quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

De como o Diabo queria ter um filho
Emanoel Barreto

No post abaixo, a respeito de Lennon como morador do Edifício DAkota, faltou à matéria alusão importantíssima: ali foi filmado "O bebê de Rosemary", um dos mais impressionantes e bem feitos filmes a que já assisti. 

Dirigido do Roman Polanski em 1968, conta a história de jovem casal que vai morar no Dakota e ali o marido se envolve com satanistas que querem porque querem que a personagem vivida por Mia Farrow seja a mãe do filho do Diabo. 

A produção foge completamente do tipo terror sangrento e bruto para ser uma espécie de expressão da criatura humana lutando em meio a um mundo pavoroso. 

Transcrevo abaixo primoroso texto do jornalista e diretor Carlos Gerbase, que trata do filme.

Trata-se de análise que desvenda a trama por trás da trama e mostra como o trabalho de Polanski é fruto do comportamento profissional de um grande e meticuloso artista.

O BEBÊ DE ROSEMARY
de Roman Polanski
 
"O bebê de Rosemary" é normalmente classificado como um filme de terror. Nada mais equivocado. Os fãs de terror tendem a ficar decepcionados, pois não há qualquer imagem particularmente aterrorizante no filme. E, bem pior, o rótulo serve para espantar quem desgosta do gênero. Polanski é um mestre da ambigüidade, e não da clareza; da ironia, e não do riso; da intertextualidade, e não das fórmulas clássicas. Polanski é um homem atormentado, com uma vida difícil, cheia de lances dramáticos, mas que, ao transpor suas angústias para o cinema, consegue a façanha de torná-las universais, atemporais e (quase sempre) bem-humoradas. 

A vinda do anti-Cristo é, à primeira vista, o tema principal de "O bebê de Rosemary". Alguns chegam a dizer que o filme abriu caminho para os sucessos populares de "O Exorcista" e "A profecia" na década de 70. Mais equívocos. Polanski não está interessado, nem em discutir seriamente o satanismo, nem em espantar o público com exibições circenses de vômitos e levitações. Polanski está interessado em usar o medo do desconhecido como mola propulsora de uma análise devastadora da família norte-americana, de seus sonhos pequeno-burgueses, de suas aspirações tão conhecidas, domesticadas e inofensivas. Em "A dança dos vampiros" o vampiros são tratados com total descrédito – um é gay, outro não acredita em Deus, nem tem medo da cruz. Em "O bebê de Rosemary" o diabo vai nascer da barriga de Mia Farrow! Querem coisa mais inverossímil?
O que torna "O bebê de Rosemary" um clássico? Um poderoso conjunto de fatores, em que é possível destacar: 

1) o roteiro de Polanski, que mantém o suspense sempre crescendo, e o espectador cada vez com mais raiva da sonsa da Rosemary;
 
2) atuações muito boas de Mia Farrow (provavelmente a melhor da sua carreira), John Cassavetes e Ruth Gordon;
 
3) direção primorosa, que coloca a câmara sempre no lugar certo e consegue um ritmo fantástico para um filme que se passa quase todo dentro de um apartamento;
 
4) o humor permanente, que não causa risadas, e sim a sensação agradável de acompanhar uma história totalmente realista, mas que não leva a sério seu próprio argumento.
Polanski ainda nos oferece um dos melhores finais de filmes da história. Quando Rosemary finalmente vê seu bebê no berço negro e confirma todas as suas suspeitas, tem a chance de escolher entre dois caminhos: ou renega seu filho, partindo para o confronto com os feiticeiros, numa atitude católica e moralmente defensável; ou deixa seu instinto maternal falar mais alto, seguindo um caminho de sombras e pecados. Mia Farrow sorri, terna, para o bebê, a câmara abandona o apartamento e Polanski mostra como se termina um filme mantendo a espinha ereta e o coração tranqüilo. Alguns críticos dizem que ele cansou. Eu ainda tenho esperança. Longa vida para Roman Polanski.

Ficha técnica:
Roteiro: Roman Polanski, com base no romance de Ira Levin; Fotografia: William Fraker; Música: Krysztof Komeda; Produção: William Castle (Paramount); Duração: 137 minutos; Elenco: Mia Farrow (Rosemary), John Cassavetes (Guy, seu marido), Ruth Gordon (Minnie Castevert), Sidney Blackmer (Roman, seu marido), Maurice Evans (Hutch), Ralph Bellamy (dr. Sapirstein), Charles Grodin (dr. Hill).

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Carlos Gerbase é jornalista e trabalha na área audiovisual, como roteirista e diretor. Já escreveu duas novelas para o ZAZ (A gente ainda nem começou e Fausto) e atualmente prepara o seu terceiro longa-metragem para cinema, chamado "Tolerância".
 

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