segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Não sois máquinas, homens é que sois
Emanoel Barreto

Leio na Folha: Os caminhoneiros franceses mantêm bloqueados ou dificultam a circulação em vários pontos estratégicos do país nesta segunda-feira, em protesto pela reforma da previdência.
[...] As organizações de motoristas se juntaram aos sindicatos em protesto pelo atraso da idade mínima de aposentadoria de 60 a 62 anos e de 65 a 67 para recebimento de aposentadoria integral.

[...] Segundo as organizações estudantis, mais de 600 institutos de educação foram fechados para se unir ao protesto. Entretanto, segundo o governo, são 200 instituições fechadas.
As interrupções indefinidas e os protestos se multiplicam no país na véspera de um novo dia de greve geral, previsto para esta terça-feira, um dia antes da data prevista para que a reforma da previdência seja votada no Senado.

A mobilização dos trabalhadores franceses é um alerta preocupante. Os protestos indicam que tipo de mentalidade dirige as mentes dos governantes ligados ao neoliberalismo, que vê nas pessoas apenas peças de uma máquina gigantesca as quais se deve usar até o limite - da exaustão ou da morte dessas unidades vivas.

Isso a que chamamos de civilização está tomando vertentes que em verdade nos encaminham a uma nova barbárie, quando o dinheiro torna-se o valor supremo e o ser humano apenas um dado periférico e descartável.

O clássico chaplininano "Tempos modernos", extraordinária metáfora da brutalização do homem em favor da máquina e do capital torna-se mais atual do que nunca e adverte quanto à quebra de valores e sua substituição por um "Admirável mundo novo", obra prima de Aldous Huxley que sinaliza um mundo cruel e desumano. O mesmo se diga de "1984", de Orwell.

Quando os governos se tornam ilegítimos por representar apenas os interesses de um Estado leviatã devem ser contestados pela sociedade, essa sim a essência da vida e verdadeira origem de todos os valores.

Abaixo, transcrevo Charles Chaplin em seu magnífico texto:
Sinto muito, mas não pretendo ser um imperador. Não é esse o meu ofício. Não pretendo governar ou conquistar quem quer que seja. Gostaria de ajudar - se possível - judeus, o gentio... negros... brancos.


Todos nós desejamos ajudar uns aos outros. Os seres humanos são assim. Desejamos viver para a felicidade do próximo - não para o seu infortúnio. Por que havemos de odiar e desprezar uns aos outros? Neste mundo há espaço para todos. A terra, que é boa e rica, pode prover a todas as nossas necessidades.


O caminho da vida pode ser o da liberdade e da beleza, porém nos extraviamos. A cobiça envenenou a alma dos homens... levantou no mundo as muralhas do ódio... e tem-nos feito marchar a passo de ganso para a miséria e os morticínios. Criamos a época da velocidade, mas nos sentimos enclausurados dentro dela. A máquina, que produz abundância, tem-nos deixado em penúria. Nossos conhecimentos fizeram-nos céticos; nossa inteligência, empedernidos e cruéis. Pensamos em demasia e sentimos bem pouco. Mais do que de máquinas, precisamos de humanidade. Mais do que de inteligência, precisamos de afeição e doçura. Sem essas virtudes, a vida será de violência e tudo será perdido.


A aviação e o rádio aproximaram-nos muito mais. A própria natureza dessas coisas é um apelo eloqüente à bondade do homem... um apelo à fraternidade universal... à união de todos nós. Neste mesmo instante a minha voz chega a milhares de pessoas pelo mundo afora... milhões de desesperados, homens, mulheres, criancinhas... vítimas de um sistema que tortura seres humanos e encarcera inocentes. Aos que me podem ouvir eu digo: "Não desespereis! A desgraça que tem caído sobre nós não é mais do que o produto da cobiça em agonia... da amargura de homens que temem o avanço do progresso humano. Os homens que odeiam desaparecerão, os ditadores sucumbem e o poder que do povo arrebataram há de retornar ao povo. E assim, enquanto morrem homens, a liberdade nunca perecerá.

Soldados! Não vos entregueis a esses brutais... que vos desprezam... que vos escravizam... que arregimentam as vossas vidas... que ditam os vossos atos, as vossas idéias e os vossos sentimentos! Que vos fazem marchar no mesmo passo, que vos submetem a uma alimentação regrada, que vos tratam como gado humano e que vos utilizam como bucha de canhão! Não sois máquina! Homens é que sois! E com o amor da humanidade em vossas almas! Não odieis! Só odeiam os que não se fazem amar... os que não se fazem amar e os inumanos!

Soldados! Não batalheis pela escravidão! Lutai pela liberdade! No décimo sétimo capítulo de São Lucas está escrito que o Reino de Deus está dentro do homem - não de um só homem ou grupo de homens, mas dos homens todos! Está em vós! Vós, o povo, tendes o poder - o poder de criar máquinas. O poder de criar felicidade! Vós, o povo, tendes o poder de tornar esta vida livre e bela... de faze-la uma aventura maravilhosa. Portanto - em nome da democracia - usemos desse poder, unamo-nos todos nós. Lutemos por um mundo novo... um mundo bom que a todos assegure o ensejo de trabalho, que dê futuro à mocidade e segurança à velhice.

É pela promessa de tais coisas que desalmados têm subido ao poder. Mas, só mistificam! Não cumprem o que prometem. Jamais o cumprirão! Os ditadores liberam-se, porém escravizam o povo. Lutemos agora para libertar o mundo, abater as fronteiras nacionais, dar fim à ganância, ao ódio e à prepotência. Lutemos por um mundo de razão, um mundo em que a ciência e o progresso conduzam à ventura de todos nós. Soldados, em nome da democracia, unamo-nos!


Hannah, estás me ouvindo? Onde te encontrares, levanta os olhos! Vês, Hannah? O sol vai rompendo as nuvens que se dispersam! Estamos saindo da treva para a luz! Vamos entrando num mundo novo - um mundo melhor, em que os homens estarão acima da cobiça, do ódio e da brutalidade. Ergue os olhos, Hannah! A alma do homem ganhou asas e afinal começa a voar. Voa para o arco-íris, para a luz da esperança. Ergue os olhos, Hannah! Ergue os olhos!

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