Navio em trânsito, 10 de junho de 1730
A quem cometa insensatez de acompanhar as minhas palavras, eis o que se segue,
Estou em navio, sórdida embarcação que tem em seus antros acolhidos elementos de notável indignidade e que muito se exaltam e se gabam de seguir à Terra Brasilis, onde, garantem, obterão grandes fortunas a troco de socapas e malandragens. Todavia, temo por mim, eis que sou sabedor de que ali reina grande balbúrdia - e súcias de variada estirpe do que há de pior em maus intentos campeiam de roldão.
Falam os mequetrefes que me cercam neste navio infecto que naquela terra não é raro ver-se homens andando de cabeça para baixo, para não gastar os pés. Devo dizer que o temor que me assola se dá porque, sabedor alguém de que meu cérebro tem mestria em organizar estrondos e vigarices, venha a capturar-me e pôr-me a seu escravo, aproveitando-se de minhas periculosas ideias e tornando-se rico ou mais rico ainda, se rico já o for, às custas de minhas matreirices.
Soube porém, para meu alívio, que neste navio sinistro e obscuro vive um ser execrável, um velho que se oculta nas mais profundas do porão e ali vive e exerce sua proficiência. Perguntei do que se trata e me disseram que é artífice precioso e grande fazedor de selas e arreios, bridões e outras traquitanas que se apõem a um cavalo.
Isso deu-me força aos instintos de aproveitador e logo urdi plano que mais tarde sabereis. Munido de tais intentos malignos e malsãos dirigi-me com cuidado ao seleiro. Fui recebido a fogo de pistola, que o indivíduo é homem de poucos amigos. A muito custo consegui dele aproximar-me. Com tenho comigo algum dinheiro, tilintei os dobrões e ele, ouvindo aquele hino à cupidez, desfez-se em meneios e reverências. Trata-se, como vedes, de vilão igual a mim.
O que quereis?, indagou-me o reles. E pedi-lhe que me fizesse uma sela especial, menor que as comumente usadas em alimárias e dei-lhe as espeficirações. E pedi rédeas, também de igual teor. Ele prometeu-me entregar tudo a tempo hábil, o que muito acalmou minha alma que tanto se alegra quando vê colapsos e hacatombes, desastres e pesares de que sempre aufiro bons proveitos.
Mas, não vos falo agora das minhas ignóbeis pretensões. Na próxima carta sabereis qual o meu plano e como tem tudo para dar certo na Terra Brasilis.
Deste patife e mal-falador,
Alberany, o abominável
Nenhum comentário:
Postar um comentário