De como reencontrei Moby Dick
Emanoel Barreto

Estou relendo o livro com calma, aninhando em mim uma falta de pressa que somente encontrava em meus anos verdes, quando sequer sonhava em ser jornalista mas supunha que um dia estaria nos longes da Terra escavando o chão em busca de múmias, buscando vasos etruscos ou caminhando em alguma paragem estranha e improvável. Nada disso aconteceu. Hoje, sou um ex-futuro-arqueólogo, metido com o revirar do cotidiano.
Mas, como dizia, leio com vagar, quase indolência; os olhos, ou melhor o olhar, passeando letras e palavras ao balanço suave da bondosa maté montante, que me leva de volta àquele livro e suas paisagens: faiscantes de sol marinheiro ou nubladas das brumas pardas da vida no mar. Um sonho.

Navego aos poucos, supero ventos e calmarias. Reencontro, por assim dizer, velhos amigos que andavam a percorrer as coisas e paragens escondidas nos portos, remansos, baías e golfos de um mundo perdido.
Releio Moby Dick como um jovem grumete, quem sabe um ágil gajeiro a administrar velas, suas vergas e aparelhos. Reingresso ao livro como quem chega a porto estrangeiro, em tempos bucaneiros, à busca de emprego na equipagem que já se apresta, aventureiro em intento de horizonte que está perdido num mapa que, sei, existe em mim, mas nunca, nunca mais, poderá ser palmilhado porque fugiu para o estuário largo e inalcançável das lembranças de um menino que passou.
Ele me acena e diz "venha". Eu tento e já não posso ir.
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