segunda-feira, 1 de novembro de 2010

A mão que balança o berço
Emanoel Barreto

Dilma não é uma boa oradora. Nisso, Serra, que  nesse quesito também não é nenhuma sumidade, a supera com reletiva facilidade. Por isso os pequenos atropelos nos debates, a aparência de indecisão do que dizer.

Esse nariz de cera é apenas para referir o pronunciamento da presidente eleita. Que, sem se utilizar de artifícios retóricos, frases de efeito, tentativa de figuração de carisma que não tem nem tentou encenar, apelou para uma fórmula mais simples e eficaz: narrar com argumentação objetiva o princípio de sua saga e expor o limiar do tempo a que dará partida.

O limiar, entendo, é uma fronteira de começo, o espaço que se alarga ante a visão do líder ou da líder, do ator político que irá lidar com o futuro que perscrutou. O limiar é o campo social a ser vivido, convivido, disputado. Ambiente complexo de avanços e recuos, paradas táticas e avanços decididos.

Foi assim que Dilma explicitou qual o seu limiar: incentivo à iniciativa privada, diálogo com segmentos religiosos, respeito à opinião da imprensa, manutenção dos programas sociais, fortalecimento da economia para que dispute os mercados internacionais.

Um discurso que aplaca qualquer dúvida, até mesmo dos mais renitentes adversários. E mesmo que não acalme os adversários, não lhes dará chances de afirmar que, logo de início, não lhes estendeu a mão. Refiro-me a Serra e a seu PSDB, onde já se pressente cizânia entre aquele e Aécio apontado por muitos como "culpado" de débâcle do serrismo.

Ao falar sobre a iniciativa privada deu a entender que não se colocará como adversária do capitalismo. Antes aproveitará seu potencial desenvolvimentista e empreendedorismo para gerar empregos e fazer mover-se a economia segundo as regras do mercado.

Ao abordar os segmentos religiosos deixou claro que entende esse estamento como parcela da sociedade civil. Foi bastante clara no último pleito a presença dos êmulos religiosos como integrantes da política. Não há como desconhecer que a religião, no Brasil, é um caso de política. Crenças, por mais obscurantistas que sejam, têm peso sim no processo político e isso não pode ser ignorado.

Mesmo no Estado laico os líderes religiosos, mesmo os sectários das seitas mais fundamentalistas, reivindicam ser ouvidos, pois o quadro histórico lhes confere legitimidade para opinar no conflituoso e emaranhado campo que mescla convicções de fé e manifestações dessa fé no quadro da busca de ocupação de espaços. Portanto, é preciso entendê-los como parte da sociedade civil. Sem capitulações, porém.

Quanto aos empresários, ficou claro o apoio e o incentivo à pequena e média empresas, buscando inserir tais negócios na formalidade - e nisso só têm a ganhar. As demais empresas, por sua própria compleição econômica, também terão apoio a que continuem a gerar emprego, renda e recolhimento de impostos.

Dilma foi clara com relação à imprensa, que lhe foi tão hostil ao longo de todo o processo de disputa: respeitará as opiniões e críticas, por compreender que o jornalismo é um dos pilares da democracia, sendo assim necessário que atue segundo o seu papel histórico.

Pronunciamento com maior dose de boa vontade, impossível. Tático, o discurso poderá ser recordado sempre que necessário como demonstrativo dessa boa vontade. Sincero, porque despido da oratória arrebatadora e salvacionista que caracteriza os pronunciamentos dos que se apresentam como taumaturgos e timoneiros de aventuras históricas.

Teria sido fácil, facílimo, acionar seu sistema de marketing para que produzisse peça voltada para uma espécie de colóquio monumental dirigido às massas, envergando a vencedora a armadura da guerreira. Antes, preferiu palavras simples que convocam à mobilização e ao encaminhamento naturalizado das ações do cotidiano nacional em seu processo de permanente vir a ser.

Creio que temos oportunidae ímpar para o exercício da grande política. Para tanto, será necessário uma oposição vigilante, mas sem o escudo e a lança do legionário agressivo; uma imprensa crítica, mas que escape ao jornalismo de ferocidade, ocultando no noticiário e na opinião as intenções de partidos políticos.

Dilma agora dará início às negociações para a composição ministerial. Passou a fase do enfrentamento, acabou a campanha e agora chega a hora da maternidade austera. E ela sabe que ela, só ela, é a mão que balança o berço.

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