sábado, 17 de julho de 2010

Quando o jornalismo se vai



A morte do JB e Leônidas nas Termópilas
Emanoel Barreto

O anúncio do fim do Jornal do Brasil para 1° de setembro, anúncio que seu proprietátrio Nelson Tanure fez questão de dizer que será um ascenso, o "ingresso na modernidade" ao ser veiculado apenas na internet, é na verdade acontecimento de tristeza que chega à depressão para quem, como eu, a sente como perda e referente profissional e histórico.

O cinismo do dono só não é maior que o estrondo produzido pelo fim dessa voz impressa. Voz que já foi discurso candente; jornal como tribuna, jornal como ator, sujeito coletivo
 não-assujeitado, por exemplo, à ditadura de 64 - pelo menos não completamente.

Como exemplo histórico devo lembrar que o jornal não circulou dia 15 de dezembro de 1968, em repúdio à edição do Ato Institucional n° 5.  A Condessa Pereira Carneiro, então à frente do jornal, preferiu não registrar em suas páginas aquele gesto de brutalidade em forma de lei - lei infame e em essência da mais profunda ilegalidade; lei que feria o princípio do que seja a intenção-mor do que se entende por lei.

A débâcle do JB é tragédia de há muito instaurada em suas salas administrativas, seus escaninhos econômicos, seus registros de ativo e passivo. O fim do JB não é fato que chega assim e pronto: se apresenta como coisa no mundo.

O fim do JB é processo, é algo vivo, é dor que habita seu corpo coletivo como um mal que se alastrou, impregnou e desenvolveu ao longo do tempo como moléstia degenerativa. E nada, nada, conseguiu reverter a tendência à queda. Até chegarmos aos dias presentes.

A declaração do seu dono, de ingresso na modernidade, se não é o anúncio público de sua incompetência gestora - e é - revela, como discurso para quem o sabe ler, outro aspecto: não se trata do tão propalado fim do jornalismo impresso. Não. É fato isolado, vem de antes de tais augúrios funestos, é situação histórica a priori à internet.

Creio que o jornal impresso guarda, ainda guarda, seu poder e sua importância. Os jornais nas bancas de revista são parte da paisagem urbana, integram discurso de lugar, impregnam o telurismo visual de uma urbe. Os jornais gritam em suas cores o passar do cotidiano. Caetanamente nos enchem de alegria e preguiça. Que bom.

Sua força documental, seu potencial lúdico de interação com o leitor pelo manuseio, a capacidade atrativa do discurso gráfico, são fatores ponderáveis a depor favoravelmnte à sua perpetuação - pelo menos a alguma forma de perpetuação. Seja por reforma de conteúdo, reforma expressional com seu encaminhamento à análise, a volta ao até então improvável ressurgimento do jornalismo de opinião como o era no século 19.

Não prego um déja-vù em sua manifestação fenomênica de retrocesso, muito menos uma tautologia histórica; antes suponho uma necessidade, uma espécie de decisão técnico-empresarial. Proponho algo que é muito caro ao léxico ideológico dos capitalistas: empreendedorismo.
Tenho dificuldade em entender um jornalismo totalmente em internet. Quem suportaria ler todo o conteúdo de um jornal, ou pelo menos parte substancial dele, numa tela de computador? E mesmo havendo-se chegado a isso - ao jornal, perdão, internético -, que tipo de conteúdo, que tipo de aprofundamento teríamos?

Temo que tal situação configuraria um jornalismo de notinhas, um jornalismo zipado. Para comprovar o que digo, em processo de metaacontecimento você já deve experimentar agora, agora mesmo, ao ler este Coisas de Jornal, um certo cansaço; aquele, já bem conhecido, advindo da movimentação do mouse. Bingo! Estamos experienciando jornalismo na internet.
Que deve ser complementar, análitico e, especialmente, crítico do impresso. Essa a grande jogada. Pelo menos do ponto de vista democrático.

Talvez uma leve tendinite já advirta de que este artigo está longo, longo demais, contrariando aquilo que eu e meus colegas professores de jornalismo ensinamos: em internet o texto deve ser curto. E curto em função de uma lei tão velha quanto a própria humanidade: a lei do menor esforço.

Veja como os meus parágrafos são curtos. Cada partícula textual tem quase a duração de um aforismo. Ou é isso ou o leitor não aguenta. Você não aguenta. Eu não aguento. Ninguém aguenta. Talvez só Deus. Mas Deus não precisa de jornais.

Então, eis o que penso: um presuntivo fim do impresso não será uma causa advinda de si mesma, de esgotamento de um modelo. Os motivos são econômicos e são sociais. A internet, como fenômeno fin de siécle, contribuiu. A novidade tornou mais fácil o acesso ao conteúdo do jornal. A lei do menor esforço funcionou até mesmo aí.

Mas, a despeito do JB, creio perceber da parte dos donos de jornal, e isso em todo o mundo, consciência de que devem ajustar o artefato, a plataforma, ao mercado. O capitalismo sempre soube se flexibilizar, é um camaleão e todos sabemos disso. No caso, graças a Deus...

Mas isto é apenas uma bem intencionada especulação. Não tenho o dom das áugures de Delfos. Não posso prever. Sei contudo que a história não caminha a passos certos, a história não é positivista. Não se pode pensar que um acontecimento infausto seja reproduzido eternamente. Lembra da dialética, não lembra? Então, a história não é um ser, é um conjunto de variáveis. Independentes e ao mesmo tempo complexas, vitalizadas e dinâmicas. As crises devem ser momentos-fênix.

É ponderável admitir que o jornalismo impresso pode até morrer. Roma, apesar de roma, também acabou. Finou-se pela esgarçadura do seu modelo de sociedade, mas não foi uma decisão: "Não dá mais certo. Vamos fechar a loja".

Com o jornalismo não. Será decisão administrativa: quem o matará, como ao JB, não seremos nós, os jornalistas, sim os nossos patrões e sua adoração ao lucro, esse baal. As consequências do fim do jornalismo impresso serão gravíssimas, com brutais consequências à democracia. Politicamente, isso somente interessa a uma determinada elite.

Como disse, o jornalismo de internet cansa. Fisicamente cansa. Como disse, de novo, este texto já está muito longo... Paradoxalmente faço a minha própria contestação, pois exerço aqui jornalismo opinativo e de interpretação... na internet. Mas conheço meu leitorado. São pessoas que gostam de ler opinião e interpretação. Mas não de ser torturadas. Não escrevo para sadomasoquistas.

Assim, se eu estirar muito as digressões, se minha escritura atirar-se demais para baixo, mais e mais são mão recusará o mouse. É melhor entrar no MSN.

Voltarei ao tema. Por uma questão de bom senso vou parar. Isto é jornalismo, não uma tese.

Resumindo: creio, espero que o impresso não seja finado. Suponho que como Leônidas nas Termópilas, lutará até o fim dos seus últimos trezentos.

Ufa! Até que enfim terminei, heim? Você já deve estar morto...

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