Felizes são os mortos famosos
Emanoel Barreto
Os grandes mortos, os mortos famosos, esses não; esses já tiveram suas vidas apresentadas ou devassadas nas coisas de jornal dos jornais e TVs, internet e rádio. Esses são mortos experientes. Mortos que já conheciam a fama e dela desfrutavam. Mas os mortos anônimos sim. Esses que eram apenas espécimes da fauna urbana, podem ser miseravelmente famosos depois que seus corpos são entendidos pelos jornalistas como corpos noticiáveis.
Estranha e banal fama. Uma fama de arrabalde, perdida lá nos confins disso mesmo que se chama de fama. Não exatamente fama: um lembrete no grande pregão das notícias que gritam para ser lidas.
Mas não seria esse o destino dos pobres, das vidas magrinhas, vidinhas corcundas, encurvadas, caladas, transeuntes de si mesmas, perdidas nas filas, salariozinho catado nota a nota até o final do mês? Não seria esse o destino das vidas-moeda-de-troco? Vidas opacas, seus dramas pulsando em corações que não falam a língua dos grandes mortos? Os grandes mortos, esses sim, são mortos felizes.
Mas os outros não. Os sem fama são mortos que não são mortos felizes.
É o caso do rapaz encontrado boiando nas águas do Potengi. No corpo uma tatuagem de Jesus e um nome: "Luana". Fé e amor gravados num corpo que foi atirado às águas. Mais um drama insignificante de alguém de vida insignificante. Além das tatuagens, macas de balas. E pronto. Toda uma vida significada, agora sim. Agora sim, pela mensagem do amor, da fé e da violência.
Quem é "Luana"? Estará chorando por ele? Ela também insignificante, um espécime dentre muitos espécimes que habitam o submundo dos esquecidos dos não-lembrados, dos não, dos que são apenas não.
E o morto: como viveu? Como morreu? Por que morreu? Até agora não se sabe. Afinal, foi apenas mais um morto sem fama. Um morto velado pelas letras de jornal, lembrado brevemente pelas coisas de jornal.
É o caso da notícia abaixo, resgatada da edição de hoje do Diário de Natal.
Bombeiros resgatam corpo no Rio Potengi
Equipe retirou cadáver nas proximidades do mangue das Salinas Foto: Paulo de Sousa/DN/D.A Press |
Uma equipe do Corpo de Bombeiros foi acionada no início da manhã de ontem para resgatar o cadáver de um jovem ainda não identificado, que foi encontrado boiando no Rio Potengi, nas proximidades do mangue das Salinas, Zona Norte de Natal. O corpo foi visto por um pescador que acionou a polícia. Porém, somente com a ajuda dos Bombeiros foi possível a retirada do cadáver do rio.
O jovem, aparentando em média 25 anos, tinha duas tatuagens, sendo uma imagem de Jesus Cristo nas costas e outra com o nome "Luana" no braço esquerdo. Aparentemente ele foi morto a tiros, pois apresentava possíveis marcas de perfuração à bala no rosto e no braço esquerdo. A causa da morte, porém, somente será definida após laudo do Instituto Técnico Científico de Polícia (Itep), que recolheu o cadáver. O caso será investigado pela 9ª delegacia de Polícia no Panatis. (PS)
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