Transcrevo material enviado pelo professor Marcelo Kischinhevsky. Magnífico trabalho. Dele e de seus alunos. (EB)
O desafio de escrever obituários de entes queridos
Estudantes de Jornalismo mobilizam-se para reportar os descaminhos de um dos maiores diários da história do país e discutir as perspectivas da imprensa pós-JB
Marcelo Kischinhevsky
Um aluno me perguntou, este semestre, qual havia sido o momento mais difícil da minha carreira. Certamente, esperava que eu contasse histórias escabrosas de alguma das (poucas) coberturas de operações policiais que acompanhei, quando era estagiário ou repórter dos jornais O Dia e O Globo, antes de enveredar pelo mundo dos indicadores econômicos. Titubeei e não respondi. Agora a pergunta me ronda novamente e percebo que, entre as matérias mais espinhosas da minha trajetória profissional, sem dúvida está o obituário que redigi quando meu pai, Waldemar Kischinhevsky, morreu há quase uma década. Um texto correto do ponto de vista técnico, mas pleno de emoções profundas, que me valeu por anos de terapia.
Escrever sobre perdas próximas é um dos maiores desafios da profissão. Talvez por isso, me abstive de comentários em mídias sociais sobre o fim da edição impressa do Jornal do Brasil. A notícia estava longe de surpreender, mas envolvia grande carga emocional para milhares de jornalistas. Inclusive eu, que passei ali oito anos, de altos e baixos, acertos e fracassos, adrenalina e depressão, e sobretudo de aprendizado.
O anúncio do fim do JB em papel chegou em agosto, soterrando de vez as esperanças de uma guinada na trajetória de um dos mais importantes títulos da imprensa brasileira. Como escrever o obituário de um jornal tão próximo, que havia marcado gerações de profissionais, ajudando a construir a história do país ao longo do conturbado século 20?
Repassei o fardo a um grupo de jovens talentos, estudantes do quarto período de Jornalismo da Faculdade de Comunicação Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (FCS/UERJ). Em atividade prática da disciplina Técnicas de Reportagem, Entrevista e Pesquisa II, eles foram fundo na história desse gigante da imprensa nacional, responsável por edições históricas, ora inovando em termos editoriais e gráficos, ora driblando o cerco da censura nos anos de chumbo, desempenhando papel-chave na luta pela redemocratização.
O resultado segue nas reportagens que você poderá ler, ver e ouvir neste blog. Ouvimos personagens que ajudaram a construir a história desse gigante da imprensa nacional, como Alberto Dines, Carlos Lemos e Wilson Figueiredo; investigamos como sobrevive o JB Digital, desvendando histórias como o da estagiária que foi promovida a editora e trancou a faculdade; mostramos como o JB inventou uma escola brasileira de fotojornalismo e ouvimos um de seus maiores nomes, o premiado Evandro Teixeira; e apuramos como estão os leitores órfãos do diário centenário, muitos deles pouco afeitos às novas tecnologias e, portanto, distantes das edições online; expomos a concentração do mercado de jornais no Rio; e discutimos as perspectivas para a imprensa pós-JB.
É um trabalho de sala de aula, mas realizado com paixão de bichos-jornalistas. Partilhamos aqui o resultado deste esforço de reportagem, este tributo ao bom e velho JB. Navegue por ele, comente, divulgue.
Um jornal que nunca mais será escrito
01/12/2010Alberto Dines, Carlos Lemos, Wilson Figueiredo, Míriam Leitão e Alfredo Herkenhoff relembram grandes momentos da edição impressa do JB, um ícone do jornalismo
Clarissa Salles, Fernanda Freire, João Guilherme, Luana Corrêa e Rafaella Gil
Depois de enfrentar e vencer ameaças, empastelamentos, perseguição política e censura em momentos obscuros da história da imprensa nacional, o Jornal do Brasil deixou as bancas no dia primeiro de setembro de 2010. Participante ativo de episódios marcantes da vida política brasileira por mais de cem anos, o JB chegou a ser considerado o jornal mais influente do país na segunda metade do século XX. Neste período, sua redação contou com nomes como Alberto Dines, Zuenir Ventura, Carlos Lemos, Ferreira Gullar, Carlos Drummond de Andrade, Wilson Figueiredo, Ancelmo Góis, Dora Kramer, Miriam Leitão e inúmeros outros, de diferentes gerações.
Lançado no dia 9 de abril de 1891, o Jornal do Brasil chegou ao seu período áureo (fins dos anos 1950 até a primeira metade dos 1980) marcado por uma inovadora reforma gráfica, consolidada e aprimorada durante a chamada ‘‘Era Dines’’. Localizado na capital cultural do Brasil, em uma época em que o Rio de Janeiro ditava tendências e comportamentos, o JB influenciou não só os outros jornais, mas também uma geração de jornalistas vindos de diversas regiões do Brasil. Foi a bússola dessa geração de jornalistas, muitos dos quais hoje têm considerável prestígio nos meios de comunicação, que participaram do que muitos apontam como o único jornal impresso efetivamente nacional.
O polêmico anúncio do fim da versão impressa do JB, feito pelo empresário Nelson Tanure, afetou a todos que tiveram suas vidas, pessoais e profissionais, marcadas pelo jornal. Alguns exigiram providências para tentar salvar a versão impressa, outros declararam estar aliviados com o fim da agonia do que restou daquele grande jornal, e há ainda os que acreditam no crescimento da versão online.
Entre os diversos possíveis carrascos do jornal figuram a perseguição política sofrida durante o regime militar pós-64, em decorrência da ‘‘resistência criativa’’ ao AI-5 e da oposição aos generais-presidentes, quando o governo, de um lado, censurava veículos de comunicação e, de outro, era o maior anunciante do país (muitas vezes favorecendo a concorrência); a transferência da sede do jornal da Avenida Rio Branco para a Avenida Brasil, em um prédio que seguia projeto de Henrique Mindlin, imponente, premiado internacionalmente e demasiadamente caro; má gestão, entre diversos outros fatores.
Alfredo Herkenhoff, autor do livro Jornal do Brasil: Memórias de um Secretário, acredita em um conjunto de causas que levaram ao fim do jornal, entre as quais cita a concorrência da televisão e “um certo mau humor de Brasília a partir de 68”. Entretanto, Herkenhoff diz que o “anúncio de morte” não o surpreendeu: “O jornal já tinha começado a morrer muito tempo antes, ele só vinha definhando e agora acabou de ser jornal impresso, tentando sobreviver como digital, mas não sei se terá futuro nisso”.
Miriam Leitão, que trabalhou como editora de Economia no JB antes de ir para o concorrente O Globo, concorda: “Ele deixou de ser JB, foi saindo devagar. Primeiro perdeu as características, a influência, e depois fechou no impresso, tentando transformar isso numa história de migração para o online. Eu já tinha parado de lê-lo há muito tempo, porque não precisava mais, deixou de ser fundamental muito antes de morrer. E um jornal morre quando deixa de ser fundamental”.
E o que fez o Jornal do Brasil fundamental foi, segundo Wilson Figueiredo, “o bom humor no tratamento de problemas, a objetividade e a segurança da informação. Não havia sensacionalismo, mas uma procura pela qualidade da informação”. Miriam cita a liberdade de criação: “Trabalhei entre 1985 e 1990, anos intensos para o Brasil e para a economia. Em 90, por exemplo, a inflação chegou a 84% em um único mês, então tivemos que inventar um jornalismo – e o JB deixava a gente inventar qualquer coisa. O jornalismo econômico naquele momento era utilidade pública”.
Carlos Lemos, ex-chefe de reportagem do JB nas décadas de 60 e 70, acrescenta o sentimento de identificação e pertencimento entre os jornalistas: “Era um espírito de clã, éramos tão cientes da qualidade do produto que quem não trabalhasse no JB não era jornalista”, brinca. Alberto Dines, ex-diretor de Redação e um dos responsáveis por consolidar as mudanças editoriais e gráficas que, nos anos 1960, deram prestígio inigualável ao jornal, relembra o clima familiar da redação, onde era frequente ver crianças, levados pelos pais jornalistas especialmente aos sábados. Duas dessas crianças eram os filhos de Miriam: “Eles iam para a pesquisa ler quadrinhos e a primeira vez que usaram um computador foi dentro da redação. Os dois viraram jornalistas, um final inevitável”, conta a jornalista.
Dines atribui o espírito da redação ao JB e não aos jornalistas em si. “Criou-se um espírito único. As pessoas podiam sair e, quando voltavam já não encontravam todos, mas tinha alguma coisa impregnada. O JB não foi o jornal de um período, por pelo menos 40 anos passou por diversos comandos, mas ninguém tocou em nada, era uma coisa sagrada. O Jornal do Brasil criou um espírito corporativo, as pessoas confraternizavam, qualquer oportunidade era motivo para festinha. É esse espírito que fez o jornal que acabou, mas os filhos continuam. Essa choradeira positiva ela é reflexo de um sentimento coletivo de perda.”
Perda que Wilson Figueiredo descreve como “uma parte minha que já morreu” e faz Herkenhoff e Miriam relembrarem a infância. “A importância do Jornal do Brasil para mim começou na infância, meu pai lá no interior do Espírito Santo passou a assinar o JB. Morei dois anos na Europa decidido a fazer comunicação e o JB e o Correio da Manhã (diário que fechou as portas após bater de frente com a ditadura militar) eram as minhas referências emocionais da infância. Foi muito doloroso assistir a esse processo de decadência. O JB foi acabando todo dia um pouquinho nos vinte anos que eu trabalhei lá e foi muito triste ficar impotente diante daquilo”, diz ele. Natural de Caratinga (MG), Miriam acrescenta: “Eu morava no interior de Minas e quando alguém vinha ao Rio eu pedia para trazer o JB de todos os dias, mesmo que estivesse velho. E eu lia com grande prazer, porque a matéria era muito mais completa, o caderno B era inigualável e as matérias de comportamento eram modernas, atrevidas”.
Além de moderno e atrevido, o Caderno B é descrito por Wilson Figueiredo como agradável e inovador. “Era agradável, provavelmente não pela literatura, mas pelo sentido informativo e cultural que o Jornal do Brasil adotou, transformando tudo. Entrevista não era formal, era uma entrevista importante que pegava o sujeito na hora certa, os repórteres aguçavam e tinham bem o sentido agudo do momento, do momento cultural… O jornal fazia tudo de maneira criativa e na oportunidade ideal, na hora certa”.
Alberto Dines é citado pelos colegas como a grande referência no JB. “O JB realmente marcante na minha geração é o JB do Dines. A reforma começou antes, mas ele fez uma parte grande dela e o consolidou como um jornal à frente do seu tempo, que os outros copiavam”, diz Miriam. Carlos Lemos concorda: “O período áureo foi comandado pelo Dines, que era editor-chefe, seguido por mim e mais três abaixo, Luiz Orlando Carneiro – que era o homem do futuro –, Sérgio Noronha, chefe do copidesque, e José Silveira, editor e diagramador. Esse quinteto foi uma das coisas mais sensacionais que se conseguiu juntar na imprensa brasileira”
Miriam frisa a quantidade de grandes nomes que passaram pela redação: “Muita inteligência passou por lá. O Zuenir Ventura, por exemplo, parava o trabalho dele para reler um texto e te ajudar a melhorar, descobrir um talento que estava sufocado. E Drummond, Antonio Callado, Ruy Barbosa ter sido editor-chefe, Rodolfo Dantas, um dos fundadores… JB é um mito, um emblema na história do Jornalismo brasileiro”.
Dines, no entanto, lembra que não se preocupava em dar um nome ao seu cargo: “Eu só fazia questão de alguma coisa ligada a editor porque eu era responsável pelo jornal, pela feitura do noticiário, não pela opinião do jornal, porque isso era competência dos donos. Então eu queria alguma coisa que fosse ligada a redação, e fiquei lá por quase 12 anos”. Para ele, um dos trunfos do JB era o treinamento de jornalistas dentro da própria redação: “O departamento de pesquisas era uma espécie de escola, e esse é o segredo de uma organização jornalística: ser uma instituição de aprendizado permanente, porque senão você fica patinando na mesma coisa e não vai pra frente”.
Quanto à possibilidade de renascimento do jornal, Dines diz que mesmo que o jornal fosse comprado por um milionário – ele cita Eike Batista, que dias depois desmentiria qualquer interesse em investimentos em mídia –, de nada adiantaria se a cidade não estivesse pronta para produzir: “O jornal era o reflexo do Rio de Janeiro, não de um grupo de pessoas. Era o reflexo de uma comunidade inteligente e que queria fazer um produto inteligente. O JB era o fruto da inteligência do Rio, independendo de quem escrevia e informava. É como um casamento, você não fala assim: Ah, resolvi casar! Não, precisa haver algo em comum”. Assim, a relação se torna uma via de mão dupla, onde o leitor tem papel de identificação com o jornal e o jornal tem o dever de respeitar o leitor, mantendo o que ele gosta e retirando o que não agrada.
Miriam Leitão descreve a redação do Jornal do Brasil como um ambiente encantador e cita Joaquim Ferreira dos Santos, que contava a história do ascensorista que, ao chegar ao andar da redação, exclamava: “Parque de diversões!”. “A gente trabalhava muito, duramente, mas também se divertia”, diz Miriam. E Dines completa: “Atualmente é uma coisa inanimada, totalmente diferente do que é o jornal: vida, a vida da comunidade”.
Indagado sobre um possível fim do jornalismo impresso em geral, Carlos Lemos é direto: “O jornal vai acabar, vão acabar todos. Hoje vivemos o reinado da imagem, vai acabar tudo aqui (mostra um telefone celular)”. A tendência segundo Miriam Leitão é, de fato, essa: “Os jornais vão migrar para o online, ou farão as duas coisas ao mesmo tempo. Essa é a tendência, os jornais serão multiplataforma mesmo, e já o são”. Dines vê com incerteza essa migração, já que, para ele, uma redação dá vida ao jornal: “Como é que vai fazer isso na internet? Por enquanto, a internet é uma coisa inanimada”, diz.
Já Wilson Figueiredo se mostra preocupado com a documentação do online: “A importância de um jornal online é o presente e eu nunca vi a durabilidade de uma matéria eletrônica, que com muita facilidade se perde, você não encontra. A documentação é importante para o historiador, porque o que sobra de cada época é mínimo, é o essencial: a idéia que se faz de uma época é o que sobrou dela no que está escrito. É importante ter material para analisar”.
Todos deixam transparecer grande pesar e nostalgia ao falar do fim deste jornal que não apenas acompanhou e noticiou, mas também fez parte da história do país – principalmente na cidade de sua sede, onde agora apenas um grande jornal fala para o público órfão do JB. “É uma tragédia”, lamenta Miriam Leitão, “a competição entre O Globo e o JB era muito viva, a gente queria fazer o melhor jornal. Era uma saudável disputa, porque queríamos fazer o melhor para agradar ao leitor e isso nos estimulava”.
O futuro do jornalismo impresso é, de fato, incerto, e não se pode afirmar ainda se haverá um fim, já que propostas de novos formatos podem surgir. Sendo assim, cada jornal vai tentando sobreviver em meio à incomparável agilidade de informações que se obtém online. Porém, o que revolta aqueles que viram o Jornal do Brasil definhar é o processo de desligamento do que este representava, sua gestão nas mãos de quem “não gostava do produto”, segundo Dines. “Um industrial que fabrica salsicha tem que gostar da sua salsicha, do seu biscoito, do automóvel que ele faz, se esse industrial ou artesão não gosta daquilo que ele faz, ele não prospera”, compara.
Miriam Leitão segue o mesmo pensamento: “O Tanure não quer fazer jornal, ele não entende de jornal. Um cara que compra empresas quebradas para tentar ganhar mais algum não vai entender o espírito do JB, não tem a menor chance”. Carlos Lemos também atribui o fim à “megalomania e generosidade do Dr.
Nascimento Brito” (Manoel Francisco do Nascimento Brito), dono do Jornal do Brasil e responsável pela suntuosa sede da Avenida Brasil. Muitos esquecem de listar os Nascimento Brito entre os responsáveis pela derrocada do jornal, mas é fato que a marca JB acabou sendo arrendada ao empresário Nelson Tanure por 50 anos devido às dificuldades enfrentadas na época da gestão da família.
Ouça a íntegra da entrevista de Carlos Lemos e conheça histórias como a do drible de Pelé à restrição de fotos de negros na primeira página do JB
Ousado, mítico, mágico, excêntrico, revolucionário, inovador, formador de gerações, influência para jornais e jornalistas do país inteiro. O Jornal do Brasil deixou as bancas, mas não deixou os corações daqueles que o escreveram, nos quais deixou sua marca. Marca de um jornal que, provavelmente, nunca mais será escrito. E toda vez que esses grandes nomes passarem pela Avenida Brasil 500, o sentimento será o mesmo: emoção.
Clarissa Salles, Fernanda Freire, João Guilherme, Luana Corrêa e Rafaella Gil
Depois de enfrentar e vencer ameaças, empastelamentos, perseguição política e censura em momentos obscuros da história da imprensa nacional, o Jornal do Brasil deixou as bancas no dia primeiro de setembro de 2010. Participante ativo de episódios marcantes da vida política brasileira por mais de cem anos, o JB chegou a ser considerado o jornal mais influente do país na segunda metade do século XX. Neste período, sua redação contou com nomes como Alberto Dines, Zuenir Ventura, Carlos Lemos, Ferreira Gullar, Carlos Drummond de Andrade, Wilson Figueiredo, Ancelmo Góis, Dora Kramer, Miriam Leitão e inúmeros outros, de diferentes gerações.
Lançado no dia 9 de abril de 1891, o Jornal do Brasil chegou ao seu período áureo (fins dos anos 1950 até a primeira metade dos 1980) marcado por uma inovadora reforma gráfica, consolidada e aprimorada durante a chamada ‘‘Era Dines’’. Localizado na capital cultural do Brasil, em uma época em que o Rio de Janeiro ditava tendências e comportamentos, o JB influenciou não só os outros jornais, mas também uma geração de jornalistas vindos de diversas regiões do Brasil. Foi a bússola dessa geração de jornalistas, muitos dos quais hoje têm considerável prestígio nos meios de comunicação, que participaram do que muitos apontam como o único jornal impresso efetivamente nacional.
O polêmico anúncio do fim da versão impressa do JB, feito pelo empresário Nelson Tanure, afetou a todos que tiveram suas vidas, pessoais e profissionais, marcadas pelo jornal. Alguns exigiram providências para tentar salvar a versão impressa, outros declararam estar aliviados com o fim da agonia do que restou daquele grande jornal, e há ainda os que acreditam no crescimento da versão online.
Entre os diversos possíveis carrascos do jornal figuram a perseguição política sofrida durante o regime militar pós-64, em decorrência da ‘‘resistência criativa’’ ao AI-5 e da oposição aos generais-presidentes, quando o governo, de um lado, censurava veículos de comunicação e, de outro, era o maior anunciante do país (muitas vezes favorecendo a concorrência); a transferência da sede do jornal da Avenida Rio Branco para a Avenida Brasil, em um prédio que seguia projeto de Henrique Mindlin, imponente, premiado internacionalmente e demasiadamente caro; má gestão, entre diversos outros fatores.
Alfredo Herkenhoff, autor do livro Jornal do Brasil: Memórias de um Secretário, acredita em um conjunto de causas que levaram ao fim do jornal, entre as quais cita a concorrência da televisão e “um certo mau humor de Brasília a partir de 68”. Entretanto, Herkenhoff diz que o “anúncio de morte” não o surpreendeu: “O jornal já tinha começado a morrer muito tempo antes, ele só vinha definhando e agora acabou de ser jornal impresso, tentando sobreviver como digital, mas não sei se terá futuro nisso”.
Miriam Leitão, que trabalhou como editora de Economia no JB antes de ir para o concorrente O Globo, concorda: “Ele deixou de ser JB, foi saindo devagar. Primeiro perdeu as características, a influência, e depois fechou no impresso, tentando transformar isso numa história de migração para o online. Eu já tinha parado de lê-lo há muito tempo, porque não precisava mais, deixou de ser fundamental muito antes de morrer. E um jornal morre quando deixa de ser fundamental”.
E o que fez o Jornal do Brasil fundamental foi, segundo Wilson Figueiredo, “o bom humor no tratamento de problemas, a objetividade e a segurança da informação. Não havia sensacionalismo, mas uma procura pela qualidade da informação”. Miriam cita a liberdade de criação: “Trabalhei entre 1985 e 1990, anos intensos para o Brasil e para a economia. Em 90, por exemplo, a inflação chegou a 84% em um único mês, então tivemos que inventar um jornalismo – e o JB deixava a gente inventar qualquer coisa. O jornalismo econômico naquele momento era utilidade pública”.
Carlos Lemos, ex-chefe de reportagem do JB nas décadas de 60 e 70, acrescenta o sentimento de identificação e pertencimento entre os jornalistas: “Era um espírito de clã, éramos tão cientes da qualidade do produto que quem não trabalhasse no JB não era jornalista”, brinca. Alberto Dines, ex-diretor de Redação e um dos responsáveis por consolidar as mudanças editoriais e gráficas que, nos anos 1960, deram prestígio inigualável ao jornal, relembra o clima familiar da redação, onde era frequente ver crianças, levados pelos pais jornalistas especialmente aos sábados. Duas dessas crianças eram os filhos de Miriam: “Eles iam para a pesquisa ler quadrinhos e a primeira vez que usaram um computador foi dentro da redação. Os dois viraram jornalistas, um final inevitável”, conta a jornalista.
Dines atribui o espírito da redação ao JB e não aos jornalistas em si. “Criou-se um espírito único. As pessoas podiam sair e, quando voltavam já não encontravam todos, mas tinha alguma coisa impregnada. O JB não foi o jornal de um período, por pelo menos 40 anos passou por diversos comandos, mas ninguém tocou em nada, era uma coisa sagrada. O Jornal do Brasil criou um espírito corporativo, as pessoas confraternizavam, qualquer oportunidade era motivo para festinha. É esse espírito que fez o jornal que acabou, mas os filhos continuam. Essa choradeira positiva ela é reflexo de um sentimento coletivo de perda.”
Perda que Wilson Figueiredo descreve como “uma parte minha que já morreu” e faz Herkenhoff e Miriam relembrarem a infância. “A importância do Jornal do Brasil para mim começou na infância, meu pai lá no interior do Espírito Santo passou a assinar o JB. Morei dois anos na Europa decidido a fazer comunicação e o JB e o Correio da Manhã (diário que fechou as portas após bater de frente com a ditadura militar) eram as minhas referências emocionais da infância. Foi muito doloroso assistir a esse processo de decadência. O JB foi acabando todo dia um pouquinho nos vinte anos que eu trabalhei lá e foi muito triste ficar impotente diante daquilo”, diz ele. Natural de Caratinga (MG), Miriam acrescenta: “Eu morava no interior de Minas e quando alguém vinha ao Rio eu pedia para trazer o JB de todos os dias, mesmo que estivesse velho. E eu lia com grande prazer, porque a matéria era muito mais completa, o caderno B era inigualável e as matérias de comportamento eram modernas, atrevidas”.
Além de moderno e atrevido, o Caderno B é descrito por Wilson Figueiredo como agradável e inovador. “Era agradável, provavelmente não pela literatura, mas pelo sentido informativo e cultural que o Jornal do Brasil adotou, transformando tudo. Entrevista não era formal, era uma entrevista importante que pegava o sujeito na hora certa, os repórteres aguçavam e tinham bem o sentido agudo do momento, do momento cultural… O jornal fazia tudo de maneira criativa e na oportunidade ideal, na hora certa”.
Alberto Dines é citado pelos colegas como a grande referência no JB. “O JB realmente marcante na minha geração é o JB do Dines. A reforma começou antes, mas ele fez uma parte grande dela e o consolidou como um jornal à frente do seu tempo, que os outros copiavam”, diz Miriam. Carlos Lemos concorda: “O período áureo foi comandado pelo Dines, que era editor-chefe, seguido por mim e mais três abaixo, Luiz Orlando Carneiro – que era o homem do futuro –, Sérgio Noronha, chefe do copidesque, e José Silveira, editor e diagramador. Esse quinteto foi uma das coisas mais sensacionais que se conseguiu juntar na imprensa brasileira”
Miriam frisa a quantidade de grandes nomes que passaram pela redação: “Muita inteligência passou por lá. O Zuenir Ventura, por exemplo, parava o trabalho dele para reler um texto e te ajudar a melhorar, descobrir um talento que estava sufocado. E Drummond, Antonio Callado, Ruy Barbosa ter sido editor-chefe, Rodolfo Dantas, um dos fundadores… JB é um mito, um emblema na história do Jornalismo brasileiro”.
Dines, no entanto, lembra que não se preocupava em dar um nome ao seu cargo: “Eu só fazia questão de alguma coisa ligada a editor porque eu era responsável pelo jornal, pela feitura do noticiário, não pela opinião do jornal, porque isso era competência dos donos. Então eu queria alguma coisa que fosse ligada a redação, e fiquei lá por quase 12 anos”. Para ele, um dos trunfos do JB era o treinamento de jornalistas dentro da própria redação: “O departamento de pesquisas era uma espécie de escola, e esse é o segredo de uma organização jornalística: ser uma instituição de aprendizado permanente, porque senão você fica patinando na mesma coisa e não vai pra frente”.
Quanto à possibilidade de renascimento do jornal, Dines diz que mesmo que o jornal fosse comprado por um milionário – ele cita Eike Batista, que dias depois desmentiria qualquer interesse em investimentos em mídia –, de nada adiantaria se a cidade não estivesse pronta para produzir: “O jornal era o reflexo do Rio de Janeiro, não de um grupo de pessoas. Era o reflexo de uma comunidade inteligente e que queria fazer um produto inteligente. O JB era o fruto da inteligência do Rio, independendo de quem escrevia e informava. É como um casamento, você não fala assim: Ah, resolvi casar! Não, precisa haver algo em comum”. Assim, a relação se torna uma via de mão dupla, onde o leitor tem papel de identificação com o jornal e o jornal tem o dever de respeitar o leitor, mantendo o que ele gosta e retirando o que não agrada.
Miriam Leitão descreve a redação do Jornal do Brasil como um ambiente encantador e cita Joaquim Ferreira dos Santos, que contava a história do ascensorista que, ao chegar ao andar da redação, exclamava: “Parque de diversões!”. “A gente trabalhava muito, duramente, mas também se divertia”, diz Miriam. E Dines completa: “Atualmente é uma coisa inanimada, totalmente diferente do que é o jornal: vida, a vida da comunidade”.
Indagado sobre um possível fim do jornalismo impresso em geral, Carlos Lemos é direto: “O jornal vai acabar, vão acabar todos. Hoje vivemos o reinado da imagem, vai acabar tudo aqui (mostra um telefone celular)”. A tendência segundo Miriam Leitão é, de fato, essa: “Os jornais vão migrar para o online, ou farão as duas coisas ao mesmo tempo. Essa é a tendência, os jornais serão multiplataforma mesmo, e já o são”. Dines vê com incerteza essa migração, já que, para ele, uma redação dá vida ao jornal: “Como é que vai fazer isso na internet? Por enquanto, a internet é uma coisa inanimada”, diz.
Já Wilson Figueiredo se mostra preocupado com a documentação do online: “A importância de um jornal online é o presente e eu nunca vi a durabilidade de uma matéria eletrônica, que com muita facilidade se perde, você não encontra. A documentação é importante para o historiador, porque o que sobra de cada época é mínimo, é o essencial: a idéia que se faz de uma época é o que sobrou dela no que está escrito. É importante ter material para analisar”.
Todos deixam transparecer grande pesar e nostalgia ao falar do fim deste jornal que não apenas acompanhou e noticiou, mas também fez parte da história do país – principalmente na cidade de sua sede, onde agora apenas um grande jornal fala para o público órfão do JB. “É uma tragédia”, lamenta Miriam Leitão, “a competição entre O Globo e o JB era muito viva, a gente queria fazer o melhor jornal. Era uma saudável disputa, porque queríamos fazer o melhor para agradar ao leitor e isso nos estimulava”.
O futuro do jornalismo impresso é, de fato, incerto, e não se pode afirmar ainda se haverá um fim, já que propostas de novos formatos podem surgir. Sendo assim, cada jornal vai tentando sobreviver em meio à incomparável agilidade de informações que se obtém online. Porém, o que revolta aqueles que viram o Jornal do Brasil definhar é o processo de desligamento do que este representava, sua gestão nas mãos de quem “não gostava do produto”, segundo Dines. “Um industrial que fabrica salsicha tem que gostar da sua salsicha, do seu biscoito, do automóvel que ele faz, se esse industrial ou artesão não gosta daquilo que ele faz, ele não prospera”, compara.
Miriam Leitão segue o mesmo pensamento: “O Tanure não quer fazer jornal, ele não entende de jornal. Um cara que compra empresas quebradas para tentar ganhar mais algum não vai entender o espírito do JB, não tem a menor chance”. Carlos Lemos também atribui o fim à “megalomania e generosidade do Dr.
Nascimento Brito” (Manoel Francisco do Nascimento Brito), dono do Jornal do Brasil e responsável pela suntuosa sede da Avenida Brasil. Muitos esquecem de listar os Nascimento Brito entre os responsáveis pela derrocada do jornal, mas é fato que a marca JB acabou sendo arrendada ao empresário Nelson Tanure por 50 anos devido às dificuldades enfrentadas na época da gestão da família.
Ouça a íntegra da entrevista de Carlos Lemos e conheça histórias como a do drible de Pelé à restrição de fotos de negros na primeira página do JB
Ousado, mítico, mágico, excêntrico, revolucionário, inovador, formador de gerações, influência para jornais e jornalistas do país inteiro. O Jornal do Brasil deixou as bancas, mas não deixou os corações daqueles que o escreveram, nos quais deixou sua marca. Marca de um jornal que, provavelmente, nunca mais será escrito. E toda vez que esses grandes nomes passarem pela Avenida Brasil 500, o sentimento será o mesmo: emoção.
Os sobreviventes que mantêm o JB no ar
27/11/2010JB Digital representa nova (e incerta) fase para redação devastada por sucessivas ondas de demissões. Editor-chefe e funcionários contam como o diário resiste na internet
Débora Monserrat, Guilherme Schneider, Lucie Girardot, Raquel Pedroza e Tiago Andrade
Quem passa apressado por debaixo do viaduto da Av. Paulo de Frontin, no Rio Comprido, Zona Norte do Rio, talvez nem perceba, mas lá estão as duas sedes do tradicional Jornal do Brasil. A vizinhança depauperada expõe a atual fase de dificuldades enfrentadas pelo diário, que já teve como endereços a Av. Rio Branco e, entre 1973 e 2001, o suntuoso edifício número 500 da Av. Brasil (apontado pelos críticos como um “elefante branco”, que ajudou a quebrar a empresa). Perto de completar 120 anos de sua fundação, o jornal aposta na dita era digital para sonhar com uma sobrevida próspera.
Em lados opostos da avenida, sob o Elevado Paulo de Frontin, estão a sede principal, com a redação do JB, e CPDoc, prédio que preserva o que restou da memória visual da empresa, vitimada por um incêndio nos anos 1970 e por anos de falta de investimento em pesquisa e documentação. O prédio da redação encontra-se no número 651, em um discreto anexo à “Casa do Bispo”, construção colonial do século XVIII onde antes funcionava a redação do jornal impresso, hoje vazia. Ao passar pela porta é inevitável notar uma grande placa fixada na fachada escrito “aluga-se”.
Não é a sentença de morte: o jornal, que se mudou para o Rio Comprido em 2005, reduziu dramaticamente seu quadro de funcionários e, hoje, a redação cabe inteira nos fundos do casarão, num modesto prédio que já abrigou um seminário. O imóvel, pertencente à Igreja, já foi ocupado pela Fundação Roberto Marinho, que se mudou dali devido aos constantes tiroteios nos morros vizinhos, abrindo caminho para o último inquilino: o JB.
A redação atual é organizada, moderna e funcional. De acordo com Marcelo Migliaccio, atual editor-chefe, trabalham na empresa cerca de 150 funcionários, incluindo colaboradores em outros estados, sendo cerca de 60 jornalistas e 10 estagiários. Uma fração se comparada à redação dos tempos da Av. Brasil 500, onde há pouco mais de uma década trabalhavam mais de 400 jornalistas.
De fato, o Jornal do Brasil não acabou, como muitos acreditaram que aconteceria. Porém, passou por uma mudança jamais vista nos meios de comunicação impressos nacionais. Desde 1º de setembro de 2010, o jornal deixou de existir como impresso, passando apenas a ser um jornal digital com duas versões: uma online, com cobertura em tempo real, e a outra diagramada nos mesmos moldes do impresso, a chamada versão digital. Ambas são escritas no mesmo ambiente, mas por equipes de jornalistas distintas.
Em entrevista, Migliaccio listou e justificou os diversos motivos para a escolha do formato apenas digital, entre eles os altos custos do papel-jornal. Segundo o editor-chefe, o discurso ambiental também pesou na escolha, pois assim estariam “derrubando menos árvores”. Migliaccio considera a mudança uma tendência mundial e chegou a dizer que todos os jornais mais cedo ou mais tarde acabariam abandonando o modelo impresso. Ele não deixa de reconhecer, no entanto, que grande parte das dificuldades jurídicas e econômicas pelas quais passou o jornal contribuíram para a mudança: “Ninguém nega que o JB passou por uma crise forte”, afirma. Apesar de admitir problemas, o jornalista sustenta ter boas perspectivas para o futuro: “O JB não acabou. Acabou na banca. Porém, antes o JB estava somente na banca. Hoje estamos no Japão, na China… recebo e-mails do mundo inteiro de gente que está lendo o JB na internet”, conta.
Ainda segundo o editor-chefe, o jornal conta atualmente com sete milhões de acessos por mês, contra uma tiragem impressa média de 20 mil exemplares este ano. Quase nada para um jornal que há quatro décadas colocava nas bancas mais de 500 mil exemplares aos domingos.
Um ex-editor, que trabalhou no JB por mais de uma década, afirmou em entrevista que as vendas não paravam de cair, e que o jornal mudou o formato puramente por questões financeiras. “Para não acabar, a única maneira foi fazer isso (ficar só online).” De fato, o JB foi o primeiro diário brasileiro na internet, em 1995. Mas o pioneirismo da época não guarda semelhanças com a opção atual, adotada após sucessivos prejuízos e perda de espaço no mercado impresso carioca. Sob o controle do empresário Nelson Tanure desde 2000, o JB enfrentou sucessivas mudanças de comando (em média, um novo editor-chefe a cada 10 meses) e perdeu o rumo. Em 2008, deixou o Instituto Verificador de Circulação (IVC), em meio a denúncias de que inflava sua tiragem para cobrar mais pelos anúncios.
A dívida trabalhista tornou-se também uma bola de neve, devido ao frequente desrespeito aos direitos dos funcionários. Em 2001, os que ganhavam salários mais elevados foram obrigados a criar empresas, numa estratégia do jornal para driblar a legislação e pagar menos encargos. Anos depois, recuou e se comprometeu com o Sindicato dos Jornalistas do Município do Rio de Janeiro e com a Justiça do Trabalho a regularizar a situação. Mas o estrago já estava feito. Segundo Migliaccio, “a Justiça asfixiou o Jornal do Brasil”, ao arrestar todos os recursos da empresa para quitar débitos trabalhistas, impedindo seu funcionamento normal. “O que poderiam ter feito: JB você está devendo X, então você vai pagar todo mês R$ 500 mil para causas trabalhistas. Mas não. Entravam R$ 2 milhões aqui de anúncio publicitário, e a Justiça carregava os R$ 2 milhões. A Justiça matou a galinha dos ovos de ouro que tinha, porque foi incapaz de criar um escalonamento da dívida”, lamenta. Ninguém sabe ao certo o tamanho da dívida do JB, que, de acordo com a fonte, pode variar entre R$ 100 milhões e R$ 1 bilhão. Há ex-editores com indenizações superiores a R$ 1 milhão, acertadas em acordos judiciais, mas que simplesmente não são quitadas, gerando novas multas.
Migliaccio nega que a mudança para o formato digital tenha acarretado novas demissões (exceto na Editoria de Arte) ou atribuição de tarefas de profissionais a estagiários. Nossa equipe de reportagem apurou, no entanto, que houve cortes na Fotografia e, pontualmente, em diversas editorias. Com equipes extremamente enxutas, a saída de um único jornalista já acarretava transtornos. Um ex-editor afirma que, nesse cenário, ocorrem ascensões meteóricas na redação. “Há uma editora que não é graduada. Era estagiária, e trancou a faculdade, para trabalhar apenas no jornal. Ela ia fazer faculdade e estagiar, só que um editor saiu e, com a vaga aberta, ela começou a editar a página e teve que trancar a faculdade, porque passou a ser a editora contratada. Uma pessoa que não é nem formada. De estagiária, virou editora”.
O clima menos agitado da redação foi um aspecto favorável das mudanças defendido por Marcelo Migliaccio. O editor-chefe afirma que, com o fim da correria do impresso, a rotina dos jornalistas ficou um pouco mais tranquila. “Agora não tem mais horário de gráfica, limite de páginas, então se a gente quiser fazer 20 páginas por dia a gente faz. O Caderno B, por exemplo, antes fechava cedo, porque tinha que imprimir página antes, hoje ele pode fechar às 10 horas da noite”. A impressão transmitida na visita à redação é de um ambiente tranquilo, se comparado com a correria que se espera de um jornal impresso. Além disso, o formato diagramado tem a proposta de não dar as notícias chamadas quentes, em tempo real, que o JB Online transmite. Pelo contrário, a intenção deste modelo é apresentar matérias diferenciadas ao público. Como qualquer veículo online, o telefone e a própria internet são os meios de apuração mais utilizados. Porém, o editor garante que há equipes que vão para a rua diariamente cobrir os mais diversos fatos (cinco no Rio e mais duas em Brasília).
Ironicamente, a revista JB Ecológico ainda é impressa em papel, pondo em xeque o argumento ambiental utilizado pela empresa por ocasião do abandono do papel. Questionado, Migliaccio justifica dizendo que a revista passou a ser publicada somente em edições especiais, que geram grandes lucros. Complementa dizendo que os R$ 9,90 das assinaturas pelo JB Digital (que no momento não são cobradas) não sustentam o jornal, e sim publicidade e eventos. “Nós fizemos agora a premiação do JB Ecológico, que foi um evento que trouxe mais de R$ 1 milhão para o jornal”, afirma o editor-chefe, acrescentando que já não ocorrem mais atrasos no pagamento dos salários, como na época do impresso.
Por concentrar suas ações exclusivamente na internet, a nova fase do JB exige uma integração intensa com as redes sociais, para divulgar a marca e chamar acessos ao site. Há um peso inegável na crescente conexão com Twitter (mais de 11 mil seguidores) e Facebook (mais de mil contatos). Além dos blogs, que atendem nichos de leitores e podem atingir independentemente até 50 mil acessos mensais. O número de acessos diários à página oficial do jornal (que é hospedada no Portal Terra) é de cerca de 300 mil por dia. Chegou a atingir 600 mil diariamente, durante a fase de transição para o JB Digital. Os sete mil assinantes do jornal impresso tiveram seus contratos estendidos para a versão digital, por R$ 9,90, o que naturalmente não agradou a todos os leitores.
A mudança em direção ao formato exclusivamente digital traz novos dilemas, como a renovação do público, já que o leitor do JB é mais velho do que a média da concorrência. A dificuldade natural em se adaptar nos primeiros momentos faz com que o jornal busque soluções para dinamizar o processo, especialmente para quem está acostumado com a manipulação do impresso ao invés de leitura em jornal no computador ou nos mais recentes gadgets.
Encontramos um exemplo claro da resistência ao modelo digital dentro da própria redação. Borges Neto, redator que ingressou no jornal no ano de 1970, época na qual existia uma equipe de revisão “fantástica”, segundo ele, agora é o único responsável pelo controle de qualidade na versão online. Quando indagado se prefere o modelo impresso ao digital Borges Neto não hesita escolher o tradicional: “Prefiro que imprimam as páginas, acho que isso é um vício. Eu prefiro papel, faço no print. No computador é estranho”, diz, completando em seguida: “Gosto mais do impresso, assim como muita gente também gosta. Acho que mesmo daqui a alguns anos vão preferir o papel. O online é muito rápido, muito fútil. Ele passa, vai embora”.
Débora Monserrat, Guilherme Schneider, Lucie Girardot, Raquel Pedroza e Tiago Andrade
Quem passa apressado por debaixo do viaduto da Av. Paulo de Frontin, no Rio Comprido, Zona Norte do Rio, talvez nem perceba, mas lá estão as duas sedes do tradicional Jornal do Brasil. A vizinhança depauperada expõe a atual fase de dificuldades enfrentadas pelo diário, que já teve como endereços a Av. Rio Branco e, entre 1973 e 2001, o suntuoso edifício número 500 da Av. Brasil (apontado pelos críticos como um “elefante branco”, que ajudou a quebrar a empresa). Perto de completar 120 anos de sua fundação, o jornal aposta na dita era digital para sonhar com uma sobrevida próspera.
Em lados opostos da avenida, sob o Elevado Paulo de Frontin, estão a sede principal, com a redação do JB, e CPDoc, prédio que preserva o que restou da memória visual da empresa, vitimada por um incêndio nos anos 1970 e por anos de falta de investimento em pesquisa e documentação. O prédio da redação encontra-se no número 651, em um discreto anexo à “Casa do Bispo”, construção colonial do século XVIII onde antes funcionava a redação do jornal impresso, hoje vazia. Ao passar pela porta é inevitável notar uma grande placa fixada na fachada escrito “aluga-se”.
Não é a sentença de morte: o jornal, que se mudou para o Rio Comprido em 2005, reduziu dramaticamente seu quadro de funcionários e, hoje, a redação cabe inteira nos fundos do casarão, num modesto prédio que já abrigou um seminário. O imóvel, pertencente à Igreja, já foi ocupado pela Fundação Roberto Marinho, que se mudou dali devido aos constantes tiroteios nos morros vizinhos, abrindo caminho para o último inquilino: o JB.
A redação atual é organizada, moderna e funcional. De acordo com Marcelo Migliaccio, atual editor-chefe, trabalham na empresa cerca de 150 funcionários, incluindo colaboradores em outros estados, sendo cerca de 60 jornalistas e 10 estagiários. Uma fração se comparada à redação dos tempos da Av. Brasil 500, onde há pouco mais de uma década trabalhavam mais de 400 jornalistas.
De fato, o Jornal do Brasil não acabou, como muitos acreditaram que aconteceria. Porém, passou por uma mudança jamais vista nos meios de comunicação impressos nacionais. Desde 1º de setembro de 2010, o jornal deixou de existir como impresso, passando apenas a ser um jornal digital com duas versões: uma online, com cobertura em tempo real, e a outra diagramada nos mesmos moldes do impresso, a chamada versão digital. Ambas são escritas no mesmo ambiente, mas por equipes de jornalistas distintas.
Em entrevista, Migliaccio listou e justificou os diversos motivos para a escolha do formato apenas digital, entre eles os altos custos do papel-jornal. Segundo o editor-chefe, o discurso ambiental também pesou na escolha, pois assim estariam “derrubando menos árvores”. Migliaccio considera a mudança uma tendência mundial e chegou a dizer que todos os jornais mais cedo ou mais tarde acabariam abandonando o modelo impresso. Ele não deixa de reconhecer, no entanto, que grande parte das dificuldades jurídicas e econômicas pelas quais passou o jornal contribuíram para a mudança: “Ninguém nega que o JB passou por uma crise forte”, afirma. Apesar de admitir problemas, o jornalista sustenta ter boas perspectivas para o futuro: “O JB não acabou. Acabou na banca. Porém, antes o JB estava somente na banca. Hoje estamos no Japão, na China… recebo e-mails do mundo inteiro de gente que está lendo o JB na internet”, conta.
Ainda segundo o editor-chefe, o jornal conta atualmente com sete milhões de acessos por mês, contra uma tiragem impressa média de 20 mil exemplares este ano. Quase nada para um jornal que há quatro décadas colocava nas bancas mais de 500 mil exemplares aos domingos.
Um ex-editor, que trabalhou no JB por mais de uma década, afirmou em entrevista que as vendas não paravam de cair, e que o jornal mudou o formato puramente por questões financeiras. “Para não acabar, a única maneira foi fazer isso (ficar só online).” De fato, o JB foi o primeiro diário brasileiro na internet, em 1995. Mas o pioneirismo da época não guarda semelhanças com a opção atual, adotada após sucessivos prejuízos e perda de espaço no mercado impresso carioca. Sob o controle do empresário Nelson Tanure desde 2000, o JB enfrentou sucessivas mudanças de comando (em média, um novo editor-chefe a cada 10 meses) e perdeu o rumo. Em 2008, deixou o Instituto Verificador de Circulação (IVC), em meio a denúncias de que inflava sua tiragem para cobrar mais pelos anúncios.
A dívida trabalhista tornou-se também uma bola de neve, devido ao frequente desrespeito aos direitos dos funcionários. Em 2001, os que ganhavam salários mais elevados foram obrigados a criar empresas, numa estratégia do jornal para driblar a legislação e pagar menos encargos. Anos depois, recuou e se comprometeu com o Sindicato dos Jornalistas do Município do Rio de Janeiro e com a Justiça do Trabalho a regularizar a situação. Mas o estrago já estava feito. Segundo Migliaccio, “a Justiça asfixiou o Jornal do Brasil”, ao arrestar todos os recursos da empresa para quitar débitos trabalhistas, impedindo seu funcionamento normal. “O que poderiam ter feito: JB você está devendo X, então você vai pagar todo mês R$ 500 mil para causas trabalhistas. Mas não. Entravam R$ 2 milhões aqui de anúncio publicitário, e a Justiça carregava os R$ 2 milhões. A Justiça matou a galinha dos ovos de ouro que tinha, porque foi incapaz de criar um escalonamento da dívida”, lamenta. Ninguém sabe ao certo o tamanho da dívida do JB, que, de acordo com a fonte, pode variar entre R$ 100 milhões e R$ 1 bilhão. Há ex-editores com indenizações superiores a R$ 1 milhão, acertadas em acordos judiciais, mas que simplesmente não são quitadas, gerando novas multas.
Migliaccio nega que a mudança para o formato digital tenha acarretado novas demissões (exceto na Editoria de Arte) ou atribuição de tarefas de profissionais a estagiários. Nossa equipe de reportagem apurou, no entanto, que houve cortes na Fotografia e, pontualmente, em diversas editorias. Com equipes extremamente enxutas, a saída de um único jornalista já acarretava transtornos. Um ex-editor afirma que, nesse cenário, ocorrem ascensões meteóricas na redação. “Há uma editora que não é graduada. Era estagiária, e trancou a faculdade, para trabalhar apenas no jornal. Ela ia fazer faculdade e estagiar, só que um editor saiu e, com a vaga aberta, ela começou a editar a página e teve que trancar a faculdade, porque passou a ser a editora contratada. Uma pessoa que não é nem formada. De estagiária, virou editora”.
O clima menos agitado da redação foi um aspecto favorável das mudanças defendido por Marcelo Migliaccio. O editor-chefe afirma que, com o fim da correria do impresso, a rotina dos jornalistas ficou um pouco mais tranquila. “Agora não tem mais horário de gráfica, limite de páginas, então se a gente quiser fazer 20 páginas por dia a gente faz. O Caderno B, por exemplo, antes fechava cedo, porque tinha que imprimir página antes, hoje ele pode fechar às 10 horas da noite”. A impressão transmitida na visita à redação é de um ambiente tranquilo, se comparado com a correria que se espera de um jornal impresso. Além disso, o formato diagramado tem a proposta de não dar as notícias chamadas quentes, em tempo real, que o JB Online transmite. Pelo contrário, a intenção deste modelo é apresentar matérias diferenciadas ao público. Como qualquer veículo online, o telefone e a própria internet são os meios de apuração mais utilizados. Porém, o editor garante que há equipes que vão para a rua diariamente cobrir os mais diversos fatos (cinco no Rio e mais duas em Brasília).
Ironicamente, a revista JB Ecológico ainda é impressa em papel, pondo em xeque o argumento ambiental utilizado pela empresa por ocasião do abandono do papel. Questionado, Migliaccio justifica dizendo que a revista passou a ser publicada somente em edições especiais, que geram grandes lucros. Complementa dizendo que os R$ 9,90 das assinaturas pelo JB Digital (que no momento não são cobradas) não sustentam o jornal, e sim publicidade e eventos. “Nós fizemos agora a premiação do JB Ecológico, que foi um evento que trouxe mais de R$ 1 milhão para o jornal”, afirma o editor-chefe, acrescentando que já não ocorrem mais atrasos no pagamento dos salários, como na época do impresso.
Por concentrar suas ações exclusivamente na internet, a nova fase do JB exige uma integração intensa com as redes sociais, para divulgar a marca e chamar acessos ao site. Há um peso inegável na crescente conexão com Twitter (mais de 11 mil seguidores) e Facebook (mais de mil contatos). Além dos blogs, que atendem nichos de leitores e podem atingir independentemente até 50 mil acessos mensais. O número de acessos diários à página oficial do jornal (que é hospedada no Portal Terra) é de cerca de 300 mil por dia. Chegou a atingir 600 mil diariamente, durante a fase de transição para o JB Digital. Os sete mil assinantes do jornal impresso tiveram seus contratos estendidos para a versão digital, por R$ 9,90, o que naturalmente não agradou a todos os leitores.
A mudança em direção ao formato exclusivamente digital traz novos dilemas, como a renovação do público, já que o leitor do JB é mais velho do que a média da concorrência. A dificuldade natural em se adaptar nos primeiros momentos faz com que o jornal busque soluções para dinamizar o processo, especialmente para quem está acostumado com a manipulação do impresso ao invés de leitura em jornal no computador ou nos mais recentes gadgets.
Encontramos um exemplo claro da resistência ao modelo digital dentro da própria redação. Borges Neto, redator que ingressou no jornal no ano de 1970, época na qual existia uma equipe de revisão “fantástica”, segundo ele, agora é o único responsável pelo controle de qualidade na versão online. Quando indagado se prefere o modelo impresso ao digital Borges Neto não hesita escolher o tradicional: “Prefiro que imprimam as páginas, acho que isso é um vício. Eu prefiro papel, faço no print. No computador é estranho”, diz, completando em seguida: “Gosto mais do impresso, assim como muita gente também gosta. Acho que mesmo daqui a alguns anos vão preferir o papel. O online é muito rápido, muito fútil. Ele passa, vai embora”.
O nascimento de uma escola brasileira de fotojornalismo
23/11/2010Jornal do Brasil notabilizou-se pelo aproveitamento excepcional das imagens, tornando-se espaço privilegiado para revelação e premiação de talentos
Jorge Natan e Carlos Oliveira
Foram quase 120 anos como referência na imprensa nacional. O Jornal do Brasil foi um veículo que ultrapassou todos os períodos da República, dos mais democráticos aos anos de chumbo. Desta forma, desenvolveu sua importância como meio de comunicação e, simultaneamente, suas particularidades, que não estavam restritas apenas ao estilo de escrita. O JB possuía um aspecto totalmente peculiar nas fotografias que estampava e, assim, é visto como fundamental para o desenvolvimento do fotojornalismo brasileiro.
Esta análise é compartilhada por uma série de acadêmicos e profissionais da fotografia. Professor de fotojornalismo da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e fotógrafo do Jornal do Brasil por mais de 14 anos, Ricardo de Hollanda tem propriedade para apontar como a publicação revolucionou a importância da imagem dentro do jornalismo em terras nacionais.
Segundo o professor, o JB conseguiu revolucionar a linguagem fotográfica, sob o ponto de vista jornalístico, ao implantar – pela primeira vez no Brasil – as ideias vindas do jornalismo americano, no final da década de 50. Nesta época, a reforma gráfico-visual do JB é comandada por Odylo Costa, filho, momento em que chegam ao jornal profissionais de renome, como o artista plástico Amílcar de Castro.
A principal transformação reside no fato de que o Jornal do Brasil passou a ter a publicação de fotografias na primeira página, em espaço nobre. “A imagem ganha outra dimensão e a equipe de fotógrafos do JB já estava adaptada para atender a essa demanda. Surge, então, uma equipe fotográfica que em nenhum momento do fotojornalismo brasileiro existiu igual”, comenta Hollanda, que cita Evandro Teixeira como grande nome da fotografia do jornal.
O ex-editor de fotografia Erno Schneider, que chegou ao JB neste período de reforma, expõe o quão especial era o fotojornalismo desenvolvido por tal equipe. “Na época, o Jornal do Brasil era covardia em matéria de fotografia. Sempre trazia uma foto diferente dos outros. Apostavam na foto diferente e a publicavam na primeira página. O JB era o máximo do jornalismo fotográfico”, declara o fotógrafo, que ainda lembra as premiações para os profissionais que emplacavam mais imagens na primeira página.
Este ambiente de valorização do fotojornalismo ganhou ainda mais força quando Alberto Dines cria o Departamento de Fotografia e a figura do editor de fotografia, que davam aos profissionais da imagem uma maior autonomia, pois se reportavam a alguém com visão mais apurada do que os editores convencionais. Assim, o primeiro Prêmio Esso (maior premiação do jornalismo brasileiro) que o JB viria a ganhar seria o de fotografia, em 1962. Erno Schneider seria o premiado com a clássica foto em que o ex-presidente Jânio Quadros aparece de costas, com as pernas em direções opostas, sob o título “Qual é o rumo?” (abaixo, no detalhe).
“O diferencial era o grande diálogo entre a redação e a equipe fotográfica. Assim, criou-se uma cultura da imagem, que acabou virando uma escola de referência”, explica Ricardo de Hollanda, que garante a influência do Jornal do Brasil no ensino do fotojornalismo no Brasil. Para o professor, os jornais de hoje não apresentam imagens com a mesma representatividade. “Hoje se abre a primeira página do jornal, são sempre fotografias sem graça, paradas; sem vida, sem dinâmica. No JB, havia lugar, também, para a fotografia romântica, algo mais subjetivo.”
Jorge Natan e Carlos Oliveira
Foram quase 120 anos como referência na imprensa nacional. O Jornal do Brasil foi um veículo que ultrapassou todos os períodos da República, dos mais democráticos aos anos de chumbo. Desta forma, desenvolveu sua importância como meio de comunicação e, simultaneamente, suas particularidades, que não estavam restritas apenas ao estilo de escrita. O JB possuía um aspecto totalmente peculiar nas fotografias que estampava e, assim, é visto como fundamental para o desenvolvimento do fotojornalismo brasileiro.
Esta análise é compartilhada por uma série de acadêmicos e profissionais da fotografia. Professor de fotojornalismo da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e fotógrafo do Jornal do Brasil por mais de 14 anos, Ricardo de Hollanda tem propriedade para apontar como a publicação revolucionou a importância da imagem dentro do jornalismo em terras nacionais.
Segundo o professor, o JB conseguiu revolucionar a linguagem fotográfica, sob o ponto de vista jornalístico, ao implantar – pela primeira vez no Brasil – as ideias vindas do jornalismo americano, no final da década de 50. Nesta época, a reforma gráfico-visual do JB é comandada por Odylo Costa, filho, momento em que chegam ao jornal profissionais de renome, como o artista plástico Amílcar de Castro.
A principal transformação reside no fato de que o Jornal do Brasil passou a ter a publicação de fotografias na primeira página, em espaço nobre. “A imagem ganha outra dimensão e a equipe de fotógrafos do JB já estava adaptada para atender a essa demanda. Surge, então, uma equipe fotográfica que em nenhum momento do fotojornalismo brasileiro existiu igual”, comenta Hollanda, que cita Evandro Teixeira como grande nome da fotografia do jornal.
O ex-editor de fotografia Erno Schneider, que chegou ao JB neste período de reforma, expõe o quão especial era o fotojornalismo desenvolvido por tal equipe. “Na época, o Jornal do Brasil era covardia em matéria de fotografia. Sempre trazia uma foto diferente dos outros. Apostavam na foto diferente e a publicavam na primeira página. O JB era o máximo do jornalismo fotográfico”, declara o fotógrafo, que ainda lembra as premiações para os profissionais que emplacavam mais imagens na primeira página.
Este ambiente de valorização do fotojornalismo ganhou ainda mais força quando Alberto Dines cria o Departamento de Fotografia e a figura do editor de fotografia, que davam aos profissionais da imagem uma maior autonomia, pois se reportavam a alguém com visão mais apurada do que os editores convencionais. Assim, o primeiro Prêmio Esso (maior premiação do jornalismo brasileiro) que o JB viria a ganhar seria o de fotografia, em 1962. Erno Schneider seria o premiado com a clássica foto em que o ex-presidente Jânio Quadros aparece de costas, com as pernas em direções opostas, sob o título “Qual é o rumo?” (abaixo, no detalhe).
“O diferencial era o grande diálogo entre a redação e a equipe fotográfica. Assim, criou-se uma cultura da imagem, que acabou virando uma escola de referência”, explica Ricardo de Hollanda, que garante a influência do Jornal do Brasil no ensino do fotojornalismo no Brasil. Para o professor, os jornais de hoje não apresentam imagens com a mesma representatividade. “Hoje se abre a primeira página do jornal, são sempre fotografias sem graça, paradas; sem vida, sem dinâmica. No JB, havia lugar, também, para a fotografia romântica, algo mais subjetivo.”
“O JB morreu, não vamos chorar”
23/11/2010Grande nome do fotojornalismo nacional, Evandro Teixeira conta as experiências de quase cinco décadas de jornal
Carlos Oliveira e Jorge Natan
Humildade e persistência são palavras que descrevem a personalidade de um dos mais importantes fotógrafos do Brasil. Único a entrar no Forte de Copacabana para registrar a chegada do general Humberto Castelo Branco em 1964, na ocasião do golpe militar, Evandro Teixeira, hoje com 65 anos, também foi o único brasileiro a cobrir o suicídio em massa comandado pelo líder religioso Jim Jones, na Guiana, em 1978.
Evandro, autor de sete livros, afirma que hesitou ao ser convidado para trabalhar no Jornal do Brasil. Na época, lembra, só os melhores trabalhavam lá, e o jovem repórter fotográfico não tinha certeza de que estava à altura dos futuros colegas. Mas encarou o desafio e acabou se tornando, ao longo das décadas seguintes, um dos maiores nomes do fotojornalismo brasileiro.
Nos últimos anos, comandava a editoria de fotografia do JB, mas não perdia a oportunidade de sair às ruas, sempre que possível. Demitiu-se na última semana de circulação da versão impressa, quando soube que sua equipe de oito fotógrafos seria reduzida a apenas dois. Na redação, fez discurso acalorado de despedida, com seu forte sotaque nordestino, sendo aplaudido de pé pelos jornalistas remanescentes.
Em entrevista, Evandro Teixeira contou um pouco de sua experiência ao longo de 47 anos de serviços prestados ao que afirma ter sido “o jornal mas importante do Brasil”. Mas, pragmático, recusa-se a lamentar o fim da edição em papel, que representou um marco em termos de aproveitamento de fotografia na imprensa do país.
Como foi o convite para trabalhar no Jornal do Brasil?
Naquela época eu trabalhava no Diário da Noite, onde comecei. À medida que cresci e apareci, fui convidado a trabalhar no JB. Tive medo porque a elite do jornalismo brasileiro estava lá. Fiquei mais de um ano pensando até aceitar o convite, em janeiro de 1963, pois era o sonho de todos porque o JB era o melhor do Brasil, trabalhar lá era a glória.
Qual foi a sua primeira cobertura no Jornal do Brasil?
A primeira cobertura importante foi a dos Jogos Pan-Americanos de 1963, logo que entrei no jornal. Era um jornal em que fazíamos o que tínhamos vontade de fazer, viajávamos quando queríamos viajar de carro, avião etc.
Como foi fazer parte dessa revolução que o JB foi para o fotojornalismo brasileiro?
Eu me senti honrado em ter feito parte dessa história do jornal que foi considerado o mais importante do Brasil e um dos mais importantes do mundo. Um jornal pioneiro em modernidade, criatividade e diagramação, de um modo geral. Claro que aprendi muito ali, o Jornal do Brasil foi uma eterna escola de jornalismo até no seu fechamento. Era ainda um jornal de respeito, moderno e criativo.
O que o fotojornalismo do JB tinha como diferença em relação aos demais jornais?
O JB tinha tudo diferente, os outros profissionais seguiam quem trabalhava no Jornal do Brasil. O JB era a referência para a fotografia jornalística brasileira. Procurávamos mostrar um lado diferente de todos, fazendo isso através de uma maneira especial de fotografar e mostrar o cotidiano dos espaços. Assim, o jornal era querido e acompanhado.
Qual era o diferencial dos profissionais do JB em comparação com os profissionais de outras publicações?
A diferença era o que se mostrava no dia a dia. O impacto do jornal e os leitores faziam a diferença. Ficávamos distantes do fato, e não no meio das confusões, a fim de explorar outra visão, mais jornalística, diferenciada. Mostrávamos um lado mais humano, cômico ou histórico. Cada situação tinha sua particularidade e era isso que procurávamos mostrar e diferenciar. A ordem dos concorrentes era nos seguir onde estivéssemos.
Qual foi a foto mais marcante?
Eu não tenho uma foto marcante, mas muitas matérias e fotos minhas ficaram marcadas na história do Brasil e do mundo. Eu acompanhei diversos fatos históricos e a partir daí muitas imagens ficaram na memória, como o golpe militar no Chile (em 1973), o enterro do Neruda (Pablo Neruda, poeta e cônsul chileno, também em 1973), o massacre da Guiana comandado por Jim Jones, nos dois últimos sendo o único brasileiro. Porém aquela que mais gosto é sobre um casamento em Paraty, que impressiona pela simplicidade, singeleza e o inusitado.
Houve fotos vetadas pela ditadura?
Muitas fotos, muitas coisas eram vetadas. Por exemplo, uma foto da passeata em que aparecia um cartaz dizendo “Abaixo a Ditadura. Povo no poder” nunca foi publicada. Foi publicada uma outra que mostrava o contexto geral da passeata, a multidão, sem que pudesse ser feita leitura de qualquer faixa. Eu quis dar o meu olhar sobre aquela passeata, quis dizer algo com aquela foto e por isso não deixaram publicar. A foto original ficou guardada até 1983 quando foi publicada em meu livro.
Qual foi a pior situação passada no Jornal do Brasil?
Eu passei grandes momentos alegres e tristes. Mas os momentos mais dramáticos foram a ditadura no Brasil, quando sofremos muita represália, e o golpe militar no Chile, que foi “barra pesada”. Lá era “salve-se quem puder”. Apesar de tudo foi muito gratificante. A função do fotojornalismo é mostrar e denunciar esses acontecimentos, no Brasil e no mundo.
Quantos fotógrafos formavam a equipe do JB?
A equipe chegou a ter 52 fotógrafos, depois foi diminuindo e agora no fim tinham oito a dez. Cobríamos o que era possível no padrão atual do jornal. Dentro do limite de quantidade procurávamos mostrar qualidade. Quantidade não significa qualidade.
Como viver sem o JB nas bancas diariamente?
Todo mundo sente a diferença. O jornal era uma referência para o intelectual do Brasil e do Rio de Janeiro, especialmente. Eu sinto falta porque gosto de ler o jornal, apesar de ele estar muito bom na internet. Nela, não temos o sabor e o gosto de ficar folheando.
Por que as outras publicações não suprem a saída do JB?
O Jornal do Brasil foi único como a revista Life. Ninguém nunca conseguiu superar a qualidade dela. Igual não tem. As pessoas sentem muita falta do Caderno B, que era belíssimo. Ao contrário de jornais como o Estado de S. Paulo e Folha de S.Paulo, que são regionalistas, o JB era o jornal nacional e era puramente a cara do Rio. Mas morreu, não vamos chorar, vamos fazer e ler outras coisas.
O que o JB contribuiu para sua carreira e o que você contribuiu para o jornal?
Foi uma troca de informações. Eu aprendi muito com o jornal e claro que o JB tirou proveito do meu trabalho. Ali viajei e conheci o mundo, fiz muitas coberturas esportivas, política, moda. Foi um casamento perfeito.
Qual a frase ou expressão que ilustra a sua passagem e vivência no Jornal do Brasil?
Foi bom enquanto durou. O JB marcou muito e deixou saudade.
Ouça os principais trechos da entrevista de Evandro Teixeira
Carlos Oliveira e Jorge Natan
Humildade e persistência são palavras que descrevem a personalidade de um dos mais importantes fotógrafos do Brasil. Único a entrar no Forte de Copacabana para registrar a chegada do general Humberto Castelo Branco em 1964, na ocasião do golpe militar, Evandro Teixeira, hoje com 65 anos, também foi o único brasileiro a cobrir o suicídio em massa comandado pelo líder religioso Jim Jones, na Guiana, em 1978.
Evandro, autor de sete livros, afirma que hesitou ao ser convidado para trabalhar no Jornal do Brasil. Na época, lembra, só os melhores trabalhavam lá, e o jovem repórter fotográfico não tinha certeza de que estava à altura dos futuros colegas. Mas encarou o desafio e acabou se tornando, ao longo das décadas seguintes, um dos maiores nomes do fotojornalismo brasileiro.
Nos últimos anos, comandava a editoria de fotografia do JB, mas não perdia a oportunidade de sair às ruas, sempre que possível. Demitiu-se na última semana de circulação da versão impressa, quando soube que sua equipe de oito fotógrafos seria reduzida a apenas dois. Na redação, fez discurso acalorado de despedida, com seu forte sotaque nordestino, sendo aplaudido de pé pelos jornalistas remanescentes.
Em entrevista, Evandro Teixeira contou um pouco de sua experiência ao longo de 47 anos de serviços prestados ao que afirma ter sido “o jornal mas importante do Brasil”. Mas, pragmático, recusa-se a lamentar o fim da edição em papel, que representou um marco em termos de aproveitamento de fotografia na imprensa do país.
Como foi o convite para trabalhar no Jornal do Brasil?
Naquela época eu trabalhava no Diário da Noite, onde comecei. À medida que cresci e apareci, fui convidado a trabalhar no JB. Tive medo porque a elite do jornalismo brasileiro estava lá. Fiquei mais de um ano pensando até aceitar o convite, em janeiro de 1963, pois era o sonho de todos porque o JB era o melhor do Brasil, trabalhar lá era a glória.
Qual foi a sua primeira cobertura no Jornal do Brasil?
A primeira cobertura importante foi a dos Jogos Pan-Americanos de 1963, logo que entrei no jornal. Era um jornal em que fazíamos o que tínhamos vontade de fazer, viajávamos quando queríamos viajar de carro, avião etc.
Como foi fazer parte dessa revolução que o JB foi para o fotojornalismo brasileiro?
Eu me senti honrado em ter feito parte dessa história do jornal que foi considerado o mais importante do Brasil e um dos mais importantes do mundo. Um jornal pioneiro em modernidade, criatividade e diagramação, de um modo geral. Claro que aprendi muito ali, o Jornal do Brasil foi uma eterna escola de jornalismo até no seu fechamento. Era ainda um jornal de respeito, moderno e criativo.
O que o fotojornalismo do JB tinha como diferença em relação aos demais jornais?
O JB tinha tudo diferente, os outros profissionais seguiam quem trabalhava no Jornal do Brasil. O JB era a referência para a fotografia jornalística brasileira. Procurávamos mostrar um lado diferente de todos, fazendo isso através de uma maneira especial de fotografar e mostrar o cotidiano dos espaços. Assim, o jornal era querido e acompanhado.
Qual era o diferencial dos profissionais do JB em comparação com os profissionais de outras publicações?
A diferença era o que se mostrava no dia a dia. O impacto do jornal e os leitores faziam a diferença. Ficávamos distantes do fato, e não no meio das confusões, a fim de explorar outra visão, mais jornalística, diferenciada. Mostrávamos um lado mais humano, cômico ou histórico. Cada situação tinha sua particularidade e era isso que procurávamos mostrar e diferenciar. A ordem dos concorrentes era nos seguir onde estivéssemos.
Qual foi a foto mais marcante?
Eu não tenho uma foto marcante, mas muitas matérias e fotos minhas ficaram marcadas na história do Brasil e do mundo. Eu acompanhei diversos fatos históricos e a partir daí muitas imagens ficaram na memória, como o golpe militar no Chile (em 1973), o enterro do Neruda (Pablo Neruda, poeta e cônsul chileno, também em 1973), o massacre da Guiana comandado por Jim Jones, nos dois últimos sendo o único brasileiro. Porém aquela que mais gosto é sobre um casamento em Paraty, que impressiona pela simplicidade, singeleza e o inusitado.
Houve fotos vetadas pela ditadura?
Muitas fotos, muitas coisas eram vetadas. Por exemplo, uma foto da passeata em que aparecia um cartaz dizendo “Abaixo a Ditadura. Povo no poder” nunca foi publicada. Foi publicada uma outra que mostrava o contexto geral da passeata, a multidão, sem que pudesse ser feita leitura de qualquer faixa. Eu quis dar o meu olhar sobre aquela passeata, quis dizer algo com aquela foto e por isso não deixaram publicar. A foto original ficou guardada até 1983 quando foi publicada em meu livro.
Qual foi a pior situação passada no Jornal do Brasil?
Eu passei grandes momentos alegres e tristes. Mas os momentos mais dramáticos foram a ditadura no Brasil, quando sofremos muita represália, e o golpe militar no Chile, que foi “barra pesada”. Lá era “salve-se quem puder”. Apesar de tudo foi muito gratificante. A função do fotojornalismo é mostrar e denunciar esses acontecimentos, no Brasil e no mundo.
Quantos fotógrafos formavam a equipe do JB?
A equipe chegou a ter 52 fotógrafos, depois foi diminuindo e agora no fim tinham oito a dez. Cobríamos o que era possível no padrão atual do jornal. Dentro do limite de quantidade procurávamos mostrar qualidade. Quantidade não significa qualidade.
Como viver sem o JB nas bancas diariamente?
Todo mundo sente a diferença. O jornal era uma referência para o intelectual do Brasil e do Rio de Janeiro, especialmente. Eu sinto falta porque gosto de ler o jornal, apesar de ele estar muito bom na internet. Nela, não temos o sabor e o gosto de ficar folheando.
Por que as outras publicações não suprem a saída do JB?
O Jornal do Brasil foi único como a revista Life. Ninguém nunca conseguiu superar a qualidade dela. Igual não tem. As pessoas sentem muita falta do Caderno B, que era belíssimo. Ao contrário de jornais como o Estado de S. Paulo e Folha de S.Paulo, que são regionalistas, o JB era o jornal nacional e era puramente a cara do Rio. Mas morreu, não vamos chorar, vamos fazer e ler outras coisas.
O que o JB contribuiu para sua carreira e o que você contribuiu para o jornal?
Foi uma troca de informações. Eu aprendi muito com o jornal e claro que o JB tirou proveito do meu trabalho. Ali viajei e conheci o mundo, fiz muitas coberturas esportivas, política, moda. Foi um casamento perfeito.
Qual a frase ou expressão que ilustra a sua passagem e vivência no Jornal do Brasil?
Foi bom enquanto durou. O JB marcou muito e deixou saudade.
Ouça os principais trechos da entrevista de Evandro Teixeira
Órfãos de um velho gigante
23/11/2010Antigos leitores do Jornal do Brasil relembram o periódico, que tenta manter seu legado em versão digital
Jéssica Barreiros e Marianna Salles Falcão
“Vocês estão fazendo uma petição para o Jornal do Brasil voltar?” Foi esta a reação imediata da aposentada Hilda Santana, quando procurada pelas estudantes de Jornalismo que elaboravam reportagem sobre o fim da versão em papel do diário surgido em 9 de abril de 1891. Passados poucos meses desde o término de sua versão impressa, em 31 de agosto de 2010, muitos leitores ainda lamentam a despedida daquele veículo que, por mais de um século, esteve presente no dia-a-dia carioca.
As razões para acompanhar o Jornal do Brasil eram várias: entre os 18 leitores entrevistados, foram citadas a impressão de imparcialidade do jornal, se comparado com O Globo, seu maior concorrente; suas grandes reportagens que evitavam abordagens sensacionalistas; o alto nível de seus colunistas; o enfoque diferenciado em cultura através do Caderno B e da Revista de Domingo, entre outras qualidades.
Além disso, por vezes, ler o JB era um hábito que passava de pais para filhos. Eda Machado, professora de tai-chi-chuan de 67 anos, diz que começou lendo a parte infantil do jornal e, à medida que amadurecia, mudou para os outros cadernos. “Meu pai me passou o gosto pelo JB. Fiz laços de amizade com o jornal, porque fui crescendo junto com ele. Depois fui passando isso para os meus filhos também”, lembra. O mesmo aconteceu com Bete Nogueira, jornalista de 43 anos, que diz ter aprendido a gostar de ler e escrever com as crônicas de Luis Fernando Verissimo na Revista de Domingo. “Quando criança, não perdia uma edição, que eu pegava na casa da minha vizinha, leitora assídua do JB por, entre outras coisas, ser o jornal com o melhor caderno de classificados da cidade”, conta.
Apesar de todo este carinho pelo JB, que levou a professora Enia Mittelman, de 56 anos, a apelidá-lo como “o jornal de seu coração”, apenas dois dos entrevistados acompanharam a versão impressa até seus últimos dias. Novamente, as razões para deixar de lê-lo foram várias: a não-adaptação ao formato tablóide, com menos páginas, adotado em 2006; a perda de muitos colunistas para O Globo; o preço de R$ 2, que o tornava pouco acessível; a escassez de exemplares nas bancas, entre outros.
Leonardo Madela, jornalista que acompanhou o JB por um ano, justificou a diminuição de seu interesse pelo jornal por ter percebido uma queda na qualidade da apuração. “O JB foi perdendo a principal ferramenta de um veículo de comunicação: a credibilidade. O jornal não realizava uma apuração eficiente de suas matérias, que se tornaram verdadeiras ‘cópias’ de outros veículos”, afirma. O jornaleiro Alberto Bellafronte, que há 58 anos mantém uma banca na Avenida Rio Branco, lembra que o JB teve fases de muito prestígio, mas também de decadência, principalmente depois da construção da grande sede na Avenida Brasil nº 500. Nos últimos meses de vida do JB em papel, o jornaleiro deixou de vendê-lo porque havia uma exigência da distribuidora de que a banca vendesse pelo menos 20 edições diárias para que continuasse a recebê-las. “Qual banca vendia 20 exemplares do JB aqui no Centro?”, questiona Alberto, lembrando que muitos dos seus clientes reclamavam da queda de qualidade do jornal.
Já para Bete Nogueira, os problemas que levaram ao fim do JB não eram perceptíveis para o leitor comum. A jornalista, que trabalhou de 1999 a 2000 no veículo, afirma que, antes, já se comentava que o JB estava em decadência, mas essa impressão não passava para os leitores, “porque o padrão de texto e abordagem ainda eram os mesmos. Por isso, ainda era um orgulho trabalhar lá. Afinal, ele tem uma história lindíssima e ainda era uma referência para os cariocas”, diz.
A mesma sensação era compartilhada pela maioria dos entrevistados: mesmo aqueles que já não o acompanhavam ainda o qualificavam como um jornal de primeira grandeza. Georgina Maria Nader, professora de 56 anos, classificou o fim do JB como “um patrimônio que se perde”. Já Hilda Santana afirma que, atualmente, “não há jornal que se compare”. O mesmo sente Francisca Eliede da Silva, aluna da Universidade Aberta da Terceira Idade (UnATI/Uerj), que foi assinante do JB por mais de 20 anos. Com uma filha jornalista, sabia da dita “decadência” do jornal, que sofria com a má administração, mas se diz incapaz de compreender as razões que levaram a seu término. “Por que acabou? Pode ser por problemas financeiros, mas o jornal era bom, mesmo vindo com menos páginas, ele continuava bom”, conta.
A aposentada, que se diz uma fã incondicional do JB, guarda até hoje a última edição, de 31 de agosto, que foi mandada apenas para assinantes: “Inclusive o último jornal, que não foi entregue nas bancas, nós temos guardado, porque meu genro também é jornalista e ele quer guardar como relíquia”. A procura por esta edição histórica foi grande, mesmo entre aqueles que já não o liam periodicamente. José Paulo Gomes, que tem uma banca de jornal na esquina da Rua Teófilo Otoni com a Avenida Rio Branco, conta que a demanda pela última edição foi tanta que “neste dia, venderia mais do que em um ano inteiro”. Hoje, é possível encontrá-la à venda em sites de leilão online como Mercado Livre por valores que variam de R$ 99 a R$ 999.
O JB atualmente está disponível apenas em versão digital. Além do site com notícias divididas em editorias e um arquivo com pedaços de edições datadas de 1992 até 1998 (News Archive), é aberto o acesso ao JB Digital, em formato semelhante ao antigo impresso. Nele, estão disponíveis as editorias País, Cidade, Opinião, Economia, Internacional, Saúde-Ciência, Esporte e Caderno B, com um total de seis colunistas. Por enquanto, qualquer um pode lê-lo, mas há a previsão de que seu conteúdo se tornará restrito para assinantes, ao custo mensal de R$ 9,90.
Muitos dos entrevistados desconheciam a existência da versão online ou não tinham interesse neste formato. Para o eletricista Tarcísio Jacinto Freitas da Silva, que acompanhou o JB até suas últimas edições, chegando a comprar jornais de assinantes em uma banca da Zona Sul, o formato online ainda não é adequado à realidade brasileira. “Se o Brasil fosse um país em que você pudesse comprar um leitor eletrônico e ficar desfilando por aí para ler jornal nele, eu até me interessaria mais. O online também é um formato muito ruim para quem não se pode se dar ao luxo de entrar na internet de manhã e ver logo o jornal”, acredita.
Já o crítico de cinema Rodrigo Carvalho sempre teve o hábito de acompanhar o JB em sua versão online. Ainda que admita sentir falta de uma maior portabilidade, já que gosta de ler jornais enquanto está no ônibus em direção ao trabalho, vê no formato digital alguns recursos que tornam sua leitura uma experiência mais dinâmica. “Você vê o jornal como se estivesse vendo o real, tocando, pode folhear, tem a mesma diagramação, tudo, pode aumentar, tem esse lance do zoom que você aumenta onde quiser, mexe na página… Dá aquela sensação de que você está fazendo a edição do jornal”, relata.
Convidamos Eda Machado, de 67 anos, e Elza da Silva Barros, de 65, antigas leitoras, para testarem a versão online. Apesar de perceber a esporádica demora para carregar e sentir falta dos muitos colunistas que um dia o JB já teve, Eda a qualificou como “prática”. Ela elogiou a falta de anúncios e a facilidade para mexer em suas várias ferramentas, em especial aquela que permite que se pule direto para a editoria que mais lhe interesse. Elza também gostou da experiência: “é colorido, bem agradável, o que torna o jornal menos tradicional, sério. Adorei. Vou acessar lá de casa”, afirmou, animada. Ao serem informadas de que há previsão de que o conteúdo do site será fechado para assinantes, as aposentadas não se mostraram muito dispostas a pagar pela assinatura. Ainda assim, pelo tempo em que o acesso permanecer livre, Eda seguirá divulgando a versão digital: “Comecei a contar para todo mundo que ia ver o online”.
Jéssica Barreiros e Marianna Salles Falcão
“Vocês estão fazendo uma petição para o Jornal do Brasil voltar?” Foi esta a reação imediata da aposentada Hilda Santana, quando procurada pelas estudantes de Jornalismo que elaboravam reportagem sobre o fim da versão em papel do diário surgido em 9 de abril de 1891. Passados poucos meses desde o término de sua versão impressa, em 31 de agosto de 2010, muitos leitores ainda lamentam a despedida daquele veículo que, por mais de um século, esteve presente no dia-a-dia carioca.
As razões para acompanhar o Jornal do Brasil eram várias: entre os 18 leitores entrevistados, foram citadas a impressão de imparcialidade do jornal, se comparado com O Globo, seu maior concorrente; suas grandes reportagens que evitavam abordagens sensacionalistas; o alto nível de seus colunistas; o enfoque diferenciado em cultura através do Caderno B e da Revista de Domingo, entre outras qualidades.
Além disso, por vezes, ler o JB era um hábito que passava de pais para filhos. Eda Machado, professora de tai-chi-chuan de 67 anos, diz que começou lendo a parte infantil do jornal e, à medida que amadurecia, mudou para os outros cadernos. “Meu pai me passou o gosto pelo JB. Fiz laços de amizade com o jornal, porque fui crescendo junto com ele. Depois fui passando isso para os meus filhos também”, lembra. O mesmo aconteceu com Bete Nogueira, jornalista de 43 anos, que diz ter aprendido a gostar de ler e escrever com as crônicas de Luis Fernando Verissimo na Revista de Domingo. “Quando criança, não perdia uma edição, que eu pegava na casa da minha vizinha, leitora assídua do JB por, entre outras coisas, ser o jornal com o melhor caderno de classificados da cidade”, conta.
Apesar de todo este carinho pelo JB, que levou a professora Enia Mittelman, de 56 anos, a apelidá-lo como “o jornal de seu coração”, apenas dois dos entrevistados acompanharam a versão impressa até seus últimos dias. Novamente, as razões para deixar de lê-lo foram várias: a não-adaptação ao formato tablóide, com menos páginas, adotado em 2006; a perda de muitos colunistas para O Globo; o preço de R$ 2, que o tornava pouco acessível; a escassez de exemplares nas bancas, entre outros.
Leonardo Madela, jornalista que acompanhou o JB por um ano, justificou a diminuição de seu interesse pelo jornal por ter percebido uma queda na qualidade da apuração. “O JB foi perdendo a principal ferramenta de um veículo de comunicação: a credibilidade. O jornal não realizava uma apuração eficiente de suas matérias, que se tornaram verdadeiras ‘cópias’ de outros veículos”, afirma. O jornaleiro Alberto Bellafronte, que há 58 anos mantém uma banca na Avenida Rio Branco, lembra que o JB teve fases de muito prestígio, mas também de decadência, principalmente depois da construção da grande sede na Avenida Brasil nº 500. Nos últimos meses de vida do JB em papel, o jornaleiro deixou de vendê-lo porque havia uma exigência da distribuidora de que a banca vendesse pelo menos 20 edições diárias para que continuasse a recebê-las. “Qual banca vendia 20 exemplares do JB aqui no Centro?”, questiona Alberto, lembrando que muitos dos seus clientes reclamavam da queda de qualidade do jornal.
Já para Bete Nogueira, os problemas que levaram ao fim do JB não eram perceptíveis para o leitor comum. A jornalista, que trabalhou de 1999 a 2000 no veículo, afirma que, antes, já se comentava que o JB estava em decadência, mas essa impressão não passava para os leitores, “porque o padrão de texto e abordagem ainda eram os mesmos. Por isso, ainda era um orgulho trabalhar lá. Afinal, ele tem uma história lindíssima e ainda era uma referência para os cariocas”, diz.
A mesma sensação era compartilhada pela maioria dos entrevistados: mesmo aqueles que já não o acompanhavam ainda o qualificavam como um jornal de primeira grandeza. Georgina Maria Nader, professora de 56 anos, classificou o fim do JB como “um patrimônio que se perde”. Já Hilda Santana afirma que, atualmente, “não há jornal que se compare”. O mesmo sente Francisca Eliede da Silva, aluna da Universidade Aberta da Terceira Idade (UnATI/Uerj), que foi assinante do JB por mais de 20 anos. Com uma filha jornalista, sabia da dita “decadência” do jornal, que sofria com a má administração, mas se diz incapaz de compreender as razões que levaram a seu término. “Por que acabou? Pode ser por problemas financeiros, mas o jornal era bom, mesmo vindo com menos páginas, ele continuava bom”, conta.
A aposentada, que se diz uma fã incondicional do JB, guarda até hoje a última edição, de 31 de agosto, que foi mandada apenas para assinantes: “Inclusive o último jornal, que não foi entregue nas bancas, nós temos guardado, porque meu genro também é jornalista e ele quer guardar como relíquia”. A procura por esta edição histórica foi grande, mesmo entre aqueles que já não o liam periodicamente. José Paulo Gomes, que tem uma banca de jornal na esquina da Rua Teófilo Otoni com a Avenida Rio Branco, conta que a demanda pela última edição foi tanta que “neste dia, venderia mais do que em um ano inteiro”. Hoje, é possível encontrá-la à venda em sites de leilão online como Mercado Livre por valores que variam de R$ 99 a R$ 999.
O JB atualmente está disponível apenas em versão digital. Além do site com notícias divididas em editorias e um arquivo com pedaços de edições datadas de 1992 até 1998 (News Archive), é aberto o acesso ao JB Digital, em formato semelhante ao antigo impresso. Nele, estão disponíveis as editorias País, Cidade, Opinião, Economia, Internacional, Saúde-Ciência, Esporte e Caderno B, com um total de seis colunistas. Por enquanto, qualquer um pode lê-lo, mas há a previsão de que seu conteúdo se tornará restrito para assinantes, ao custo mensal de R$ 9,90.
Muitos dos entrevistados desconheciam a existência da versão online ou não tinham interesse neste formato. Para o eletricista Tarcísio Jacinto Freitas da Silva, que acompanhou o JB até suas últimas edições, chegando a comprar jornais de assinantes em uma banca da Zona Sul, o formato online ainda não é adequado à realidade brasileira. “Se o Brasil fosse um país em que você pudesse comprar um leitor eletrônico e ficar desfilando por aí para ler jornal nele, eu até me interessaria mais. O online também é um formato muito ruim para quem não se pode se dar ao luxo de entrar na internet de manhã e ver logo o jornal”, acredita.
Já o crítico de cinema Rodrigo Carvalho sempre teve o hábito de acompanhar o JB em sua versão online. Ainda que admita sentir falta de uma maior portabilidade, já que gosta de ler jornais enquanto está no ônibus em direção ao trabalho, vê no formato digital alguns recursos que tornam sua leitura uma experiência mais dinâmica. “Você vê o jornal como se estivesse vendo o real, tocando, pode folhear, tem a mesma diagramação, tudo, pode aumentar, tem esse lance do zoom que você aumenta onde quiser, mexe na página… Dá aquela sensação de que você está fazendo a edição do jornal”, relata.
Convidamos Eda Machado, de 67 anos, e Elza da Silva Barros, de 65, antigas leitoras, para testarem a versão online. Apesar de perceber a esporádica demora para carregar e sentir falta dos muitos colunistas que um dia o JB já teve, Eda a qualificou como “prática”. Ela elogiou a falta de anúncios e a facilidade para mexer em suas várias ferramentas, em especial aquela que permite que se pule direto para a editoria que mais lhe interesse. Elza também gostou da experiência: “é colorido, bem agradável, o que torna o jornal menos tradicional, sério. Adorei. Vou acessar lá de casa”, afirmou, animada. Ao serem informadas de que há previsão de que o conteúdo do site será fechado para assinantes, as aposentadas não se mostraram muito dispostas a pagar pela assinatura. Ainda assim, pelo tempo em que o acesso permanecer livre, Eda seguirá divulgando a versão digital: “Comecei a contar para todo mundo que ia ver o online”.
Uma reforma que fez história na imprensa mundial
22/11/2010JB foi referência internacional de diagramação de jornais, conta Ivanir Iazbeck
Jefferson de Barros Gomes
No fim dos anos 1950, o Jornal do Brasil iniciou uma histórica reforma gráfica e editorial, que transformou o diário das donas de casa, conhecido por seus anúncios classificados, num dos veículos mais inovadores do século 20, exemplo a ser seguido pelos concorrentes.
O jornalista e escritor Ivanir Yazbeck, ex-editor de arte dos jornais O Dia e Extra, com passagens pelo JB e pelo Globo, lembra em entrevista por e-mail como se deu essa revolução.
A reforma dos anos 50/60 foi considerada revolucionária na história do jornalismo brasileiro. Como ela foi construída?
A reforma começou em 1956 sob o comando do jornalista Odylo Costa, filho e do artista plástico Amílcar de Castro. Lentamente – e não, como se imagina hoje, de um dia para o outro–, o JB foi se impondo como uma escola de arranjos gráficos diferenciados dos outros jornais diários, no visual mais atraente, elegante e, sobretudo, de fácil leitura. Três características dos primeiros movimentos: a) a abertura de um espaço maior, entre os anúncios classificados, que dominavam a primeira página, para as chamadas das notícias mais importantes; b) a abolição dos fios que separavam as colunas; c) valorização do material fotográfico.
Como a sociedade reagiu à mudança? Que impacto ela causou? O que representou para os leitores?
Aos leitores, o texto disposto mais ordenadamente, sem artifícios de continuações em páginas seguintes. Para se entender o significado dos efeitos desse aprimoramento, compare-se o Globo, dessa mesma época, com o seu caótico emaranhado de textos, ao lado da diagramação mais clara e disciplinada do JB.
Dentro do JB, como reagiram à mudança?
Todos os setores foram contemplados pela modernização gráfica: os repórteres viam seu material mais valorizado; a padronização desafiava os redatores a produzirem títulos mais criativos; o material ilustrativo, fotos ou desenhos, ocupando espaços amplos; os editores e diagramadores, tentados ao desenho das páginas mais atraentes; e, na última ponta, a indústria gráfica mais disciplinada na sua linha de montagem, orientada pelos cálculos dos textos datilografados transformados na matéria-prima da impressão (basicamente, o chumbo), que vão se encaixar em cada página, de acordo com os diagramas desenhados na redação. A oficina adquiriu mais rapidez e fluidez, com grande economia de tempo e de material.
O JB, nessa época, começou a publicar o Suplemento Dominical e em seguida, o Caderno B, com arte, cultura e variedades. Como a classe artística, que ganhou mais espaço no jornal, observou essa mudança e se integrou ao jornal?
O Suplemento Dominical foi o modelo para todos os cadernos de artes e variedades que se seguiram, não só no JB. Ele foi o embrião da maior invenção da imprensa brasileira, em todos os tempos, em matéria de suplemento: o Caderno B. A classe artística aplaudia de pé os espaços generosos que o Caderno B lhe dedicava. Havia uma página diariamente dedicada às críticas de cinema, teatro, artes plásticas, música popular e clássica, assinadas pelos mais respeitados jornalistas especializados. É no Caderno B que ocorrem as mais ousadas, criativas páginas que o farão modelo de diagramação. Dentro da grande escola de jornalismo obsessivamente correto e honesto, que foi o JB, o Caderno B representou o jornalismo gráfico ousado nas propostas e tendências inovadoras.
Também nessa época, a primeira página do jornal deixou de exibir somente classificados, e estes tornaram-se um L na primeira página. Ficou marcada a frase de Amílcar de Castro, que disse que “Antigamente, o JB queria se parecer com os outros jornais. Depois, todos os jornais quiseram ser o JB”.
Deve se destacar que a base do L, formado pelos pequenos anúncios, foi sendo reduzida, lentamente, em dois ou três anos, se ampliando o espaço para as notícias. Não foi um momento de impacto de um dia para outro. A frase de Amílcar de Castro é corretíssima: especialmente nos anos 60 até meados dos 70, o JB era uma referência não apenas nacional, mas reconhecido nas principais redações do mundo como um modelo de diagramação admirável.
De que forma o JB influenciou os outros jornais?
A edição da primeira página; os textos primorosos; o Caderno B – “onde o Rio era mais carioca”; a editoria feminina; a edição mais solta da cobertura esportiva; o Informe JB; a página de editoriais e charges assinadas por Lan, depois Chico Caruso; a coluna do Zózimo; a Revista de Domingo – em cada item, um modelo que se espalhou, se diversificou e ainda adquire nos jornais de hoje ares de “inovação”.
A mudança causou uma popularização do jornal?
Popularizou-se entre os leitores mais bem informados, mais cultos e exigentes – isso pode ser traduzido em 550 mil leitores de uma edição dominical nos anos de chumbo: 1969. Proporcionalmente à população do Rio à época, é bem superior às atuais edições dominicais da Folha de S.Paulo e Globo.
O JB sofreu uma forte censura na época da ditadura. De que forma isso afetou a estrutura do jornal e seus leitores?
Todos os setores continuaram trabalhando normalmente – observando, é lógico, as imposições do “pode/não pode” especialmente aos editores, redatores e repórteres da área política. Havia, é certo, a tensão natural, que se irradiava por toda a redação, especialmente durante as prisões do editor Alberto Dines, em duas ocasiões. Mas esse é um capítulo longo, que merece relembrar alguns célebres episódios de como se conseguiu driblar a censura e as conseqüências.
Por que a reforma gráfica de 2006 não deu certo?
Não foi a reforma gráfica que não deu certo – foi a empresa, nas mãos de outros proprietários e o jornal na de outros editores. A única identidade desse JB de 2006 com o JB acima lembrado era o nome. Este começou a desaparecer em meados de 1980… Mas também esta é outra longa história.
Jefferson de Barros Gomes
No fim dos anos 1950, o Jornal do Brasil iniciou uma histórica reforma gráfica e editorial, que transformou o diário das donas de casa, conhecido por seus anúncios classificados, num dos veículos mais inovadores do século 20, exemplo a ser seguido pelos concorrentes.
O jornalista e escritor Ivanir Yazbeck, ex-editor de arte dos jornais O Dia e Extra, com passagens pelo JB e pelo Globo, lembra em entrevista por e-mail como se deu essa revolução.
A reforma dos anos 50/60 foi considerada revolucionária na história do jornalismo brasileiro. Como ela foi construída?
A reforma começou em 1956 sob o comando do jornalista Odylo Costa, filho e do artista plástico Amílcar de Castro. Lentamente – e não, como se imagina hoje, de um dia para o outro–, o JB foi se impondo como uma escola de arranjos gráficos diferenciados dos outros jornais diários, no visual mais atraente, elegante e, sobretudo, de fácil leitura. Três características dos primeiros movimentos: a) a abertura de um espaço maior, entre os anúncios classificados, que dominavam a primeira página, para as chamadas das notícias mais importantes; b) a abolição dos fios que separavam as colunas; c) valorização do material fotográfico.
Como a sociedade reagiu à mudança? Que impacto ela causou? O que representou para os leitores?
Aos leitores, o texto disposto mais ordenadamente, sem artifícios de continuações em páginas seguintes. Para se entender o significado dos efeitos desse aprimoramento, compare-se o Globo, dessa mesma época, com o seu caótico emaranhado de textos, ao lado da diagramação mais clara e disciplinada do JB.
Dentro do JB, como reagiram à mudança?
Todos os setores foram contemplados pela modernização gráfica: os repórteres viam seu material mais valorizado; a padronização desafiava os redatores a produzirem títulos mais criativos; o material ilustrativo, fotos ou desenhos, ocupando espaços amplos; os editores e diagramadores, tentados ao desenho das páginas mais atraentes; e, na última ponta, a indústria gráfica mais disciplinada na sua linha de montagem, orientada pelos cálculos dos textos datilografados transformados na matéria-prima da impressão (basicamente, o chumbo), que vão se encaixar em cada página, de acordo com os diagramas desenhados na redação. A oficina adquiriu mais rapidez e fluidez, com grande economia de tempo e de material.
O JB, nessa época, começou a publicar o Suplemento Dominical e em seguida, o Caderno B, com arte, cultura e variedades. Como a classe artística, que ganhou mais espaço no jornal, observou essa mudança e se integrou ao jornal?
O Suplemento Dominical foi o modelo para todos os cadernos de artes e variedades que se seguiram, não só no JB. Ele foi o embrião da maior invenção da imprensa brasileira, em todos os tempos, em matéria de suplemento: o Caderno B. A classe artística aplaudia de pé os espaços generosos que o Caderno B lhe dedicava. Havia uma página diariamente dedicada às críticas de cinema, teatro, artes plásticas, música popular e clássica, assinadas pelos mais respeitados jornalistas especializados. É no Caderno B que ocorrem as mais ousadas, criativas páginas que o farão modelo de diagramação. Dentro da grande escola de jornalismo obsessivamente correto e honesto, que foi o JB, o Caderno B representou o jornalismo gráfico ousado nas propostas e tendências inovadoras.
Também nessa época, a primeira página do jornal deixou de exibir somente classificados, e estes tornaram-se um L na primeira página. Ficou marcada a frase de Amílcar de Castro, que disse que “Antigamente, o JB queria se parecer com os outros jornais. Depois, todos os jornais quiseram ser o JB”.
Deve se destacar que a base do L, formado pelos pequenos anúncios, foi sendo reduzida, lentamente, em dois ou três anos, se ampliando o espaço para as notícias. Não foi um momento de impacto de um dia para outro. A frase de Amílcar de Castro é corretíssima: especialmente nos anos 60 até meados dos 70, o JB era uma referência não apenas nacional, mas reconhecido nas principais redações do mundo como um modelo de diagramação admirável.
De que forma o JB influenciou os outros jornais?
A edição da primeira página; os textos primorosos; o Caderno B – “onde o Rio era mais carioca”; a editoria feminina; a edição mais solta da cobertura esportiva; o Informe JB; a página de editoriais e charges assinadas por Lan, depois Chico Caruso; a coluna do Zózimo; a Revista de Domingo – em cada item, um modelo que se espalhou, se diversificou e ainda adquire nos jornais de hoje ares de “inovação”.
A mudança causou uma popularização do jornal?
Popularizou-se entre os leitores mais bem informados, mais cultos e exigentes – isso pode ser traduzido em 550 mil leitores de uma edição dominical nos anos de chumbo: 1969. Proporcionalmente à população do Rio à época, é bem superior às atuais edições dominicais da Folha de S.Paulo e Globo.
O JB sofreu uma forte censura na época da ditadura. De que forma isso afetou a estrutura do jornal e seus leitores?
Todos os setores continuaram trabalhando normalmente – observando, é lógico, as imposições do “pode/não pode” especialmente aos editores, redatores e repórteres da área política. Havia, é certo, a tensão natural, que se irradiava por toda a redação, especialmente durante as prisões do editor Alberto Dines, em duas ocasiões. Mas esse é um capítulo longo, que merece relembrar alguns célebres episódios de como se conseguiu driblar a censura e as conseqüências.
Por que a reforma gráfica de 2006 não deu certo?
Não foi a reforma gráfica que não deu certo – foi a empresa, nas mãos de outros proprietários e o jornal na de outros editores. A única identidade desse JB de 2006 com o JB acima lembrado era o nome. Este começou a desaparecer em meados de 1980… Mas também esta é outra longa história.
Mercado de jornais cada vez mais concentrado
22/11/2010Aline Ferreira e Monalisa Lima
O Rio de Janeiro já foi o mercado mais disputado pela imprensa nacional, abrigando mais de uma dezena de diários de grande circulação. Correio da Manhã, Diário Carioca, Última Hora, Tribuna da Imprensa, Diário de Notícias, O Jornal… e, agora, Jornal do Brasil. É longa a lista de veículos que sucumbiram nas últimas décadas, devido à má gestão, à concentração das verbas publicitárias e à perda de leitores, agravada pela concorrência do rádio, da TV e da internet.
Na década de 1950, a soma das vendas diárias de todos os jornais que circulavam pelo Estado do Rio de Janeiro chegava a 1,2 milhão, o equivalente a 0,4 exemplar para cada habitante. Hoje, os jornais do Rio de Janeiro, em conjunto, vendem apenas 500 mil exemplares por dia, ou seja, uma relação de 0,08 exemplar por habitante.
Isso significa o fim da linha para o jornalismo impresso? Longe disso. Relatório da Associação Mundial de Jornais (WAN, pela sigla em inglês) informa que as vendas de jornais no Brasil, entre 2003 e 2007, registraram alta de 24,93%, sendo que apenas no último ano a vendagem aumentou 11,8%. Apesar destes dados positivos, as vendas diárias de grandes jornais brasileiros como Folha de S.Paulo e O Globo têm caído desde o ano 2000. Dados divulgados pelo Instituto Verificador de Circulação (IVC) revelam que a Folha, O Globo e O Estado de S. Paulo perderam, respectivamente, 10,84%, 7,75% e 16,93% de circulação média diária em abril de 2009, se comparada aos números de abril de 2008. No ano de 2000, a Folha tinha circulação média de 429.476 exemplares/dia; O Globo, 334.098; e o Estadão, 391.023. Atualmente, nenhum deles atinge a circulação de 300 mil exemplares diários. Os dados do Jornal do Brasil eram uma incógnita, desde a desfiliação do diário do IVC, em 2008, devido a denúncias de que estaria inflando seus números. Mas informações do próprio JB apontavam circulação média diária em torno de 20 mil exemplares.
No Brasil, o mercado de jornais se mantém em expansão graças às publicações dedicadas à população de baixa renda e aos compactos gratuitos. Segundo Leonel Aguiar, professor e coordenador do curso de Jornalismo da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), o país vive um caso singular de crescimento. Ele relaciona essa realidade a dois fenômenos econômicos. O primeiro foi a saída de cerca de 28 milhões de cidadãos da linha de miséria e de aproximadamente 32 milhões da pobreza, ao longo dos últimos anos. O segundo, a produção focada nesses novos consumidores. “Essa incorporação da nova classe média como consumidora de informação foi percebida por algumas empresas”, assinala.
Esse novo contingente no mercado incentivou a criação de produtos específicos para seu poder aquisitivo. No caso dos impressos, surgiram os chamados jornais populares de qualidade ou populares sensacionalistas. O diretor-executivo da Associação Nacional de Jornais, Ricardo Pedreira, explica que esses títulos populares foram produzidos após a ascensão desta classe social. “As empresas jornalísticas souberam aproveitar o aumento da distribuição de renda e conquistaram novos leitores, que antes não compravam jornais”, sintetiza.
Segundo Aguiar, a manutenção ou expansão das tiragens de jornais brasileiros está diretamente relacionada às ofertas de jornais direcionados aos recém-chegados ao posto de leitores. “Em relação aos populares de qualidade, as manchetes lidam com quesitos econômicos que afetam a vida e o bolso do leitor do jornal. No outro segmento, de populares sensacionalistas, as manchetes são de casos policiais, esporte e mulheres”, distingue. Ele ainda menciona dois dos principais impactos destes veículos populares. “Incorpora a essa camada: o consumo de produto jornalístico e as discussões da sociedade”.
Com relação à oferta de jornais gratuitos, como Destak e PubliMetro, Aguiar é pontual: “Eu acho positivo. Quanto mais informação disponível, melhor”. Na visão de Pedreira, da ANJ, “é sempre muito auspiciosa a chegada de novos jornais, gratuitos ou não, pois significa um número maior de pessoas adquirindo o hábito do consumo de informações jornalísticas”. Aguiar comenta que este tipo de impresso não representa concorrência às demais publicações populares. “Eles concorrem em nichos muito particulares”. Além disso, ambos entrevistados apontam estes jornais como os responsáveis pelo número de leitores não ter continuado declinando. “Os jornais gratuitos não representam ameaça, mas sim o avanço dos impressos”, diz Pedreira. “Segundo alguns analistas, no mundo, principalmente na Europa, não caiu ainda mais o número de leitores por causa desses impressos grátis”, diz Aguiar.
No mercado de veículos impressos, o Estado do Rio ainda desempenha papel estratégico. Conforme Pedreira, o estado ainda possui um dos mais altos índices de leitura de jornal no Brasil. “Mas é importante assinalar que o país cresceu, se diversificou e há hoje uma fragmentação de leitores de jornais em todo o nosso território, o que é positivo”, complementa. Apesar dos elevados indicadores de leitura no Rio de Janeiro, a situação de estado concentrador não é a mesma de, no mínimo, 50 anos atrás. Para o professor Aguiar, diversos fatores influenciaram nesta mudança. As principais condições para essa modificação foram “a transferência da capital para Brasília, o fato de alguns jornais serem perseguidos e fechados, e a presença de setores que atendiam às idéias da ditadura militar para o desenvolvimento e a integração do Brasil como nação”, lembra.
Este caráter expansivo também pode ser aplicado para além de táticas políticas. Atualmente, algumas empresas empregam um marketing agressivo para garantir hegemonia comercial: como oferecer desconto para anunciantes divulgarem produtos ou serviços apenas em seu veículo. Em alguns casos, o preço que o anunciante pagaria para divulgar no jornal de uma empresa, é o mesmo que paga para divulgar em três veículos da companhia concorrente. “Isso não faz bem para a sociedade, para o mercado de trabalho e nem para a credibilidade do jornalismo”, alerta o professor. Para o diretor-executivo da ANJ, qualquer concentração é negativa, “o saudável é atuar dentro do espírito da concorrência”.
Sem o JB, o mercado carioca, hoje, está dividido entre os títulos do Infoglobo (O Globo, Extra e Expresso) e da Editora O Dia (jornais O Dia, Meia Hora e Marca.Br, antes chamado Campeão). Ambos protagonizam disputa que foi parar na Justiça. A ANJ pediu ao Ministério Público Federal que investigue possível manobra para driblar a legislação brasileira, que proíbe a participação de grupos estrangeiros superior a 30% em empresas de mídia. A Editora O Dia, antes pertencente à família Carvalho, foi comprada em abril de 2010 pela Empresa Jornalística Econômico S.A. (Ejesa), em transação avaliada em R$ 75 milhões.
Pedreira, da ANJ, define como condenável esta aquisição, pois 70,1% da Ejesa são de propriedade de Maria Alexandra de Almeida Vasconcellos, mulher do dono do grupo português Ongoing, Nuno Vasconcellos. Isso caracterizaria uma manobra para burlar a legislação, sustenta o executivo. Segundo o grupo Ejesa, a compra não é inconstitucional, pois Maria Alexandra é brasileira e casada em regime de separação de bens, podendo provar que o capital investido no negócio é dela e não do marido.
Sobre o assunto, leia:
MPF-SP investiga atuação da Ongoing no mercado de mídia brasileiro
Ejesa diz que Folha e Globo temem concorrência do Brasil Econômico
Diante desse duopólio, quais as perspectivas para o jornalismo impresso? Segundo Aguiar, o futuro é a convergência midiática. Pedreira explica que é possível ter a convivência das duas plataformas, impressa e digital: “Quanto à internet, devemos encará-la mais como uma oportunidade de crescimento da audiência do que uma ameaça”. Com a união de ambas as mídias, os profissionais desta área estão recebendo novas designações. “Essa junção das redações traz duas denominações para os jornalistas: os migrantes digitais, que devem se adaptar; e os nativos digitais, que sofrem com sobrecarga de trabalho, por exemplo: TV e rádio na web, e impresso”, exemplifica Aguiar, lembrando que pesquisadores têm divergentes análises acerca dessa conjuntura, alguns apontando “ampliação do mercado de trabalho; outros, enxugamento nas redações”.
O Rio de Janeiro já foi o mercado mais disputado pela imprensa nacional, abrigando mais de uma dezena de diários de grande circulação. Correio da Manhã, Diário Carioca, Última Hora, Tribuna da Imprensa, Diário de Notícias, O Jornal… e, agora, Jornal do Brasil. É longa a lista de veículos que sucumbiram nas últimas décadas, devido à má gestão, à concentração das verbas publicitárias e à perda de leitores, agravada pela concorrência do rádio, da TV e da internet.
Na década de 1950, a soma das vendas diárias de todos os jornais que circulavam pelo Estado do Rio de Janeiro chegava a 1,2 milhão, o equivalente a 0,4 exemplar para cada habitante. Hoje, os jornais do Rio de Janeiro, em conjunto, vendem apenas 500 mil exemplares por dia, ou seja, uma relação de 0,08 exemplar por habitante.
Isso significa o fim da linha para o jornalismo impresso? Longe disso. Relatório da Associação Mundial de Jornais (WAN, pela sigla em inglês) informa que as vendas de jornais no Brasil, entre 2003 e 2007, registraram alta de 24,93%, sendo que apenas no último ano a vendagem aumentou 11,8%. Apesar destes dados positivos, as vendas diárias de grandes jornais brasileiros como Folha de S.Paulo e O Globo têm caído desde o ano 2000. Dados divulgados pelo Instituto Verificador de Circulação (IVC) revelam que a Folha, O Globo e O Estado de S. Paulo perderam, respectivamente, 10,84%, 7,75% e 16,93% de circulação média diária em abril de 2009, se comparada aos números de abril de 2008. No ano de 2000, a Folha tinha circulação média de 429.476 exemplares/dia; O Globo, 334.098; e o Estadão, 391.023. Atualmente, nenhum deles atinge a circulação de 300 mil exemplares diários. Os dados do Jornal do Brasil eram uma incógnita, desde a desfiliação do diário do IVC, em 2008, devido a denúncias de que estaria inflando seus números. Mas informações do próprio JB apontavam circulação média diária em torno de 20 mil exemplares.
No Brasil, o mercado de jornais se mantém em expansão graças às publicações dedicadas à população de baixa renda e aos compactos gratuitos. Segundo Leonel Aguiar, professor e coordenador do curso de Jornalismo da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), o país vive um caso singular de crescimento. Ele relaciona essa realidade a dois fenômenos econômicos. O primeiro foi a saída de cerca de 28 milhões de cidadãos da linha de miséria e de aproximadamente 32 milhões da pobreza, ao longo dos últimos anos. O segundo, a produção focada nesses novos consumidores. “Essa incorporação da nova classe média como consumidora de informação foi percebida por algumas empresas”, assinala.
Esse novo contingente no mercado incentivou a criação de produtos específicos para seu poder aquisitivo. No caso dos impressos, surgiram os chamados jornais populares de qualidade ou populares sensacionalistas. O diretor-executivo da Associação Nacional de Jornais, Ricardo Pedreira, explica que esses títulos populares foram produzidos após a ascensão desta classe social. “As empresas jornalísticas souberam aproveitar o aumento da distribuição de renda e conquistaram novos leitores, que antes não compravam jornais”, sintetiza.
Segundo Aguiar, a manutenção ou expansão das tiragens de jornais brasileiros está diretamente relacionada às ofertas de jornais direcionados aos recém-chegados ao posto de leitores. “Em relação aos populares de qualidade, as manchetes lidam com quesitos econômicos que afetam a vida e o bolso do leitor do jornal. No outro segmento, de populares sensacionalistas, as manchetes são de casos policiais, esporte e mulheres”, distingue. Ele ainda menciona dois dos principais impactos destes veículos populares. “Incorpora a essa camada: o consumo de produto jornalístico e as discussões da sociedade”.
Com relação à oferta de jornais gratuitos, como Destak e PubliMetro, Aguiar é pontual: “Eu acho positivo. Quanto mais informação disponível, melhor”. Na visão de Pedreira, da ANJ, “é sempre muito auspiciosa a chegada de novos jornais, gratuitos ou não, pois significa um número maior de pessoas adquirindo o hábito do consumo de informações jornalísticas”. Aguiar comenta que este tipo de impresso não representa concorrência às demais publicações populares. “Eles concorrem em nichos muito particulares”. Além disso, ambos entrevistados apontam estes jornais como os responsáveis pelo número de leitores não ter continuado declinando. “Os jornais gratuitos não representam ameaça, mas sim o avanço dos impressos”, diz Pedreira. “Segundo alguns analistas, no mundo, principalmente na Europa, não caiu ainda mais o número de leitores por causa desses impressos grátis”, diz Aguiar.
No mercado de veículos impressos, o Estado do Rio ainda desempenha papel estratégico. Conforme Pedreira, o estado ainda possui um dos mais altos índices de leitura de jornal no Brasil. “Mas é importante assinalar que o país cresceu, se diversificou e há hoje uma fragmentação de leitores de jornais em todo o nosso território, o que é positivo”, complementa. Apesar dos elevados indicadores de leitura no Rio de Janeiro, a situação de estado concentrador não é a mesma de, no mínimo, 50 anos atrás. Para o professor Aguiar, diversos fatores influenciaram nesta mudança. As principais condições para essa modificação foram “a transferência da capital para Brasília, o fato de alguns jornais serem perseguidos e fechados, e a presença de setores que atendiam às idéias da ditadura militar para o desenvolvimento e a integração do Brasil como nação”, lembra.
Este caráter expansivo também pode ser aplicado para além de táticas políticas. Atualmente, algumas empresas empregam um marketing agressivo para garantir hegemonia comercial: como oferecer desconto para anunciantes divulgarem produtos ou serviços apenas em seu veículo. Em alguns casos, o preço que o anunciante pagaria para divulgar no jornal de uma empresa, é o mesmo que paga para divulgar em três veículos da companhia concorrente. “Isso não faz bem para a sociedade, para o mercado de trabalho e nem para a credibilidade do jornalismo”, alerta o professor. Para o diretor-executivo da ANJ, qualquer concentração é negativa, “o saudável é atuar dentro do espírito da concorrência”.
Sem o JB, o mercado carioca, hoje, está dividido entre os títulos do Infoglobo (O Globo, Extra e Expresso) e da Editora O Dia (jornais O Dia, Meia Hora e Marca.Br, antes chamado Campeão). Ambos protagonizam disputa que foi parar na Justiça. A ANJ pediu ao Ministério Público Federal que investigue possível manobra para driblar a legislação brasileira, que proíbe a participação de grupos estrangeiros superior a 30% em empresas de mídia. A Editora O Dia, antes pertencente à família Carvalho, foi comprada em abril de 2010 pela Empresa Jornalística Econômico S.A. (Ejesa), em transação avaliada em R$ 75 milhões.
Pedreira, da ANJ, define como condenável esta aquisição, pois 70,1% da Ejesa são de propriedade de Maria Alexandra de Almeida Vasconcellos, mulher do dono do grupo português Ongoing, Nuno Vasconcellos. Isso caracterizaria uma manobra para burlar a legislação, sustenta o executivo. Segundo o grupo Ejesa, a compra não é inconstitucional, pois Maria Alexandra é brasileira e casada em regime de separação de bens, podendo provar que o capital investido no negócio é dela e não do marido.
Sobre o assunto, leia:
MPF-SP investiga atuação da Ongoing no mercado de mídia brasileiro
Ejesa diz que Folha e Globo temem concorrência do Brasil Econômico
Diante desse duopólio, quais as perspectivas para o jornalismo impresso? Segundo Aguiar, o futuro é a convergência midiática. Pedreira explica que é possível ter a convivência das duas plataformas, impressa e digital: “Quanto à internet, devemos encará-la mais como uma oportunidade de crescimento da audiência do que uma ameaça”. Com a união de ambas as mídias, os profissionais desta área estão recebendo novas designações. “Essa junção das redações traz duas denominações para os jornalistas: os migrantes digitais, que devem se adaptar; e os nativos digitais, que sofrem com sobrecarga de trabalho, por exemplo: TV e rádio na web, e impresso”, exemplifica Aguiar, lembrando que pesquisadores têm divergentes análises acerca dessa conjuntura, alguns apontando “ampliação do mercado de trabalho; outros, enxugamento nas redações”.
Longe do fim?
21/11/2010Novas perspectivas surgem para o jornal impresso, mas o futuro do formato é incerto
Júlio Altieri, Luiz Portilho e Rodrigo Cherem
O fim da edição impressa do Jornal do Brasil fez ressurgir a discussão sobre o futuro do impresso. Questões econômicas, o avanço do digital, o surgimento de novas estratégias de mercado, a aceleração da informação e o alcance de público são combustíveis para esse debate. Segundo especialistas, não há perspectiva de extinção do impresso a curto prazo, mas o futuro é incerto.
O avanço das novas mídias criou condições especiais no mercado do jornalismo e provocou reações em todo o mundo. Segundo o blog americano, “PaperCut”, pertencente a uma empresa americana da área de gerenciamento de impressão de mesmo nome, há uma tendência de diminuição do número de jornais nas grandes cidades americanas. Desde 2008, 166 jornais fecharam as portas só nos EUA.
No Brasil, o Instituto Verificador de Circulação (IVC) aponta um aumento de 2% na venda diária de jornais durante o primeiro semestre deste ano, que chegou, em julho, a 4,25 milhões de exemplares. Contudo, este é um aumento estimulado pelo crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) e por um novo comportamento do mercado, a venda de jornais populares, que atinge a ascendente classe C, e gratuitos.
Apesar do primeiro semestre deste ano ter apresentado um sutil crescimento na venda, os dados de circulação do ano passado apontaram uma queda total de 3,5% e, entre os 20 maiores jornais, há uma decaída ainda mais abrupta, de 6,9%.
Segundo Orivaldo Perin, editor-executivo de O Globo, de 1995 até hoje houve queda expressiva na venda de exemplares de jornais. A Folha de S.Paulo, no auge do Plano Real, vendia 1,3 milhão de exemplares diários, hoje vende 340 mil; O Globo vendia 950 mil, quase o triplo da atual marca, de 332 mil; O Dia chegou a apresentar tiragem superior a 1 milhão de exemplares aos domingos, só em banca, mas atualmente não passa de uma média diária de 94 mil.
Paralelo a essas modificações surgem duas tendências que podem contribuir para a reconfiguração das estratégias de mercado do impresso. A primeira seria o encarecimento do papel e, em seguida, o gradativo barateamento e popularização das linhas de banda larga, aumentando cada vez mais o público disponível na internet, o que, de fato, já está ocorrendo, afirma o vice-diretor do Instituto de Arte e Comunicação da Universidade Federal Fluminense (UFF), João Batista de Abreu.
No livro A hora da geração digital, o pesquisador Don Tapscott, que previu a convergência de conteúdos para o celular, indica mais dois obstáculos ao impresso, os quais, para ele, são características comportamentais da geração de “early users”, os primeiros indivíduos a terem contato com o digital e a internet. Segundo Tapscott, essa geração não entende por que gastar dinheiro com a informação que se pode obter gratuitamente na internet e por que esperar até o dia seguinte para acessá-la. A velocidade e gratuidade da notícia online mostram-se rivais fortes ao impresso.
Outro pesquisador, o americano Chris Anderson, em seu livro Free, lança uma proposta mais ambiciosa: a de que a disponibilização gratuita na internet de conteúdos musicais, informativos, literários e midiáticos, no geral, é uma tendência do mercado. Anderson diz que o importante é acessar o maior número de pessoas e vender a popularidade. “A internet, então, mudou as formas de comercializar, usar e divulgar a informação”, completa a coordenadora do curso de jornalismo da Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Cristiane Costa.
Apesar de todas essas transformações, o jornal impresso já resistiu a situações parecidas diante do surgimento do rádio e da TV, mostrando-se uma instituição sólida e capaz de se adaptar. Hoje também há motivos para acreditar que ele não vai desaparecer tão facilmente.
Para Orivaldo Perin, “tudo indica que o impresso é o produto que mais gera receita para as empresas de comunicação, inclusive as Organizações Globo”, enquanto “o Globo Online é responsável por 10% do nosso faturamento, o que ainda é um número modesto”.
Perin também chama atenção para o fator da credibilidade que o impresso agrega. “Na ocasião da morte de Michael Jackson, a notícia só foi aceita oficialmente quando foi dada pelo L.A. Times”, relembra o jornalista. A internet sofre muito com a questão de qualquer um poder participar da produção de informação. As pessoas continuam se pautando pelos meios de maior credibilidade.
Geralmente não se muda para o digital para lucrar mais, e sim por estratégia de contenção de gastos, pois, como esclarece Cristiane Costa, “ainda são poucos os que conseguem ganhar muito com a internet, a publicidade paga melhor no impresso”. Para completar, quanto à queda na venda de exemplares nas bancas, Cristiane diz que esse nunca foi o sustento do jornal, nem as assinaturas, que é mais um instrumento de fidelização do público.
O professor João Batista de Abreu lembra que mais um aspecto favorável ao jornal impresso é o hábito cultural de consumo e de leitura do papel. Ele mesmo diz não gostar de ler no formato “online”.
Os especialistas parecem concordar em duas coisas: que a indústria dos jornais impressos não vai crescer muito mais e também que o futuro do segmento é incerto. O especialista em novas mídias e professor da Faculdade Cásper Líbero, de São Paulo, Caio Túlio Costa afirma que “o grande desafio de agora é adaptar os veículos às novas plataformas. Precisamos tentar novos modelos, novos formatos”.
Rosenthal Calmon Alves, professor da Universidade do Texas e diretor do Knight Center for Journalism in the Americas, aponta um caminho para o impresso. Segundo o pesquisador, possivelmente, este irá se tornar cada vez mais caro, um artigo de luxo, buscando quem não abre mão da relação com o papel, agregando a função de ir além do que já foi trabalho na internet. Em seminário na Associação Brasileira de Imprensa (ABI) sobre o futuro do impresso, Rosenthal, que participou por meio de videoconferência, alertou para o fato de a publicidade, tanto na Europa quanto nos EUA, não estar mais crescendo o suficiente para sustentar os jornais. Para compensar, os preços dos espaços publicitários estão aumentando.
Por fim, chama a atenção para o preço médio do jornal no Brasil, que tem se elevado.
Já sobre a configuração das mídias digitais, Ricardo Gandour, diretor de conteúdo do Grupo Estado, acredita que, com o surgimento dos tablets, o digital começa a ter sustentação no mercado. Mas o executivo ressalva: “É preciso esperar para ver como isso vai se consolidar”.
As plataformas digitais dedicadas à notícia parecem estar se consolidando. Orivaldo Perin destaca uma mudança de atitude das empresas em relação ao online, que está se integrando mais. “No começo, existia a ideia de que o online era um animal novo, que não se misturaria com o papel”. Desde o ano passado, de acordo com Perin, as redações de O Globo nos formatos online e impresso se fundiram. O jornalista afirma que os “jornalistas multimídia” do online e os “dinossauros” do impresso são complementares, pois, enquanto um domina as novas mídias, o outro apresenta um olhar mais reflexivo. “Além do mais, os portais de informação não sobreviveriam sem o suporte das grandes marcas do papel”, assinala Perin.
Júlio Altieri, Luiz Portilho e Rodrigo Cherem
O fim da edição impressa do Jornal do Brasil fez ressurgir a discussão sobre o futuro do impresso. Questões econômicas, o avanço do digital, o surgimento de novas estratégias de mercado, a aceleração da informação e o alcance de público são combustíveis para esse debate. Segundo especialistas, não há perspectiva de extinção do impresso a curto prazo, mas o futuro é incerto.
O avanço das novas mídias criou condições especiais no mercado do jornalismo e provocou reações em todo o mundo. Segundo o blog americano, “PaperCut”, pertencente a uma empresa americana da área de gerenciamento de impressão de mesmo nome, há uma tendência de diminuição do número de jornais nas grandes cidades americanas. Desde 2008, 166 jornais fecharam as portas só nos EUA.
No Brasil, o Instituto Verificador de Circulação (IVC) aponta um aumento de 2% na venda diária de jornais durante o primeiro semestre deste ano, que chegou, em julho, a 4,25 milhões de exemplares. Contudo, este é um aumento estimulado pelo crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) e por um novo comportamento do mercado, a venda de jornais populares, que atinge a ascendente classe C, e gratuitos.
Apesar do primeiro semestre deste ano ter apresentado um sutil crescimento na venda, os dados de circulação do ano passado apontaram uma queda total de 3,5% e, entre os 20 maiores jornais, há uma decaída ainda mais abrupta, de 6,9%.
Segundo Orivaldo Perin, editor-executivo de O Globo, de 1995 até hoje houve queda expressiva na venda de exemplares de jornais. A Folha de S.Paulo, no auge do Plano Real, vendia 1,3 milhão de exemplares diários, hoje vende 340 mil; O Globo vendia 950 mil, quase o triplo da atual marca, de 332 mil; O Dia chegou a apresentar tiragem superior a 1 milhão de exemplares aos domingos, só em banca, mas atualmente não passa de uma média diária de 94 mil.
Paralelo a essas modificações surgem duas tendências que podem contribuir para a reconfiguração das estratégias de mercado do impresso. A primeira seria o encarecimento do papel e, em seguida, o gradativo barateamento e popularização das linhas de banda larga, aumentando cada vez mais o público disponível na internet, o que, de fato, já está ocorrendo, afirma o vice-diretor do Instituto de Arte e Comunicação da Universidade Federal Fluminense (UFF), João Batista de Abreu.
No livro A hora da geração digital, o pesquisador Don Tapscott, que previu a convergência de conteúdos para o celular, indica mais dois obstáculos ao impresso, os quais, para ele, são características comportamentais da geração de “early users”, os primeiros indivíduos a terem contato com o digital e a internet. Segundo Tapscott, essa geração não entende por que gastar dinheiro com a informação que se pode obter gratuitamente na internet e por que esperar até o dia seguinte para acessá-la. A velocidade e gratuidade da notícia online mostram-se rivais fortes ao impresso.
Outro pesquisador, o americano Chris Anderson, em seu livro Free, lança uma proposta mais ambiciosa: a de que a disponibilização gratuita na internet de conteúdos musicais, informativos, literários e midiáticos, no geral, é uma tendência do mercado. Anderson diz que o importante é acessar o maior número de pessoas e vender a popularidade. “A internet, então, mudou as formas de comercializar, usar e divulgar a informação”, completa a coordenadora do curso de jornalismo da Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Cristiane Costa.
Para Orivaldo Perin, “tudo indica que o impresso é o produto que mais gera receita para as empresas de comunicação, inclusive as Organizações Globo”, enquanto “o Globo Online é responsável por 10% do nosso faturamento, o que ainda é um número modesto”.
Perin também chama atenção para o fator da credibilidade que o impresso agrega. “Na ocasião da morte de Michael Jackson, a notícia só foi aceita oficialmente quando foi dada pelo L.A. Times”, relembra o jornalista. A internet sofre muito com a questão de qualquer um poder participar da produção de informação. As pessoas continuam se pautando pelos meios de maior credibilidade.
Geralmente não se muda para o digital para lucrar mais, e sim por estratégia de contenção de gastos, pois, como esclarece Cristiane Costa, “ainda são poucos os que conseguem ganhar muito com a internet, a publicidade paga melhor no impresso”. Para completar, quanto à queda na venda de exemplares nas bancas, Cristiane diz que esse nunca foi o sustento do jornal, nem as assinaturas, que é mais um instrumento de fidelização do público.
O professor João Batista de Abreu lembra que mais um aspecto favorável ao jornal impresso é o hábito cultural de consumo e de leitura do papel. Ele mesmo diz não gostar de ler no formato “online”.
Os especialistas parecem concordar em duas coisas: que a indústria dos jornais impressos não vai crescer muito mais e também que o futuro do segmento é incerto. O especialista em novas mídias e professor da Faculdade Cásper Líbero, de São Paulo, Caio Túlio Costa afirma que “o grande desafio de agora é adaptar os veículos às novas plataformas. Precisamos tentar novos modelos, novos formatos”.
Rosenthal Calmon Alves, professor da Universidade do Texas e diretor do Knight Center for Journalism in the Americas, aponta um caminho para o impresso. Segundo o pesquisador, possivelmente, este irá se tornar cada vez mais caro, um artigo de luxo, buscando quem não abre mão da relação com o papel, agregando a função de ir além do que já foi trabalho na internet. Em seminário na Associação Brasileira de Imprensa (ABI) sobre o futuro do impresso, Rosenthal, que participou por meio de videoconferência, alertou para o fato de a publicidade, tanto na Europa quanto nos EUA, não estar mais crescendo o suficiente para sustentar os jornais. Para compensar, os preços dos espaços publicitários estão aumentando.
Por fim, chama a atenção para o preço médio do jornal no Brasil, que tem se elevado.
Já sobre a configuração das mídias digitais, Ricardo Gandour, diretor de conteúdo do Grupo Estado, acredita que, com o surgimento dos tablets, o digital começa a ter sustentação no mercado. Mas o executivo ressalva: “É preciso esperar para ver como isso vai se consolidar”.
As plataformas digitais dedicadas à notícia parecem estar se consolidando. Orivaldo Perin destaca uma mudança de atitude das empresas em relação ao online, que está se integrando mais. “No começo, existia a ideia de que o online era um animal novo, que não se misturaria com o papel”. Desde o ano passado, de acordo com Perin, as redações de O Globo nos formatos online e impresso se fundiram. O jornalista afirma que os “jornalistas multimídia” do online e os “dinossauros” do impresso são complementares, pois, enquanto um domina as novas mídias, o outro apresenta um olhar mais reflexivo. “Além do mais, os portais de informação não sobreviveriam sem o suporte das grandes marcas do papel”, assinala Perin.
Um comentário:
Com todos os problemas de Nelson Tanure, se não fosse ele, o JB teria desaparecido definitivamente. Ele não existiria hoje, nem nas bancas, nem na internet.
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