Emanoel Barreto
Uma forma de o jornalismo dar acontecimentos como fatos consumados é forçar, na assertividade do título ou do texto, essa assertividade como fato que se sobrpõe ao acontecimento que lhe deu origem.
Trata-se, portanto, de um meta-acontecimento. Explico: a representação do real é imposta ao real e surge como fato substituto e acima daquilo que busca representar. É a verdade jornalística sobrepujando a verdade de mundo. Veja o titulo da matéria ao lado: "'Rei morto', Lula diz que negociará reforma em 2011".
Com isso o jornal busca mostrar suposta incoerência entre o dizer e o fazer de Lula, arrimando-se no conteúdo da manchete para em tom acusativo indicar que o presidente buscará ser, nos bastidores, ventríloquo a comandar o espetáculo da transição e até mesmo, quem sabe, insinuar-se nos passos seguintes do governo Rousseff.
Diz o jornal: Um dia após ter afirmado que não vai interferir na composição do governo de Dilma Rousseff -"rei morto, rei posto"-, o presidente Lula disse ontem, em reunião ministerial no Palácio do Planalto, que pretende negociar com a oposição e emplacar uma reforma política no primeiro ano do novo governo.
O jornalão dos Frias tenta fazer valer ao pé da letra o ditado popular, determinando que o ator político Lula deveria recobrir-se de algo como uma espécie de ingênuidade política, retirando-se de cena.
A "verdade" jornalística está no fato de que, na legalidade da formulação do título, justifica-se a paralisia de Lula reivindicada pelo próprio título. A verdade de mundo reside no fato de que ingênuo seria cobrar de um ator político seu silêncio em momento que exige naturalmente sua presença e participação. Eu não disse "atitude decisória", mas "participação".
É embaralhando o real com o prescrito que o jornal proscreve esse mesmo real.
Jornalismo é técnica, mas também é arte. Como técnica atém-se a função fática: narrar de forma credível e fazer coincidir narração, descrição ou relato com o fato que lhe deu causa. Como arte, manifesta-se na clareza, elegância, originalidade e até mesmo na pontuação poética de texto ou título como ocorre com a crônica.
No caso do título analisado nesta matéria, houve o recurso algo poético de referência ao ditame popular, buscando verossimilhança entre essa licença e a realidade que a Folha intenta apor a Lula. Ou seja: requer que o presidente declare-se "morto" e se assuma como tal.
Em suma, não há, a rigor, informação. Pelo menos não informação em sentido estrito, mas informação impregnada, nas entrelinhas, do espírito de fazer oposição.
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