O Poder nas mãos dos maus; a corrupção como norma padrão
Emanoel Barreto
A Operação Impacto volta às manchetes de Natal. O escândalo se arrasta há quatro e até hoje nenhum dos envolvidos foi declarado culpado - ou inocentado pela Justiça. A demora em si é preocupante porque revela e traz à tona mais uma vez nossa cultura de leniência, o lerdo e pesado caminhar na apuração de tais casos.
Isso dá-me a sensação de que o ato corrupto ganhou no Brasil uma espécie de etnia sui generis, tornou-se gesto corrente, orgânico ao nosso fazer social, impregnando nossa cultura de um certo letargo conspícuo, adjetivo que uso aqui em seu sentido de facilmente perceptível, que salta aos olhos, acrescendo-se a isso o fato de que, tornado comum, transformou-se em normal.
Essa letargia contamina todos os escalões da vida pública, que passa a ser vivida como se privada fosse e faz com que pessoas achegadas ao Poder, pelo voto ou por alguma forma de contrato com os poderosos - por exemplo, a prestação de serviços - sintam-se no direito de invadir, mesclar e infectar o que é público com o lamentável vírus de uso da res pública em favor de si ou dos que compõem o seu magote de parentes, aderentes ou beneficiários.
Somos uma sociedade que valoriza o "jeitinho", o arranjo, o acerto cordial das falcatruas. Isso gera a impunidade reiterada e a sensação, por parte daquele ou daqueles que não são punidos, de que podem evoluir da condição de impunes para o patamar, mais alto e confortável, de impuníveis. Ou seja: a impunidade passa a impunibilidade ou impossibilidade de ser punido. Isso é grave.
Cria-se um estado de coisas tal que essa situação, generalizada, torna-se uma espécie de segunda natureza, e assim esse processo de naturalização sugere, em seus efeitos práticos, que é assim e assim deve continuar. Torna-se exemplo e padrão, desarticulando no cidadão íntegro e honrado a convicção de que esteja do lado certo: o exercício cotidiano da probidade e da honradez.
O honrado passa a ser visto como "otário" e aquele que é digno tratado como "digno de pena" pelo fato mesmo de sua dignidade.
Quantos bandidos de colarinho branco você já viu ser presos? Quantos? Tenho certeza que pPoucos, bem poucos. Lembro-me de repente do Juiz Lalau e sua malversação de dinheiros públicos e de outro magistrado, esse envolvido em venda de sentenças. No Rio Grande do Norte recordo de outro juiz, mandante do assassinato de um promotor.
Nos últimos dias foi capturado Gledson Maia, diretor do Dnit, e sobrinho do deptado João Maia, cujo irmão Agaciel Maia já fora noticiado amplamente como praticante de corrupção. Nada aconteceu. Temo que nada venha a acontecer.
É que o ato corrupto já se configura na tal segunda natureza, densa e verdejante floresta onde se embrenham elementos de malíssimas intenções, voltados ao logro e ao descaminho de valores. A indecência estabeleceu-se e triunfa. Soam as trombetas da concussão e do impropério civil e nada se faz.
O mestre Rui Barbosa tinha razão quando dizia: "De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar da virtude, a rir-se da honra, a ter vergonha de ser honesto."
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