sexta-feira, 19 de novembro de 2010

A estranha história de Ranulfa, a moça triste
Emanoel Barreto

Ranulfa era uma boa moça. Mas uma moça triste. Afinal, chamava-se Ranulfa. E era triste de uma tristeza-auta-de-sousa, cabisbaixa e terna. Estranho isso, não?, uma tristeza terna. E de tanta ternura era a tristeza que Ranulfa a ela se apegara.

Caminhava a vida sempre ao lado de sua tristeza, com ela trocava confidências, comunicava segredos e indecisões, vontades e até mesmo raivas que, de tão pudicas, a moça não as vivia. Afinal, era uma moça triste e tristeza é algo tão grande que ocupa todos os espaços na alma de quem está triste; e assim, em Ranulfa, não havia lugar para as raivas.

Mas as raivas eram persistentes e seguiam a moça e sua amiga, a tristeza. Seguiam nas não tentavam se impor. Como disse, as raivas eram pudicas, ou seja: queriam ser sentidas mas não expressadas, porque as raivas também eram raivas tristes. As raivas queriam apenas um lugar junto à tristeza de Ranulfa.

Um dia, a tristeza disse a Ranulfa que iria partir. Ranulfa disse que não fosse, senão ela ficaria com saudade e quem tem saudade, saudade muita, termina por ficar triste. Mas como a tristeza teria ido embora, Ranulfa não poderia mais ser triste, e sem a sua tristeza não poderia viver.

A tristeza porém insistiu e insistiu tanto que Ranulfa disse: vá. E a tristeza se foi. Então, as raivas pudicas pediram licença e se apresentaram. Conversaram com a moça e fizeram um longo passeio juntas. Explicaram a ela que não tinham coragem de se apresentar ao mundo, porque o mundo é dominado pelas raivas explosivas e elas, como eram tímidas e pudicas, achavam que não poderiam competir com as raivas grandes.

Mas a moça, de tanto conviver com a tristeza e com ela se aconselhar, explicou às raivas pudicas que elas poderiam sim lutar no mundo e se fazer impor. E então, um dia, em meio a uma grande e densa névoa, a moça e as raivas pudicas se uniram e gritaram alto. A moça tornou-se alegre e intensa, um turbilhão.

Anos depois volta a tristeza. Estava desiludida com o mundo. Queria outra vez um lugar na alma da moça. Mas, dessa vez, foi ela quem não a quis ali. E disse à tristeza: vá embora. Depois que acolhi as minhas raivas e passei a falar e a gritar disseram que estou louca.
Então, é assim e louca que que quero ficar. Que ódio.


FIM

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