembra de Gabriela? Pois bem, a Globo comparou Sônia com Sônia-Gabriela e viu que o fantasma tem maior valor. Mas, como fantasmas não atuam em produções globais...

Sônia-Gabriela passou porque o tempo passa e o tempo não para. E o suporte material  da atriz, seu artefato corporal, ingressou em outras idades e vieram as naturais transformações do corpo-objeto.

Isso faz com que ela passe a ser comparada a si mesma e nessa luta Sônia sai perdendo. Tornada  pelo show business protagonista e antagonista ao mesmo tempo duas mulheres se digladiando num mesmo dispositivo, o corpo envelhecedor é enxotado frente ao corpo fêmeo belo, e o passado leva vantagem; já não se quer mais pagar ao corpo presente aquilo que se pagaria ao corpo passado. E a bela é transformada em fera decadente, assombrada pelo espectro de si mesma. Suas recordações são sua morte.

 Na matéria que li, ela faz alusão a algo como respeito próprio, atenção ao que é em si, competência dramática, algo assim, para não aceitar a contraproposta da emissora. Tem razão. O problema é que, quando jovem, imergiu, como muitas, na ilusória realidade de considerar-se como sendo jovem, quando apenas estava jovem.Vera Fischer, que não tem um milionésimo do talento de La Braga, que o diga. Há quanto tempo não a vê brilhando nas novelas da Globo? Nem verá mais, pessoa, nem verá mais. O sarcófago do show business é implavável.

Sônia Braga colou a si a imagem do mulherão, apenas o mulherão, corpo a ser vendido, visto e analisado apenas enquanto mulherão. Desumanizou-se e passou a fetiche de si mesma, objeto da indústria cultural. 

Agora, certamente reivindicando espaço pelo talento, talento que sem dúvida tem, faz-se a comparação da pessoa com o objeto. E como o objeto não está mais presente, torna-se a pessoa um zumbi à procura de vida própria - mas a vida já passou. Sem dúvida já habita a carcaça de outra beleza, que na sequência virá a ser desprezada. Sônia Braga tornou-se um exercício de memórias póstumas.

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