sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

De como hoje somos todos presidiários - mas não notamos
Emanoel Barreto

Cansado de muito trabalhar e pouco receber, padecer em filas de atendimento médico da rede pública, ser atacado por assaltantes e quejandos, sofrer sob o peso de chefias despóticas e amargar a possibilidade bastante real de velhice aterradora, aquele homem resolveu mudar de vida.


Tornou-se patife a malsinado, vilão e malfeitor, plajenou golpes e os executou com tanta mestria que até mesmo os mais refinados canalhas renderam-lhe homenagens e o elegeram "Grande Injuriador", comenda máxima da Ordem dos Salafrários, que tem jurisdição em todo o território nacional. 

Depois disso o Grande Injuriador passou a reescrever a história do país e divulgou seus estudos por toda parte. Tais divulgações ganharam foro de jurisprudência e tornaram-se lei.
Destarte, ficou-se sabendo que a Lei Áurea perdera há muito a validade e fora resultado de um pileque da Princesa Isabel, igual ao de Jânio Quadros que bebeu todas e renunciou. Só que, como renúncias não caducam, a Lei Áurea, pelos estudos do Grande Injuriador, estava com prazo de validade vencido.

Assim, ficou determinado que todos os que trabalhassem de carteira assinada deveriam assumir imediatamente sua condição de escravos. Mas, como os tempos são modernos e senzalas seriam caríssimas de manter, poderiam morar em suas casas que, pela nova lei, claro, pertenciam ao Grande Injuriador. 

E houve mais e grandes determinações e todo o povo, além de trabalhar, passou a pagar aos seus patrões, digo seus donos, a fim de ressarci-los por todos os anos em que haviam, injustamente, pago os salários daqueles agora escravos. 

Doentes passaram a ser chicoteados, a fim de desocupar as camas dos hospitais o mais rápido possível e dar lugar a outros doentes que, não tenha dúvida, pagariam muito caro para ser atendidos e internados por tempo não superior a dois dias, como já havia ocorrido com seus antecessores imediatos. Doença passou a ser chamada de vadiagem e havia rudes e justas punições. Afinal, alguém tem que trabalhar nesse país. 

Depois disso tudo passou a ser crime. Desde olhar para os lados ou formar filas. Assim, todos foram presos. Até os guardas foram presos. Então, toda a economia parou. E foram consultar o Grande Injuriador, que disse como solução de tão grave problema: "Libertai-os a todos, mas liberdade temporária. Todos os apenados terão uma semana para trabalhar, recolhendo-se novamente às suas respectivas penitenciárias aos sábados e domingos. Assim restabeleceremos a ordem e o progresso."
  
Tão sábias e augustas palavras foram saudadas com vivas e hurras e tudo se cumpriu segundo o dito. É por isso que hoje vivemos assim: pensamos estar livres, mas o Grande Injuriador guia a nossas vidas. E repousamos aos sábados e domingos.

Imagem: http://www.google.com.br/imgres?imgurl=http://ipt.olhares.com/data/big/47/477769.jpg&imgrefurl=http://olhares.aeiou.pt/presidiarios_foto477769.html&h=486&w=750&sz=193&tbnid=pNRk1v5GFcsqjM:&tbnh=91&tbnw=141&prev=/images%3Fq%3Dpresidi%25C3%25A1rios&zoom=1&q=presidi%C3%A1rios&hl=pt-br&usg=__ax3i2rDDDUcmBaHPFwNo6kP4-qQ=&sa=X&ei=I8oCTeWSLYO78gbO0dj3Ag&ved=0CDQQ9QEwBA

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