segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Coronel Nascimento esmurra político safado e o cidadão a meu lado ruge: "É isso!"
Emanel Barreto

Somente ondem vi o filme Trope de Elite 2. Falta de tempo, uma coisa e outra e deixei pra lá. Mas, afinal, fui. À parte o fato de que é produção de excelente qualidade, temos ali resumo bem acabado do que seja a nossa sociedade, manifesto em personagens-tipo: o agora Coronel Nascimento em sua crença cega na polícia, os políticos criminosos versus político decente, o policial bom contra o policial bandido, o jornalista safado contrafação da jornalista martirizada.

No início do filme sarcástico letreiro adverte que se trata de "ficção" - apesar das veementes verossimilhanças com o real. Esse real é efetivamente o mundo social de fato, o antro bem brasileiro, o brazilian way of crime em suas diversas manifestações: desde o bandido em sua figuração de agente de violência física, até aquele que ocupa o Poder, tornando o crime orgânico àquele.

A cena em que Nascimento ataca e espanca um político safado foi programada sem dúvida para obtenção de efeito catártico nas plateias de todo o país. O cidadão sente-se personificado no personagem que deita mãos nesse tipo de gente, normalmente impune e afinal impunível uma vez que quase sempre tais facínoras são detentores de mandato e, portanto, donos de muito dinheiro. Soube que quando do lançamento do filme as pessoas aplaudiram a cena.

A obra é ficção sim, mas, acima de tudo, pela sua intensidade, é reflexo poderoso do real, talvez uma espécie de pleonasmo crítico desse real. A reiterada ocorrência de corrupção na nossa vida pública, todavia, não deve ser entendida como algo acima, adventícia, de fora dos nossos costumes cotidianos. Não: os políticos corruptos, os policiais corruptos são advindos da sociedadade mesma, de seus fundamentos e alicerces.

Não é aqui que funcionários públicos, podendo, se utilizam de carros de repartição para uso em fins de semana? Não é aqui que, se possível, se faz aquela contramãozinha rápida só para evitar um incômodo retorno bem mais adiante? Não é aqui que aquele leva para casa uma caixinha de clipes de cima do birô para usar no trabalho escolar do filho? Não é aqui que se utilizam fotocopiadoras do trabalho para interesses pessoais, poupando-se alguns reais e uma fila chata na xerox da esquina?

Pois são essas licenças, essa mostra de "esperteza", elevadas a milésia potência, que dão a pista para os grandes crimes de colarinho branco, dão ao policial corrupto a oportunidade de utilização da máquina de sua corporação para fins delituosos e ao detentor de mandato o sórdito direito de usar o Estado como coisa própria.

É esse o esquema mental do brasileiro que o Coronel Nascimento mostra: a cultura da corrupção como estilo de vida, o glamour cínico de quem quer se dar bem.

Logo ao início o filme sugere que Nascimento vai morrer em meio a rajadas de tiros. No final, aí marcante influência do cinemão americano, ele escapa milagrosamente com apoio providencial dos seus chapas do Bope, que chegam barbarizando a banda podre da polícia e pondo em fuga os atacantes. A meu lado um cidadão disse "é isso!", aplaudindo o poderoso revide de Nascimento ante os policiais corruptos.

Tropa de Elite 2 insinua que haverá a terceira parte. O policial atormentado narrando pela voz incisiva do ator Wagner Moura a grande crise da existência, a grande crise política, a crise de sermos brasileiros. Sabe?, gostaria que houvesse Tropa de Elite 3. Não é isso mesmo? Claro, claro que é. É isso!

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