quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

As duas faces de Sakineh, a mulher que o Irã transformou em sofrida Mona Lisa
Emanoel Barreto

As coisas de jornal da Folha dizem que a iraniana Sakineh Mohammadi Ashtiani foi libertada, revogada também a pena de morte por "lapidação", que é o nome dado a apedrejamento pelos seguidores de Mafoma, também chamado de Maomé. A libertação é decorrência da pressão internacional.

O jornal informa também que "a ONG Solidariedade Irã, que também acompanha o caso, confirmou a libertação de Sakineh, seu filho Sajad Ghaderzadeh, e seu advogado Javid Houtan Kiane, detidos no começo de outubro junto a dois jornalistas alemães que os entrevistaram, em comunicado enviado por e-mail à Folha".



Como se vê, a justiça iraniana é duríssima: além da ré foram presos o filho e o advogado. O que os aiatolás querem com a libertação da mulher, acusada de assassinato e adultério, não é cumprir com os mais mínimos princípios do que seja civilidade por oposição à barbárie de sua legislação maometa. Não. Trata-se de atitude política, ação de marketig político e, mais que nisso, se insere na chamada diplomacia midiática.

Estudos de comunicação ainda iniciais, que se desenvolvem nos Estados Unidos, indicam que a globalização implicou em fatos que tais: o uso dos meios de comunicação para finalidades diplomáticas. Vai além de uma reles atitude de relações públicas e bem diferente da propaganda como a usada em tempos de guerra - quando os países se utilizam desta para incentivar seus cidadãos ao patriotismo e abalar o moral de tropas e povos inimigos.

A diplomacia midiática se insere sutilmente no processo de discussão típico da diplomacia, utilizando de técnicas de propaganda que, a par das negociações que se desenvolvem em tempos de paz, ingressa nesse cenário apresentando mensagem que visa positivar sua imagem no teatro político. Ou seja: a diplomacia midiática é a propaganda em tempo de paz e se volta para melhorar a visibilidade social de uma determinada potência.

O inverso também é verdade: usa-se da mídia para prejudicar a imagem de uma nação, como fizeram os Estados Unidos, utilizando-se de Sakineh para acuar o Irã em meio ao zoar das manchetes e de atos de protesto à sua morte. No caso, ela foi vitimizada três vezes: pelos seus algozes/compatriotas, pelos americanos e novamente pelos compatriotas, que a "libertaram". Mas, deixemos tal aspecto de lado, uma vez que estaríamos enveredando para o plano existencial da iraniana.

Quanto à libertação, o que quero observar é o seguinte: a arrancada midiodiplomática do Irã a está usando para assegurar ao mundo que ali se deu um passo à frente em termos de direitos humanos - tudo uma simulação, tudo um simulacro.

Observe as duas fotos: a primeira é a imagem emblemática da vítima. A imagem que correu o mundo em milhões de monitores. A visão de uma mulher alheada, o olhar perdido, fixo em algum ponto, o ominoso véu muçulmano deixando à mosta mínima parte de um ser humano. Olhar débil, algo choroso, profunda decepção com o ato de existir.

A segunda foto é típica imagem produzida: há uma espécie de soturna elegância na vestimenta e, da mulher, aparece apenas a face - nisso há alguma identidade entre uma imagem e outra. Mas, só nisso.

Observe: a mulher dá a impressão de estar maquiada. Sobrancelhas feitas, e aparentemente usa discreto batom. Ao fundo, em desfoque, árvores e arbustos dão a ideia de alguém ao ar livre. Mais que isso, alguém "fora da prisão", alguém que "está no mundo", portanto, gozando dessa alforria política que lhe deu o seu país.

A foto inspira uma atmosfera de tranquilidade, sugere pessoa que está ali, mas poderia muito bem estar em outro lugar qualquer, uma vez que está "livre". É como se a foto fosse um flagrante, não uma simulação de flagrantre. O ambiente é claro, insinua placidez e uma vaga sugestão de que o que está fora representa o estado interior, íntimo, espiritual, da mulher. Seria uma Mona Lisa em estilo maometa.

Perceba como ela foi orientada a olhar para a máquina, para que seu rosto renovado possa ser visto como alguém que aparenta estar bem de saúde, rosada e calma. Que lamentável.

Detalhe: ela não foi mostrada por inteiro. A visão de uma vestimenta feminina muçulmana é assustadora ao olhar ocidental: um imenso vestido negro adornando cruelmente um corpo de mulher volatilizaria a ideia otimista que se quer passar. A veste trevosa seria como se víssemos um presságio a caminhar pelas ruas anunciando ruínas e proclamando débitos impagáveis com Alá. Daí não ser recomendável a foto de corpo inteiro. Pobre Sakineh.

A diplomacia midiática de Irã e Estados unidos, claro, irá continuar, respaldando a marcha da insensatez do fundamentalismo de ambos os lados. E Sakineh, esteja certo, irá ser esquecida, pois jamais deixará o Irã, suponho. O Irã jamais aceitará que seja asilada em outro país. Lula tentou e perdeu. Libertar, libertar mesmo aquela mulher, os aiatolás jamais o farão. Isso daria munição à diplomacia midiática dos EUA, pois a iraniana daria entrevisatas, entrevistas que o Irã quer evitar a qualquer custo.

O que o regime islamita quer é apenas mostrar uma farsa. E o Ocidente, também farsante, inversamente igual ao Irã, irá monitorar o destino de Sakineh e gritar sempre que supuser que esteja sob ameaça. Diante disso talvez fosse mesmo melhor  que seja esquecida e viva pacificamente seus dias até que Alá, o Misericordioso, a leve deste mundo.

Nenhum comentário: