segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Após encotrar-se com o Marquês de Camisão y Astúrias, o Baronete Alberany,o Abominável, traça com seu anfitrião ilustre conversação, fixando planos para aquele que pretende tornar-se Faraó. Nesta carta ele narra o que então se passou.

Terra Brasilis, 14 de junho de 1730

Ilustre leitor, grande letrado, eis agora o que se vos passo a relatar de minha convivência com Sua Graça, o Marquês de Camisão y Astúrias. Caso tenhais paciência de me ler até o fim, vereis quantas cousas boas e dignos projetos estamos a fabular.

Eis o que vois falo: 
após tornar-me apto a conhecer as instâncias da ciência e pôr- me a par de altos conhecimentos, Sua Graça envidou-me a sérios planos. Eis o que se deu: Estais pronto a ajudar-me no intento de logo logo tornar-me Faraó?, disse-me ele.

Ao que de pronto respondi, contrito: Com todo o fito do meu ser e todas as forças que do corpo e mente me acudirem. Ó, exultou, então, tomai saber do que se passa em minh'alma gentil e industriosa. É missão minha e empenho pessoal chegar a tão subida posição. E tornar o povo tão feliz, por servir de bom grado a mim Senhor, que não posso abdicar das lutas, ingentes esforços que já se me avizinham. Meu primeiro passo, já o sabeis, será construir, erguer e erigir magnífica pirâmide, dossel  de eterna pedra onde repousará magnífico o meu sarcófago.

Encantado pela distinta honra de trabalhar com aquele iluminado ser, expus então o que se deu e vos dou agora a saber: Vossa Graça, indaguei, para a construção da pirâmide não precisaremos de extensas terras e de muita mão de obra? Sim, ele concordou de imediato.

Então, disse-lhe eu, mandemos vossos trabalhadores e escravos já a vossa terra repartir, delimitando o local de tão grande obra, feito grande e a ser inigualado. Mas a resposta que me deu calou-me a boca e entonteceu o meu raciocínio. Disse-me: Não. Mas por quê, Vossa Graça?, indaguei. Sem as terras não teremos obra, sem obra crescimento, sem crescimento pirâmide alguma, e tereis a vossa glória desabada.

Ele insistiu: Não. E explicou-me. Suas terras eram para o cultivo e as austeras produções, amanho e belíssimas colheitas. E como faremos?, quis saber então. Teremos terras, assegurou-me. Ante tal declaração logo intuí e disse: Já sei, tomaremos a terra ao povo, que a não nunca soube cultivar? Também não, asseverou, cenho cerrado. Também não, porque o povo não tem terra. E a quem a tem, quando a tem, está em área de paul que a nada serve, a não ser a nuvens de pernilongos e outros insetos malfazejos. O povo, Baronete, não tem nada. Nada a não ser os próprios braços, que esses nem mesmo lhes são seus, pois que vive a mendigar trabalho, implorando uma códea de pão. Pão preto e de travoso gosto.

Então, como faremos, Vossa Graça: ergueremos a pirâmide nos ares? Ele sorriu blandícias e demonstrou sabença: Baronete, tiraremos as terras de outro nobre. Que como eu não é bondoso e justo. Mas avaro e entesourador, não as cultivando com carinho intenso, como faço eu em meu saber.


Ó, Vossa Graça, que carinho, que grandeza de espírito. Deixa ao povo as suas pobres terras para que nelas possam com os mosquitos estar em serena convivência e temperança. E tomareis a um nobre igual a vós aquilo do qual não aproveita. Grande senso de justiça tendes! Eia!

Vistes, vistes como age de bom grado um grande Faraó? Eis aqui toda a minha justiça. Mas, ó, que infeliz sou - surpreendeu-me. E eu disse: Sois infeliz, Vossa Graça? Mas, como, se tendes um futuro eminente? Ao que ele respondeu: As terras que predendo, Baronete, pertencem a sórdido vilão, o Duque de Hermida y Aragão. E, dizem, e afirmou isso com olhar de medo, dizem que tem comércio com o diabo. E ante tais coisas mesmo um Faraó, um ser divino,deve atuar com cautela e parcimônia.

Percebendo o altivo sofrimento de Sua Graça, assumi postura varonil: Ah! Quer dizer que temos aqui um tratante que mantém contatos e presta serviços a Belzebu, heim? Diante de minhas palavras, o grandioso homem admitiu que sim e o fez com um triste acenar de cabeça.

Mas eis que então eu reagi de pronto: Não temais, nobre senhor, assegurei: Irei enfrentá-lo em seus próprios domínios. Esqueceis que tenho comigo súcia de velhacos de grande porte, homens loucos afeitos ao perigo? Esqueceis que me acompanham molheres feiticeiras e macabras, adivinhos falantes e terríveis, videntes e profetas embusteiros? Ó, nobre senhor, considerai vosso intento coisa feita. Deixai-me liderar a minha grei e ao fim e ao cabo vos trarei as alvíssaras mais lucentes e hermosas e daremos a nosso ofício mãos à obra, construindo monumental pirâmide.

E dizendo assim pedi licença, e de sua presença me saí. Reuni meu bando de ordinários, atirando-me à grande empreitada: enfrentar e vencer o Duque de Hermida y Aragão, abrindo ao meu senhor largos espaços.

Mas, eis que agora vos deixo leitor meu, ilustre anfitrião de mis palavras. Em breve retorno em outra carta, vos narrando o que se assucedeu.

Deste que vos honra e preza,
Baronete Alberany, o Abominável.

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